- Terminei minha rotina, Stefany. Faria uma aula de pilates, se não tivesse que pousar no hospital, como acompanhante do Nascimento.
Como de praxe, o movimento da academia aumentou no fim da tarde. Jheniffer e Stefany foram até a área das bicicletas ergométricas.
- Vamos pedalar um pouco. Apreciar o movimento e a música.
- Você quer dizer paquerar.
- Isso, Stefany. Ver se tem carne nova no açougue. Um boy magia ou um novinho.
- Esse é o horário dos bombados. Disfarça, Stefany. Tem três deles nos secando, na prancha abdominal. Melhor olhar para a recepção. O próximo que entrar, é seu. Se for um gato, é meu.
Stefany lidava bem com o fato dos rapazes terem mais olhos pra Jheniffer, que realmente era linda e chamava muito a atenção.
- Jheniffer, você é terrível. Passa o rodo geral. Tirando os instrutores, que são gays por imposição do Michel, todos pagam pau pra você.
- Esqueceu das mulheres. Não é minha praia mas respeito. Por enquanto, não.
- Olha. Novidade isso. Ficaria com outra mulher, de boa?
- Com certeza. A espécie homem de verdade está em extinção, sabia? Homem perfeito, esquece. Não existe. É ficção.
- Concordo. Quando o cara é lindo, é chato. Odeio aqueles que nos corrigem quando falamos errado. Se é malhado, é pavão. Se é bom de cama, é galinha. Se é gentil e sabe cozinhar, é pobre. Se é rico, é um grosso. Se é tudo isso num cara só, é gay.
As risadas delas chamaram a atenção. Guilherme passou por elas.
- Estavam falando de mim, moçoilas? Já terminaram suas rotinas?
Stefany ficou séria.
- Já. Que tal uma aposta, Jheniffer?
- Lá vem. Você sempre perde, Stefany.
- Que acha de você seduzir e sair com o primeiro que entrar na FitnessUp, nos próximos dez minutos?
- Não é assim que funciona, garota. Tem que ter um prazo. Uma semana no mínimo. O bofe pode vir treinar dia sim, dia não.
- Verdade. Uma semana de prazo, então. Fechou?
- Não vale instrutores e funcionários da academia. Marca o tempo no cronômetro do seu celular.
Elas deram as mãos.
- Vai valer o que? Cem dólares? Três potes de sorvete de pistache? Uma semana de açaí grátis, na lanchonete da academia? Um pote gigante de Whey?
- Não, Stefany. Cansei de ganhar tudo isso de você , embora ame sorvete de pistache. Vamos apostar alto dessa vez. Se você ganhar, leva de mim cinquenta mil reais.
Stefany vibrou.
- Legal. E se você ganhar?
Jheniffer pensou, depois disse.
- Já ganhei. O seu escritório na avenida Paulista será nossa filial. Você trabalhará conosco.
- Gostei. Tomara que entre, nesse exato momento, o senhor Ambrósio, que vende suplementos e halteres.
- Engraçadinha. Perder não faz parte do meu dicionário, Stefany. Vamos chamar o Gui, pra selar a aposta.
Elas gritaram ao mesmo tempo, chamando o instrutor. Deram as mãos e se encararam, como duas lutadoras de MMA.
- Corta aqui, Gui. É uma aposta.
Disse Jheniffer, com raiva.
- Corto, sim. Me poupem dos detalhes mas que vença a melhor. Amo as duas.
Ele selou a aposta, desfazendo o cumprimento. Jheniffer e Stefany se abraçaram. A porta da academia aberta, iluminada pela luz do sol. O tempo passando e nada. Nenhuma alma viva entrava na academia. As duas amigas com a adrenalina e ansiedade lá em cima.
- Vai entrar um gato. Sarado, lindo e gostoso. Um sósia daquele ator que faz o Thor.
Jheniffer juntou as mãos. Uma espera angustiante.
- Tempo se esgotando, torcida brasileira. Faltam dois minutos. Se não entrar ninguém, aposta cancelada e sem efeito.
Jheniffer a interrompeu e deu um tapa no ombro da amiga.
- Olha. Entrou alguém.
