Roommate

Sete anos...

Aquilo era menos como se esquecer e mais como viajar no tempo, pra sete anos no futuro; pelo menos, foi o que se passou pela sua cabeça quando entrou no enorme apartamento que era teoricamente dele e de Vinícius. 

— Uah... — Deu uma volta de trezentos e sessenta graus no centro da sala: tinha um enorme tapete felpudo, redondo e azul claro, entre um sofá grande, com o estofado verde escuro, uma poltrona, da mesma cor, e a estante de tevê, enorme, encostada à parede. Tão arrumadinho... Pelo visto ele e Vinícius se deram bem até demais dividindo o quarto da moradia universitária pra resolverem continuar morando juntos; se bem que lá era tudo sempre uma grande bagunça, especialmente as coisas do roommate. 

— Você está bem? — Vinícius veio do corredor da entrada, já sem o pullover e pondo a chave sobre a mesinha de apoio no canto da sala entre o sofá e a poltrona, onde ficava também um enorme abajur, o dispersor azul, combinando com o tapete. 

— Estou. — sorriu fechado. — Obrigado...

— Certo... — ele respirou fundo, pondo as mãos nos bolsos da calça e atravessando a sala na direção do corredor que levava pro interior do apartamento. — Eu vou tomar um banho.

Ivan murmurou uma concordância e tentou se distrair com os jarros de plantas na estante da tevê; se ficasse olhando demais pra Vinícius como queria seria estranho, não? Por mais que estivesse impressionado com o tanto que o roommate crescera...

— Você vem? — mas com aquela pergunta não conseguiu não olhar pra Vinícius, parado de costas na frente do corredor, olhando-o por cima do ombro, esperando uma resposta. 

— A - ah... — Gaguejou, perdido por um instante nos olhos castanhos; os mesmos olhos, mas tão diferentes. — E - eu tô bem, obrigado. 

Então Vinícius sorriu. Não era o sorriso quadrado de Vinícius; um sorriso fechado, de canto, melancólico, mas que fez que algo geladinho subisse pelo seu estômago até virar um arrepio na sua nuca. 

— Ok... — ele suspirou. — Fica a vontade, tá bem? Essa casa também é sua. 

Fez que sim, com a cabeça, vendo-o finalmente andar corredor adentro e sumir atrás de uma porta. Deus do céu, o que foi aquilo? Ele perguntou tão naturalmente, será que eles chegaram num nível de intimidade tão grande pra tomarem banho juntos? 

Imaginar a cena o deixou arrepiado, ainda mais com aquele Vinícius; como foi que ele ficou tão bonito, sinceramente?! Vinícius sempre foi fofo, mas lindo daquele jeito...mal conseguia acreditar. 

— Se concentra, Ivan... — murmurou pra si mesmo; ficar pensando naquilo não ia ajudar, melhor fazia se desse uma olhada no lugar, certo? Teoricamente ele morava ali, quem sabe alguma lembrança voltasse. 

Apertou a barra da camiseta branca que Vinícius lhe dera pra vestir quando saíram do hospital e seguiu em frente, pelo corredor por onde o roommate acabara de passar; pelo comprimento os cômodos eram grandes, até porque não eram muitos: uma porta à direita, de onde vinha o som do chuveiro, então o banheiro; uma mais à frente e outra oposta a ela à esquerda, os quartos. Andou mais e entrou num deles. 

Pra sua surpresa, o cômodo não estava sendo usado como quarto, mas sim como escritório: tinham duas escrivaninhas grandes dispostas em noventa graus ao longo das paredes, estantes nas outras duas e duas cadeiras. Bom, fazia sentido precisarem de um escritório, mas então aonde estava o terceiro quarto? Ou eles dividiam um quarto só, como quando moravam na faculdade? 

"Estranho, nós dois vivemos falando sobre o quanto seria melhor um quarto pra cada um...", pensou, saindo dali e entrando no outro quarto, aonde ficou mais surpreso ainda com o que viu: havia uma cama só, de casal, e um guarda roupa grande; só, e um pufe cor de rosa comprido ao pé da cama, e dois abajures, um de cada lado da cabeceira, mas fora isso mais nada; um quarto de casal, lindo e arrumado. 

Apertou a barra da blusa mais uma vez, andando devagar pelo enorme quarto, tentando entender. Tinha uma porta, ao lado do guarda roupa, não dava pra ver antes; uma suíte? Abriu: sim, uma suíte. 

Entrou naquele banheiro, olhando pras coisas ali na enorme bancada de mármore em torno da pia. Vidros de perfume, de um lado, do outro...maquiagem? Pareciam coisas de maquiagem.

Até ali nenhuma lembrança, e pior: estava confuso. Passou as mãos pelos cabelos, respirando fundo, então subiu os olhos, notando o espelho à sua frente. 

— Uah... — viu a si mesmo arregalando os olhos, mas mal se reconheceu, e não só porque estava magro demais, mas porque estava tão, tão, tão diferente: os cabelos estavam grisalhos, realmente ouvira o médico falando algo sobre enquanto passava uma lista de remédios pra Vinícius, mas não conseguira se imaginar com eles até estar vendo como estava agora; seus olhos pareciam pouco mais estreitos que antes, seus lábios grossos, como sempre, mas a mandíbula estava diferente, mais marcada, certamente, e seu pescoço também, parecia mais grosso; os ombros anda curtos, mas seu peito estava mais...largo? Ou não, mas sua cintura estava com certeza mais fina e um tanto torneada; e ele tinha um traseiro tão grande? E suas coxas... só então parou pra reparar no quanto as coxas estavam justas no jeans branco, mesmo tendo perdido tanto peso durante o coma. 

— Diferente, não é? 

— Vinícius! — deu um saltinho pra trás, assustado com a aparição repentina roommate, mais ainda de vê-lo com os cabelos vermelhos molhados e o torso nú...e que torso… uau… — Des...des- des- 

— Não precisa pedir desculpa. — ele sorriu, e dessa vez sim, o sorriso quadrado de Vinícius; não conseguiu não sorrir de volta, adorava aquele sorriso. — Eu que preciso. — puxou discretamente a toalha amarrada na cintura pra cima. — Só vim pegar isso aqui. — pegou um dos vidros de perfume, sorriu de novo e saiu do banheiro. 

— Am... Vinícius... — ouviu-o abrir uma porta de correr do guarda roupa; ficou ali, esperando. — Posso te perguntar uma coisa?  

— Claro. 

— É... Você... — Engoliu em seco, sem saber por onde começar. — Digo, a gente mora mesmo junto? Ou, sei lá, você des- des- des... — Apertou a roupa novamente; sem tempo pra isso, Ivan, outra palavra, vamos, você consegue. — Você pensou que eu não ia mais acordar? 

— Claro que não... — Ele reapareceu na porta do banheiro, vestido apenas numa calça larga de moletom; uma camisa bege ainda nas mãos. — Deus do céu, claro que não! — Seu rosto estava contorcido em pura frustração: as sobrancelhas juntas num vinco, os olhos tristes, os lábios curvos pra baixo. — Eu tinha esperança de que você acordasse, todos os dias, eu não conseguia pensar em outra coisa, eu ficava lá com você o máximo de tempo possível, te esperando. — Seus olhos encheram de lágrimas e Ivan não soube o que fazer, completamente desconcertado. Aquele Vinícius que puxava sua cadeira quando ele ia sentar só pra vê-lo cair no chão ia mesmo todo dia pro hospital durante sete meses pra o esperar acordar? — Por que você acha isso? Por que acha que eu ia desistir de você? Ainda mais numa situação dessas...

— É porque... — Mordeu o lábio. Droga, estava muito nervoso agora... Porque Vinícius chorando na sua frente deixava seu coração tão apertado? Na verdade nunca o tinha visto chorar antes, Vinícius era orgulhoso demais pra chorar na sua frente. — Eu vi seu anel... — Falou, finalmente. — E só tem uma cama nesse quarto, e o outro quarto é um escritório. — Coçou a nuca. — Eu não moro aqui, não é? — Tomou coragem pra o olhar nos olhos. — Eu sei que sofri um a- a- a- aish!... — respirou fundo — acidente, e que perdi a memória, mas eu não quero te atrapalhar, você é ca- ca- ai merda… casa- casa...

— Sim, Ivan, eu sou casado. — Ele respondeu, jogando a camisa que ia vestir sobre o ombro e pegando ambas suas mãos na sua, puxando-o de repente pra mais perto, fazendo-o quase tropeçar nos próprios pés e parar a poucos centímetros de distância dele. — E eu sou casado com você.

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