Conto de Fada

O garoto de cabelos castanhos estava iluminado sob uma fraca luz púrpura que escondia o forte rubor das suas bochechas e o vermelho dos seus lábios inchados, mas a expressão no seu rosto deixava óbvio o quanto ele estava excitado. 

O garoto era Vinícius; nem aquele Vinícius ainda com cara de adolescente, com os cabelos caramelo claro bagunçados, nem aquele Vinícius sexy model de cabelos vermelho sangue perfeitamente lisos e penteados, mas algo entre aqueles dois, uma transição, um Vinícius bem boyfriend material com os cabelos castanho escuros cheios e estilosamente cortados. 

— Ivan!...

Aquele gemido o deixou quente, e ele apertou Vinícius nos braços e lhe beijou os lábios de um jeito que ele jamais imaginara ser capaz: era tímido demais para aquilo. 

— Ivan. 

Agora seu nome foi chamado numa voz mais grave, mais grossa, mais séria e preocupada, mas no mesmo timbre; era a mesma voz. 

— Ivan.

Abriu os olhos. O homem de cabelos vermelhos estava iluminado sob uma fraca luz púrpura que escondia a palidez do rosto perfeitamente simétrico, mas sua expressão deixava óbvio o quanto estava atônito. 

— Desculpa te acordar, mas você estava mexendo muito. — se explicou — Está tudo bem? Está com dor? Está com febre? — afastou seus cabelos da testa e deitou a sua própria ali, medindo a temperatura — Está um pouco quente.

— Eu tô bem. — disse — Foi só um s- so...um so... — Ah, droga, outra vez; estava realmente difícil de achar as palavras, como se sua cabeça fosse o quarto de um adolescente indisciplinado, com todas as roupas expostas pra fora das gavetas e por isso mesmo impossível de achar qualquer uma. — So...

— Um sonho? — perguntou — Ou um pesadelo?

— Um sonho. — então confirmou; pela sensação gostosa que estava sentindo, um pesadelo certamente não era. — Mas eu estou bem. 

— Não está incomodado? — insistiu um pouco mais — Eu disse que posso dormir no sofá...

— Não, não. — Ivan negou com a cabeça. Não era certo dormirem separados se eram casados, não? Por mais que fosse difícil de acreditar, e por mais que aquele Vinícius dois ponto zero tração nas quatro rodas só de pijama ali do seu lado o deixasse nervoso. 

— Ok... — Vinícius soltou o ar, mais calmo agora; voltou a se deitar na cama, de lado, virado pra Ivan: ficaram ali se olhando por um tempo, a luz roxa do abajur os entretendo naquele momento de confortável silêncio, até que Vinícius soltou a pergunta de repente, apenas curioso: — Você sonhava, Ivan? Esse tempo todo, você sonhava?

— Uh uhm. — negou com a cabeça; podia estar confuso e sem certeza de nada, mas de uma coisa sabia: não estivera sonhando. — Pra mim eu voltei pro quarto ontem...depois de um ensaio cansativo. — contou — Não vi você lá, mas xinguei quando vi sua cama bagunçada — riu baixinho, fazendo Vinícius sorrir junto. — Mas eu estava cansado demais pra arrumar, então me deitei na minha cama e dormi na hora. 

— Acho que me lembro desse dia...

— Se lembra? — franziu o cenho — Pra você faz tanto tempo...

— É que foi o único dia em que você não arrumou minha cama. 

Ivan sorriu pra ele, e ele sorriu de volta. É, sempre arrumava a cama de Vinícius, não tinha jeito.

— O que aconteceu depois disso? — não conseguiu deixar de perguntar, mas Vinícius ficou calado, o encarando. — Você não pode me contar, não é?

— Não. — Ah, como queria lhe contar tudo, tranquila e naturalmente, como quando chegavam dos respectivos trabalhos e contavam o dia um pro outro enquanto jantavam. — Não posso. — Mas não podia, não devia, tinha que esperar fervorosa e pacientemente que ele se lembrasse de tudo, assim como nunca perdeu a esperança de que Ivan acordasse. 

— Hm... — Ele murmurou chateado, abraçando o travesseiro e projetando o lábio de baixo pra frente num biquinho que não o via fazer já há anos. — Eu queria poder saber como chegamos até aqui; é tão difícil de acreditar. 

— Estar casado comigo é difícil de acreditar? — brincou, fazendo voz de decepcionado.

— É que... — "É que é difícil de acreditar que se é casado com o seu roommate pelo qual você tinha um crush e que sete anos depois virou um cara gato pra lá de gostoso" — Ah, esquece. — girou pro outro lado, desistindo. 

— Eu sei que você quer falar alguma coisa, então fala. — mas Vinícius não deixou passar, o puxando de volta pelo ombro no mesmo instante — Já ouvi muito esse seu "ah, esquece" e sei exatamente o que ele significa, pode apostar. 