Um vulto estava na entrada da academia, frequentada por pessoas da classe média alta da capital. Um rapaz foi até o balcão da recepção. Estava de calção preto , tênis branco e regata lilás. A toalhinha nos ombros.
- Tirou os óculos escuros. Quem é?
- Nunca vi mais gordo, Jheniffer. É alto e esbelto. Parece que você se deu bem, amiga
Guilherme atendeu o rapaz, dando-lhe as boas vindas. A atendente lhe entregou a ficha de inscrição. Jheniffer e Stefany se aproximaram da recepção.
- Bem vindo a FitnessUp, Apollo. Estamos no mês de aniversário da academia. Você ganhou um squizze, com nosso logotipo. Preencha o cupom, por favor. Vou torcer pra você ganhar a promoção de um mês de treinos gratuitos.
Apollo sorriu. Jheniffer e Stefany repararam nos seus olhos verdes. Apollo tinha a barba por fazer e um sorriso perfeito, de propaganda de creme dental.
- Seria ótimo, Guilherme. Vou escolher a garrafinha preta.
- Você pode tudo, Apollo. Que voz de locutor de rádio. Nossa, que letra linda. Vou lhe mostrar a academia.
Guilherme e Apollo passaram por elas. Guilherme sorriu. Apollo olhou para elas de relance. Falava com Guilherme sobre os aparelhos. Jheniffer sentiu o perfume dele. Ela beliscou Stefany.
- Perfume francês, amiga. Homem cheiroso é outro nível. Apollo, nome de deus grego.
Elas seguiram o rapaz com os olhos. Apollo foi cercado pelos instrutores.
- Comparado a ele, Bruno é um ogro. Se eu não ganhar essa aposta, pode me internar num hospício. Esse homem já é meu, Stefany.
Guilherme veio até o balcão. Jheniffer se apoiou em seus ombros.
- Diva, aqui não é lugar para alunos.
- Mas é lugar para melhores amigas. Quero a ficha daquele super homem, Apollo.
- Está bem, empoderada. Mandarei a foto da ficha dele, por W******p. Ele deixou os instrutores assanhados. Até eu, estava ovulando perto daquele pedaço de bom caminho. Ele está atraindo a atenção, como você, quando entrou aqui. Uma pulguinha me contou que Apollo tem a ver com a aposta que fizeram. Acertei?
- Sim. Que fique em segredo, Gui.
- Hum. Viu que olhos verdes? Vocês dois formariam um lindo casal. Teriam filhos belíssimos, como a Angelina Jolie e aquele ator loiro. Não posso falar o nome senão me arrepio.
Stefany se aproximou.
- Vamos, amiga. Eu a deixarei na sua casa.
Durante o trajeto, Jheniffer estava quieta.
- Tudo bem. Vai querer desistir da aposta?
- Não. Nem pensava na aposta, sua louca. Estou preocupada com Nascimento. Odeio hospitais, Stefany. Se ele quiser ir ao banheiro, como faço? Não vou jantar lá, nem que a vaca tussa. Aquela comida sem sal e tempero. Lá pras dez horas da noite eu saio e procuro um treiller de lanches. Farei isso por ele, meu amigo.
- Leve cobertor, hospitais são frios de madrugada. Um livro pra passar o tempo. Há excelentes livros nas plataformas digitais. Vou pedir pra minha mãe colocar o Nascimento nas suas orações.
Stefany a beijou no rosto.
- Te amo, Jheniffer. Mande notícias sobre o Nascimento, se tiver novidades.
- Está bem. Também te amo.
Tempo depois, após um banho e um lanche rápido, Jheniffer chegou ao hospital Redenção. Preferiu ir num carro de aplicativo, pra não ter que deixar o seu veículo na rua. Estava de tênis, calça jeans e camiseta. Tinha uma sacola com cobertor e toalha de rosto. Levou um livro, maçãs, uma caixa de bombons e duas tupperwares. Numa delas, torradas com geléia de mirtilo. Noutra, frango grelhado com batata doce e quinoa.- Marcela. Cheguei.Ela abraçou a esposa de Nascimento, na recepção do hospital.- Que bom que veio, Jheniffer. Fred, meu sobrinho, ficou com ele um pouco. Nascimento ainda está dormindo. Já está no quarto, o que é ótimo. Eu entrei pra vê-lo, rapidinho.- Está bem. Que boa notícia. Ele vai se recuperar. Vim de máscara contra o Covid19, ainda que as medidas de proteção tenham diminuído, estamos num hospital. Trouxe até meu álcool gel. Eu assumo o turno da noite. Precisarei de carona, amanhã cedo.- Sem problemas. Eu virei, às seis da manhã, na troca de turno. Eu a levarei, c
Jheniffer devolvia os halteres aos seus lugares quando Apollo se aproximou.- Boa tarde. Vou ajudá-la.Ela sorriu.- Enfim um cavaleiro. Muito obrigada. Sou Jheniffer.- Prazer. Sou Apollo Hermann. O instrutor Maurício me mandou para o Full Body.Jheniffer o mediu da cabeça aos pés. - Full Body é para iniciantes. Você tem um corpo perfeito. Com todo respeito.- Acha mesmo? Deve ser porquê sou novato aqui, que me colocaram na iniciação. Estava afastado dos treinos.Ela mordiscou o lábio inferior. Apollo tinha dois olhos verdes, incrustados como jóias naquele rosto másculo. A barba por fazer. Ele guardou o último peso, erguendo os braços e evidenciando as veias saltadas deles. O olhar dela passeou, das coxas grossas e torneadas ao peitoral, sua parte preferida na anatomia masculina. - Terei que dobrar minha carga de exercícios para que meu coração suporte sua beleza.- Essa cantada de academia é velha, Apollo. Vou encarar como elogio.- Me desculpa. Sua beleza é desconcertante. Ele e
Jheniffer foi até o banheiro do quarto do hospital. - Que sonho. Não acredito, sonhei com aquele novato da academia. Estou ficando louca mesmo. Preciso lavar o rosto. Ela sentou-se na beirada da cama de Nascimento e acariciou a mão dele. O paciente acordou. - Jheniffer? Que horas são?- Cinco e dez da matina. O médico disse que ficará uns dias em observação. - Só ouviu isso?- Não. Vou contar o que escutei. Cochicharam que, se você não largasse o cigarro, o uísque e o churrasco, teria mais dois anos de vida apenas.- Sério? Está mentindo.Ela o encarou, segurando o riso.- Verdade. Cochicharam que as veias do seu coração estavam entupidas. Quando passaram a mangueira, pra desentupir as veias do seu coração, o cheiro de uísque e picanha inundou a UTI. Teve enfermeira que desmaiou.- Meu Deus. Então a coisa foi séria? Não, está mentindo pra mim.- Não minto, mas há conserto. Você terá que parar com os vícios, praticar exercícios moderados, ter uma dieta balanceada, não se estres
Jheniffer atirou o celular no chão, quando o despertador tocou. - Estou um bagaço. Queria dormir mais um pouquinho. Hoje é a festa do Nascimento. Ele vai ter alta. Tenho que pegar o bolo e ajudar a Marcela. Prometi ajudar, agora tenho que aguentar e manter a palavra. Ela deixou a cama desarrumada. Foi pra cozinha, ainda de pijamas. - Deveria ser proibido levantar às seis. Baile funk é tudo de bom mas, pra acordar no outro dia, é um sacrifício. Preciso de um banho gelado e um café forte pra acordar. Preguiça, esse corpo não te pertence. Já na casa de Marcela, ela comemorou quando Fred chegou com uma máquina de encher bexigas. - Graças a Deus. Ninguém merece encher balões com a boca. Temos que terminar a decoração antes das oito horas. Os amigos e familiares de Nascimento chegaram. Stefany chegou com sua mãe, Celeste. O advogado desceu do carro, abraçado a esposa. Nascimento foi aplaudido, ao passar pelo portão. Jheniffer o abraçou. - Bem vindo de volta, amigo. Vida que segue
