Primeiro beijo

— Ivan, você é gay, não é?

— E se eu for, qual o problema? — Ivan já respondeu na agressividade, um pouco cansado de aturar heteros puxando aquele assunto consigo, ainda mais justo o hetero pelo qual tinha a droga de um crush irremediável. 

— Calma, não quis te agredir, nossa! — o roommate pôs as mãos abertas pro alto, em rendição — Só estava curioso sobre umas coisas e talvez você me ajudasse, sabe, não sei, só pra confirmar...

— Fala logo onde você quer chegar, Vinícius. — Bufou, irritado; Vinícius sempre começava a se enrolar quando queria alguma coisa. — Eu tenho mais o que fazer.

— Ai, nossa, por que tá assim comigo? — o leãozinho fez um biquinho, um tanto convincente, por sinal, mas Ivan não quis demonstrar compaixão, cruzando os braços sobre o peito e o esperando desembuchar — Eu só estava querendo tirar a dúvida, sabe, com alguém que curte... — ele coçou os cabelos da nuca, certamente os deixando mais desalinhados do que sempre estavam — ...pra saber se eu curto também ou não...

— Curte o quê? — Ivan perguntou, não por já não ter entendido, porque tinha, mas num desejo repentino de ouvi-lo dizer. 

— Curto beijar garotos, Ivan! — falou, irritado e envergonhado ao mesmo tempo — Tudo bem se você não quiser, é que eu não tenho coragem de pedir pra mais nin-

— Tudo bem. — Cortou-o. — Tudo bem, podemos fazer isso; aliás, é só um beijo, não é? 

— Amor. 

Piscou os olhos; a claridade de um Sol de onze horas da manhã enchendo o quarto e lhe machucando um pouco as vistas ainda desacostumadas. 

— Vini...? — Murmurou, sonolento; Vinícius aos poucos entrando em foco, tão lindo, a franja ruiva lhe cobrindo as sobrancelhas perfeitamente arqueadas, os lábios bonitos soprando a fumaça que subia de uma xícara na sua direção, o cheiro lhe invadindo as narinas e o deixando com vontade. — Bom dia...

— Bom dia, amor. — se escorou sobre ele pra deixar um longo beijo na sua bochecha — Toma, fiz café pra você… do jeito que gosta.

— E pra você? — se ajeitou sentado na cama e pegou a xícara; Vinícius o ajudando ao ajeitar os travesseiros atrás das suas costas — Não vai tomar café?

— Ah, eu não gosto de café.

— Não se acostumou com o gosto até agora? — riu, fazendo Vinícius rir também.

— Não foi por falta de tentativas suas, acredite. 

— Eu imagino. — soprou um pouco antes de levar a xícara à boca e experimentar; uau, estava muito forte, mas estava bom; conseguia se imaginar acostumado com aquele tipo de café. — Eu dormi demais, né? — perguntou ao ver Vinícius todo arrumado: cabelos penteados, uma camisa larga mas bem passada desabotoada em cima, num vermelho escuro contrastando com a calça social bege claro. 

— Você estava cansado. — o consolou, levando uma mão aos seus cabelos e os jogando pra trás da testa com os dedos longos; se inclinou pra deixar um beijo ali — Vai dar tempo de se arrumar, não se preocupe. 

— Me arrumar? — Tomou mais um gole de café. — Pra onde você vai me l- l- le... — Apertou os olhos. Estava começando a odiar de verdade aquilo de não conseguir falar o que queria. 

— Ah, nós não vamos sair. — Vinícius se apressou em explicar — Vamos receber uns amigos. — lhe sorriu — Estão todos loucos pra te ver. 

Vinícius deixou Ivan tomar banho enquanto voltava a arrumar as coisas pro almoço na cozinha, mas logo o ouviu chamando e voltou correndo pro quarto.

Ai, Deus...

Ele estava só com a toalha amarrada na cintura; os cabelos molhados, poucas gotas d'água ainda escorrendo pelo abdômen marcado. Engoliu em seco, lembranças de momentos como aqueles lhe voltando à cabeça.

— Eu não tô a fim de me vestir, Vini... — Ele falaria, olhando pra ele enquanto passava a ponta da língua nos lábios grossos. — Podemos fazer algo mais divertido ao invés de sair? 

Sentiu um arrepio, seu corpo inteiro naquela expectativa enquanto Ivan o olhava diante da porta do guarda roupa aberta.

— Eu não sei como vestir isso, Vini... — Ele falou, pegando uma das suas blusas do cabide e lhe mostrando. — É muito grande pra mim, não? Tem certeza que é meu? 

Riu soprado, balançando a cabeça em negativo; o gesto foi pra si mesmo, mas Ivan olhou-o confuso enquanto caminhava até ele.

— Tudo isso aqui é seu — pegou a roupa, tirando-a do cabide — Deixa eu pôr em você.

Ivan ergueu os braços, o ajudando a passar a roupa por ali. Era uma blusa rosa bebê de ponto tricô largo, com uma leve transparência e realmente larga, mas do jeito que ele gostava: com todo o início do peito exposto, caindo pelo ombro. 