Ivan enrubesceu fortemente; Vinícius era sempre tão lerdo que quando falava "ah, esquece" só dava de ombros; vê-lo reagir daquela forma, que era exatamente como ele sempre quis que Vinícius reagisse, era tipo... Milagroso demais pra ser verdade? 

— Vai, fala comigo... — E como se não bastasse o puxou pela cintura, colando seu tronco no dele. — Fala comigo, amor.

"Amor"? 

"Amor"??

"Amor"???

— Ivan? — Ele estava vermelho até as orelhas; não que não fosse bom ver Ivan corado depois de sete meses olhando pro seu rosto estático como uma pedra encostado a um travesseiro, mas tudo podia ser sinal de algo errado e ele estava preocupado. — O que foi, o que está sentindo? — Encostou a testa na dele novamente. — Você está quente de novo. 

— Vo-você sempre m-me chama assim?? — Gaguejou, completamente nervoso. 

— Assim como? 

— De a- a- a... — Ótimo, agora não conseguia falar nem que quisesse.

— De "amor"? — Vinícius riu. Ai, Deus!... Aquele Ivan de dezoito anos era tão fofo, ele estar no corpo do de vinte e cinco que era uma grande sacanagem. Deus, você é um ótimo comediante, pode apostar. — Sim, eu costumo te chamar desse jeito. — Apertou o abraço em torno da sua cintura. — Por quê? Quer que eu pare?

— Uh uhm. — Negou freneticamente. 

— Então o que você quer? — Encostou as testas uma terceira vez, agora não pra medir a temperatura, mas pra ver os olhinhos estreitos mais de perto. — Hm? — Ah!...era tão bom ver aqueles olhos abertos, se Ivan soubesse. 

— E - eu quero saber o que mais... — Falou, num fio de voz, completamente envergonhado de estar falando daquilo, mas também não aguentando de curiosidade. — O que mais nós dois… fazemos? 

Vinícius suspirou pesado; aquilo era tão injusto: justo quando estava se segurando porque seu marido tinha acabado de acordar de um coma, confuso, desmemoriado e se recuperando; não queria atrapalhar, não queria deixar transparecer o quanto estava carente, não queria o assustar, mas já estava chegando no limite, ainda mais com aquele Ivan piscando os olhinhos pra ele, como um gatinho arranhando a porta num dia de chuva, pedindo pra entrar. 

— Me avisa se for demais pra você, ok? — Pediu, antes de roçar os lábios nos dele levemente, esperando ouvir um murmúrio de aprovação antes de juntar as bocas completamente num beijo que ele pretendia ser puro, calmo e casto, mas que saiu do seu controle assim que os lábios gordinhos fizeram transbordar a saudade e tudo o que conseguiu foi mergulhar naquela boca macia com avidez, desespero e lascívia: o beijo com o qual quis acordar Ivan daquele sono amaldiçoado diversas vezes e nunca conseguira, por falta de coragem de descobrir que o conto de fada não o salvaria. 

— Mh... — Tecnicamente aquele não era seu primeiro beijo, mas na sua cabeça era e, sinceramente, ele não queria lembrar do seu real primeiro beijo depois daquele, porque, nossa, que beijo bom, Ivan estava completamente derretido. Se aquilo era demais pra ele? Óbvio, mas não ia avisar, não mesmo, nunca se sentiu tão bem na vida antes, céus, que delícia. Vinícius movia os lábios nos seus com tanta habilidade, tanta experiência, e com tanta... paixão? Sim, tanta paixão por ele que nem conseguia acreditar, parecia até um conto de fada. — Hm... — Suspirou longamente; não conseguia sentir nada além da boca quente na sua, era como um analgésico, só que muito mais forte do que o que tomou no hospital, e por não conseguir sentir mais nada não notou o próprio corpo respondendo àquele toque tão íntimo; mas Vinícius notou.

— Ivan... — Separou o beijo num estalo, afastando o corpo esguio do seu com cuidado. — Eu… passei um pouco do limite, desculpa...

Ivan abriu a boca pra protestar, mas desistiu, então apenas fez que não com a cabeça, dispensando seu pedido de desculpas e abraçando seu travesseiro, escondendo o rosto corado ali. 

Vinícius suspirou, se esticou pra desligar o abajur e se virou pro outro lado, decepcionado consigo mesmo pelo que se passou pela sua cabeça quando sentiu Ivan ficar excitado contra a sua virilha. Dai-me equilíbrio, Nossa Senhora da Bicicletinha, porque Ivan tem dezoito anos, Meu Deus! Não deveria ser tão difícil se lembrar disso! Por mais que tivesse acordado, e estivesse bem, seu marido ainda não tinha voltado: quem estava com ele agora era seu melhor amigo de sete anos atrás, e ele tinha que esperar ele crescer de novo; ou que suas memórias voltassem todas bem guardadas numa caixinha de ouro, porque não? Como num conto de fada.

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