- Intervalo, pessoal. Vamos esticar as pernas, alongar, tomar uma água. Temos mesas com café, bolachas e bolos. Tudo feito com carinho pelas senhoras do grupo de oração. Anunciou o mestre de cerimônias. Jheniffer se levantou e andou pela quadra. O padre Martelotti a interpelou.- Filha. Tem que experimentar o bolo de cenoura com chocolate. Está divino.- Certamente, padre. Amei sua palestra. Seu trabalho com as pessoas em situação vulnerável é maravilhoso. Aceita meu cartão? Sou Jheniffer Stuart, advogada. Quero ser voluntária.- Isso é uma bênção. Vou entrar em contato sim. Fique a vontade.O padre se misturou a multidão. Jheniffer se aproximou da moça ruiva, ainda sentada em seu lugar. Ela era linda.- Boa noite. Será um verdadeiro milagre se cumprimentar o padre Apollo.- Boa noite. De fato. É sempre assim, as pessoas o cercam , pedem autógrafos. Os padres Marcelo e Fábio de Melo têm mais sossego.- Sou Jheniffer Stuart, advogada. Aceita meu cartão de visitas?- Sim. Sou Estela,
Jheniffer entrou no botequim, atraindo os olhares dos homens ali presentes. Ela puxou a barra da saia pra baixo e ergueu a blusa, tentando esconder o decote generoso. - Doutora Jheniffer Stuart, dando um rasante pela periferia? Finalmente se lembrou dos velhos amigos. - Olá, Jaime. Marquei encontro aqui, com a Stefany. A advogada tirou os óculos escuros. - Ela já chegou. Está lá nos fundos, treinando na mesa de sinuca. Jheniffer estendeu a mão e cumprimentou o dono do local. O bar, situado na Moóca, era o principal ponto de encontro das duas amigas, na época de faculdade. - Nunca me esqueci desse lugar, amigo. Era aqui que a gente vinha, na época das vacas magras. Pindura aí, Jaiminho. Era minha frase preferida, lembra? Leve uma tábua de frios e uma gelada pra nós, por favor. Ela caminhou até os fundos do botequim, onde havia um amplo salão com seis mesas de sinuca, bem iluminado e com música ambiente. Os letreiros em neon, fotos de cartazes de filmes famosos nas paredes de t
Apollo e Jheniffer chegaram em Perdizes, bairro da zona oeste da capital.- Chegamos, Jheniffer. Aqui é a nossa casa número um, onde fica nosso escritório.Ele desceu e deu a volta, abrindo a porta do carro para a moça. Ele acionou o interfone. O portão do sobrado se abriu.- Temos vinte refugiados morando aqui. Nossas outras casas ficam situadas na Freguesia, em Pinheiros e em Carapicuíba. No momento, damos assistência a cerca de cento e trinta pessoas. - Esse número apenas na capital? - Isso. Não é um número exato pois a movimentação é intensa. Varia toda semana pois muitos arrumam moradia fixa e emprego, felizmente. Por outro lado, há mais gente chegando, de diversos países. A maioria são haitianos, venezuelanos, bolivianos e sírios.Eles entraram na residência.- Abrimos uma casa em Roraima, devido a crise na Venezuela. A capacidade era pra quarenta pessoas mas está superlotada. Veio a necessidade de abrir outra casa em Chapecó, em Santa Catarina, para onde eles preferem ir. O
Apollo atendeu uma ligação no celular, enquanto Jheniffer olhava o cardápio. - Desculpa, Jheniffer. Era o Tobias, da embaixada. Tudo resolvido. - Tudo bem, era importante pra você. Escolhi uma sobremesa pra nós. Espero que lhe agrade. Eu amo. - Se você ama é porquê é uma delícia. Confio em você. Ele fez um sinal ao garçom, que se aproximou. Jheniffer fez o pedido. - Por favor, dois tiramissus. Apollo arregalou os olhos. Jheniffer riu. - Que foi? Não gosta de tiramissu? - Bem, pra falar a verdade, é igual caviar. Nunca comi, eu só ouço falar. Sei que é um doce italiano. - Sério? Tudo tem sua primeira vez. Seja sincero, se não gostar. O garçom trouxe a sobremesa. - Uau. Isso é uma obra de arte, Jheniffer. Já estou salivando. Após comer a primeira porção, ele fechou os olhos. Jheniffer se divertia com a reação dele, degustando a sobremesa. Apollo estendeu as mãos sobre a mesa. Jheniffer pegou as mãos dele. - Eu amei. Muito obrigado por esse momento feliz, Jheniffer. A part