— Eu não acredito que uso isso. — ergueu as mãos à altura do rosto, encarando de cenho franzido as mangas compridas passando dos pulsos até cobrir metade das palmas. 

— Vai acreditar logo, logo. — Vinícius lhe tirou a toalha; a barra da blusa comprida o suficiente — Você costuma usar essa com esse short aqui, tudo bem? — Lhe mostrou um short jeans branco, rasgadinho na frente. Ivan arregalou os olhos para o quase inexistente comprimento da peça, mas fez que sim com a cabeça; vestiu uma box e depois o short; Vinícius esperou então só arrumou a barra da frente da blusa pra dentro, do jeito que ele gostava de fazer. — Pronto, agora vem. — pegou na sua mão, o guiando de volta pro banheiro e apontando pro espelho.

— Uah!... — Ivan girou prum lado e pro outro, se olhando. Era engraçado aquele Ivan que gostava de usar boné aba reta, regata e bermuda larga impressionado com seu atual gosto por roupas majoritariamente femininas. — O pior é que...combina mesmo comigo. 

— Combina. — Vinícius concordou, pegando uma toalha de rosto e secando os cabelos prateados do outro. Ivan ficou quietinho enquanto ele terminava e penteava seus cabelos pro lado, com a franja cobrindo metade da testa. — Pronto — escorregou a ponta do indicador pelo lado do seu rosto — Você está lindo. — Gostava de dizer, mesmo que fosse óbvio. Ivan piscou os olhos pra ele; as bochechas coradas. Ivan de dezoito anos realmente ficava corado por tudo, tinha até se esquecido do quanto aquilo era fofo; será que era errado demais estar gostando um pouco daquilo?

— Vini... Ontem... — Então Ivan começou a falar, mas o barulho da campainha fez os dois levarem um leve sobressalto.

— Eles chegaram. — Vinícius foi saindo do banheiro, mas ao que Ivan ficou estático voltou, pegando-o pela mão e puxando consigo até o rol de entrada. — Não fique tímido, ok? Eles te conhecem. — E abriu a porta do apartamento.

Cinco pessoas. 

Ivan gelou de nervoso da cabeça aos pés num primeiro momento, mas assim que os vários sorrisos foram se abrindo pra ele, um de cada vez, seu coração bateu forte, porque igual Vinícius, eles estavam muito diferentes, mas eram os mesmos sorrisos; bem, menos um, que ele realmente não reconheceu, mas gostou também. 

Marcus, depois Jean, depois Haroldo, depois Fabrício, todos eles ele abraçou apertado; já o último, tinha o seu tamanho e cabelos negros, ele ficou meio sem graça de abraçar, mas se deixou ser abraçado mesmo assim, bem forte. 

— Senti saudades, Vani. — o desconhecido lhe disse, fazendo-o ficar um pouco surpreso com o apelido íntimo, mas sorriu: aquilo só podia significar que seria uma pessoa querida pra ele mais tarde, e uma hora ou outra ele ia se lembrar. 

— Entra, Yuri. — Vinícius o convidou pra ficar à vontade, já que os outros já estavam na sala. — Vou pegar vinho pra gente. 

— Eu te ajudo. — soltou-o e foi pra cozinha com Vinícius. 

— Ivan! — Fabrício gritou seu nome de lá exageradamente; se lembrava bem daquilo, então riu e foi se juntar com eles. 

Não demorou pra Vinícius e Yuri voltarem com vinho e cerveja; Ivan fizera dezoito a pouco tempo, então só tomara cerveja uma vez, mas aquela foi uma boa oportunidade pra descobrir que gostava de bebida alcoólica, ainda mais porque lhe aliviou os nervos de ver seus amigos crescidos e facilitou conversar com eles normalmente.

— Ah, Ivan, você está tão fofo. — Em dado momento Jean comentou, quando terminou de mastigar mais um pedaço de frango frito. — Sem ofensas, mas eu prefiro você assim.

— Ele era bem fofo mesmo quando éramos mais novos. — Marcus concordou.

— Pra mim o Ivan nunca deixou de ser fofo. — Haroldo comentou, ao que inesperadamente veio uma resposta em coro de "só se foi pra você". — Olha isso, Ivan! Estão de bullying com você!

— Eu mudei tanto assim meu je- je- je...? Am... jeito?— Perguntou, sinceramente curioso.

— Bom... — Fabrício ia começar a falar, mas Vinícius interrompeu.

— Não temos porquê apressar isso, certo? — Ele se esticou sobre Fabrício, sentado entre os dois, pra passar o polegar sobre os lábios gordinhos do marido, um pouco sujos de gordura. — Quando você se lembrar tudo vai fazer sentido. 

Ivan percebeu Fabrício levemente incomodado, depois viu Haroldo, Jean e Marcus se entreolhando discretamente; Yuri estava muito quieto, não sabia se era natural dele ou se havia algum motivo também.

— E vocês estão se dando bem? — Jean puxou um novo assunto — Deve estar sendo estranho pra você, não, Ivan? De repente estar casado justo com o Vinícius?

— O que você quer dizer com isso? — Vinícius perguntou, ofendido. 

— É estranho, sim. — Ivan respondeu. — Mas...eu gosto do Vinícius. Muito. Não queria estar casado com mais ninguém. 

— Ok, isso foi bem fofo. — Marcus quebrou o gelo depois que pairou um breve momento de silêncio absoluto diante daquela declaração de pura ternura de Ivan; Haroldo estava se segurando com todas as forças pra não rir da cara de idiota que Vinícius estava fazendo, mas então viu a hora no relógio da sala e deu um pulo.

— Já são seis e meia?! Sério?!

Aquilo foi a deixa pra todo mundo ficar impressionado com o quanto falaram e começar as despedidas pra ir embora.

— Yuri! — Ivan chamou antes que Vinícius fechasse a porta do apartamento. — Foi bom te ver. — Não sabia o porquê, mas realmente sentiu que foi bom o conhecer antes de se lembrar de qualquer coisa. Yuri ficou o encarando por um tempo, então sorriu.

— Se cuida. — Falou, acenando e seguindo os outros. Vinícius acenou também e ia fechando a porta quando Haroldo voltou correndo de repente. 

— Esqueci de uma coisa. — Tirou algo do bolso e jogou pra Vinícius, que pegou no ar. Ivan não conseguiu ver o que era, e Vinícius escondeu no bolso rapidamente.

— Haroldo! Pelo amor de Deus...

— Vai que você precisa. — Deu uma piscadela e voltou a correr pra alcançar os meninos, que a essa hora já deveriam estar na portaria do prédio. Vinícius fez que não com a cabeça e finalmente trancou a porta. 

— O que é, Vini? 

— Nada de mais. — sorriu sem graça — Eu vou arrumar as coisas, tá bem? Você pode ir descansar se quiser...

— Eu quero te ajudar. — disse de pronto; Vinícius não contestou, deixando-o recolher os pratos e copos da mesinha de centro da sala e levar pra cozinha enquanto ele ia lavando a louça. 

— Está limpo lá... — disse, trazendo o forro de mesa dobrado pra cozinha.

— Obrigado, amor; já estou acabando aqui também. — pôs um prato no secador, quando sentiu Ivan o abraçando por trás de repente. Gelou. — I- Ivan? 

— Eu estava pensando... — deitou a cabeça no seu ombro — ...se você está se segurando porque eu estou me recuperando do coma ou se porque não sabe se...se eu estou satisfeito com essa situação ou não... — engoliu em seco. Céus! Sua insegurança era tão fácil de ver assim? — Eu não vou mentir pra você dizendo que não estou confuso, mas... 

— Ivan, eu...

— Mas eu sempre gostei de você; sabe disso, não é? 

— Sempre?... — sempre desde que dividiam o apê da faculdade, era o que ele queria dizer?

— Sempre, desde antes, desde que estudávamos juntos, no ensino médio.

— Amor. — virou pra trás, encarando-o nos olhos — Você não precisa dizer isso pra me deixar melhor...

— Não é pra te deixar melhor, é verdade. — Contestou, o abraçando de volta pela cintura. — Eu nunca te contei? Nunca te contei que sou apaixonado por você desde...? 

— Não... — Vinícius negava com a cabeça — Não, você nunca me contou...

— Bom... — Não conseguia imaginar porque nunca contou aquilo pra Vinícius, mas também não queria saber. — Então você está sabendo agora. — apertou os braços em torno dele. — Não precisa ter medo… eu estou feliz de estar casado com você. — Riu. — Por isso que é tão difícil de acreditar, enten- hm!...

Vinícius o beijou de repente, o apertando nos braços mesmo com as mãos ainda molhadas. 

Ah, aquilo era injusto, injusto demais. O amava tanto, tanto, mas tanto, mesmo assim Ivan ainda tinha culhões pra competir com ele, mesmo desmemoriado, mesmo precisando tomar remédios pra recuperar movimento muscular e apetite, mesmo assim ele continuava competindo com ele. Eu te amo mais, Ivan, eu te amo mais, droga! 

— Mh...mh! — começou a dar batidinhas nas costas largas, sufocado; deliciosamente sufocado, mas sufocado. — Mmmh!...

— Ah, Ivan... — Vinícius libertou seus lábios, beijando seu rosto várias vezes seguidas perto da mandíbula. — Não faz isso comigo; eu tô com tanta saudade, mas não posso forçar você... 

— Mas eu quero fazer, Vini... — disse, sem mais nem menos; Vinícius levantou o rosto pra olhar pra ele — Eu quero, com você… com mais ninguém...— mordeu os lábios, nervoso — até porque… vo- você é meu marido, não? 

— Sou. — sorriu, deitando a testa na dele — E muito feliz por isso. 

Ivan sorriu de volta, se esticando na ponta dos pés pra deixar-lhe um beijo na boca; um beijo tímido, mas cheio de vontade, como fora o primeiro beijo dos dois.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo