No outro dia logo cedo, Sebastião, o patriarca da família, avisou ao colégio que deveria fazer uma viagem inesperada por motivos familiares para a cidade vizinha, uns cem quilômetros de distância. Todos os filhos acordaram e foram tomar café. Fernanda e Afonso brigavam todos os dias enquanto dividiam a mesa, as cadeiras, a faca, a manteiga e o pão. Sofia arrumava seus cadernos de acordo com seu horário no colégio e sempre se vestia de forma simples. Fernanda já não fazia o mesmo. Embora não possuísse muitas roupas, gostava muito de fazer seus artefatos de enfeite com miçangas e lantejoulas, o que sempre a levava a arrumar suas peças de vestuário. No fim, gostava de improvisar algo novo com suas roupas velhas. Afonso não sabia e muito menos queria saber de algo. Jamais fazia distinção entre seus amigos, e, por isso, sempre era convidado para ir brincar na casa deles, sempre com o bom e o melhor de tudo que todos os seus amigos possuíam. Era “endiabrado” e as “artes” que costumava fazer, seus amigos adoravam.
Certa ocasião, sob uma aula de educação física, disse aos seus amigos que iria acertar o professor com um chute muito forte, pois não gostava de correr em volta da quadra para somente depois poder jogar futebol, gostaria de pular a parte do aquecimento. Foi quando preparou o chute e de forma tão forte, saiu sem direção, errando o professor e acertando uma janela. Quebrou a vidraça e acertou equipamentos de informática de uma sala. Seu pai escutou o “estrondo” e foi ver o que havia acontecido. Sebastião já sabia quando chegou perto, que havia sido ele e quando a diretora perguntou do andar de cima o que havia acontecido, seus amigos falaram que estavam jogando e um dos garotos deu um chute muito forte e sem direção. Mesmo pequenos, os seus amigos o ajudavam, sempre que possível, a esconder as suas artes. A diretora ainda deu uma boa olhada em direção ao Sr. Sebastião, que retribuiu o olhar ao garoto, que sorriu e abraçou seus amigos voltando a jogar futebol sem preocupação. Na verdade, a mãe do garoto que assumiu o acidente, teve que pagar a vidraça e o monitor do computador que se espatifou ao chão. O que para esta família não foi de nenhum problema, visto a ótima situação financeira.
Todos prontos para o colégio, lá foram eles, caminhando como sempre. Por morarem nem tão perto, mas também nem tão longe, faziam caminhos diferentes. Sofia levava seu irmão, Fernanda passava na casa de amigas, mas nunca deixou suas amigas irem à sua casa. Sempre encontrava alguma desculpa esfarrapada para não as deixarem fazer isso. A vergonha que sentia em morar numa casa pequena, enquanto suas amigas moravam em praticamente palacetes, era muito grande e até mesmo desesperadora para ela. Álex também encontrava com um grande amigo seu. Cláudio era um dos alunos do colégio, o único que não tinha bolsa e conversava com ele, a ponto de ficarem muito amigos. Era de família rica também. Gostavam de aprontar e tomar alguma coisa leve nas sextas-feiras, quando Álex não estava cansado de seu trabalho depois do colégio. O que fazia dar desculpa para nunca, ou quase nunca ir para as baladas caras das quais Cláudio ia com frequência com alguns de seus amigos dele.
Assim era a vida dessa família, durante todo o período escolar já há alguns anos, quando Sebastião, o pai, aceitou este serviço.
Porém, não era mentira o que Álex dizia. Em seu colégio e mais especificamente em sua sala, havia garotos “maldosos” e por estarem numa idade “difícil”, brincavam com a situação financeira de Álex, que por várias vezes teve que se conter em não provocar uma bela briga dentro da sala de aula, e consequentemente, pudesse perder sua bolsa.
O pior dos alunos era chamado de Jeff, que estudava na sala de Cláudio e que havia sido separado de Álex por motivos “institucionais”. Nesta sala, estavam Jeff, e seu irmão Chris. Vale mencionar que Jeff era repetente, qual seu irmão o alcançou. Ainda havia na sala, duas garotas, que já estudaram com Álex. Eram Marcela e Rose. As duas eram belas garotas e poucas vezes eram vistas com garotos. Cláudio, amigo de Álex, era completamente “extasiado” por Marcela, uma garota morena de cabelos pretos e olhos azuis. Enquanto que Álex tinha sua queda por Rose, que era um pouco mais baixa que ele, cabelos “esvoaçantes” castanhos, olhos verdes, rosto bem feito com um sorriso quase divino e seu corpo, chamava atenção por onde passava.
Nos intervalos das aulas os quatro irmãos nunca se encontravam, mas cada um deles sabia exatamente onde o outro iria estar, caso acontecesse alguma coisa. O que não seria estranho de se pensar. Álex e Cláudio, sempre passavam perto de seus irmãos, como se fosse uma ronda que fazia, para ver o que seus irmãos aprontavam, embora o que mais precisasse ser vigiado era Afonso. Mas, seus próprios amiguinhos faziam isso. Muitas das vezes ele nem mesmo via a Álex enquanto estava fazendo alguma peripécia, mas seus amigos sabiam que Álex era seu irmão e faziam gestos pequenos para mostrar que estava tudo certo, tudo dentro dos conformes.
Na sala de Álex, estavam alguns dos “comparsas” de Jeff. Todos eram conhecidos pelos seus carros potentes. Cláudio e Álex eram provocados, sempre, embora Cláudio possuísse uma boa casa e seus pais detivessem uma “boa grana”, não possuía carro, o que era então um dos meios de chateação que os outros usavam para provocá-los. Jeff e seu irmão eram os donos dos carros mais potentes de todo o grupo, e se intitulavam “Ases do Asfalto”, imitando até um grupo de motoqueiros experientes e destemidos, mas, eles, eram os ases das quatro rodas. Jeff possuía um carro ao qual havia modificado seu motor o deixando mais potente, e, seu irmão Chris dirigia outro um pouco menos potente, porém também bem modificado. Havia outro garoto que nesse ano escolar estava na sala de Álex, era chamado de “Almofadinha”, pois realmente sempre foi um “Almofadinha” de carteirinha. Douglas é o seu nome.
As provocações eram altamente propícias de encontrar vazão na hora do intervalo, quando todos os garotos da turma de Jeff se encontravam.
- Ainda bem que é sexta-feira. – Disse Cláudio quando terminou a aula e já no pátio do colégio. – Vamos tomar uma hoje?
- É bem possível. Hoje já discuti com o meu pai às 4 da manhã. – disse Álex sentando-se num dos bancos do grande pátio do colégio.
- Que isso? Quatro da manha é meio cedo para começar a discutir, não acha? – disse Cláudio sentando-se ao banco e rindo ao mesmo tempo.
- Pois é. Sempre é do mesmo jeito. Percebeu que meu pai não está andando por aí hoje? – falou Álex olhando para os lados e tentando encontrar o rosto de seu velho.
- Sim, agora que você disse, vi que não está em nenhum dos seus locais de ofício. – respondeu Cláudio.
- Pois é. Um Tio dele nos acordou às 4 da manhã, dizendo que está em seu leito de morte e precisava falar com meu pai. Foi para Aplanador hoje bem cedo. – disse Álex.
- Hum... Será que vai deixar alguma coisa para sua família? Tio sempre tem grana. – disse rindo e fazendo com que um sorriso simples aparecesse ao rosto sempre taciturno de Álex.
- Bem que fosse isso Cláudio, mas temos tanta sorte que ele faliu há alguns anos, por isso está doente. Acho que foi isso que o advogado dele falou ao meu pai. – silêncio. – Talvez tenhamos que pagar algumas dívidas que sobrou. Se for advogado que ligou, não duvido nada. – disse e riu acabando com o assunto.
Neste momento, enquanto os dois riam-se como se estivessem escutado uma piada muito boa, e na verdade fora Álex que havia dito uma, as duas garotas que os rapazes gostavam, passaram e os cumprimentaram com um sorriso muito bonito aos lábios. Os dois garotos sentados retribuíram com tal sorriso gentil e acompanharam com o olhar enquanto elas entravam nas salas.
Não demora muito e os garotos sob o comando de Jeff chegam perto dos nossos dois jovens que ali estavam sentados.
- Ora, ora. Se não é a dupla inseparável, “pobre” e “muito pobre”! – disse isso e todos os que estavam com ele riram, mais ou menos uns oito garotos, entre eles seu irmão, Douglas, da sala de Álex e outros garotos de diversas salas.
- Não acredito que você continua com essa baixaria Jeff, você é muito infantil cara! – levantou-se Cláudio.
- Nem esquente Cláudio, um dia ele terá o troco, pode nem ser que virá de nós, mas ele terá o que merece. – disse Álex olhando fixamente aos olhos de Jeff. Por fim levantou-se e saiu acompanhado por Cláudio.
- Pois sim Álex, meu querido Álex! – disse Jeff com aquele sorriso de “vencedor” aos lábios. - O troco não virá realmente de você mesmo! Acho que nem dinheiro para troco você tenha! – disse isso e todos riram. - Ah, outra coisa, fiquei sabendo que tirou sua permissão para dirigir, será que algum dia iremos nos encontrar em algum racha?
- Minha vontade é grande que nos encontremos. – disse Álex virando-se e olhando para Jeff. Álex de vez em quando fazia entregas com o carro de seu chefe. E, sim, era um ótimo motorista.
- Oh! Mas, esqueci! Você não tem dinheiro para comprar um carro, não é? – mais risadas e agora todo o grupo vira as costas para a dupla e vão ainda brincando com outros alunos menores do colégio.
- Desprezível esse sujeito! – disse Cláudio nitidamente com raiva. – Só porque seu pai possui muito dinheiro, ele não pode falar assim com as pessoas!
- Preciso de um carro Cláudio, preciso muito de um carro! – Exclamava Álex com “todos os dentes” cerrados e um olhar fixo naquele ser que nem sequer merecia ver a luz do sol.
Acabando a aula naquele fatídico dia, dentro e fora de sua casa, Álex foi um dos primeiros a sair do colégio. Nem mesmo esperou pelos irmãos como sempre o fazia. Por pouco também Cláudio não ficou para trás. - Ei Álex! Saiu correndo hoje do colégio hein? – disse Cláudio ofegante o alcançando numa esquina um pouco à frente do colégio. - Pois é. Hoje esse cara me tirou do sério. – disse ele falando de Jeff. - Não liga para eles. São uns otários que se acham melhores do que todo mundo. – fizeram silêncio e voltaram a caminhar. – Ei! Fiquei sabendo que hoje tem uma balada interessante. Vamos? - Poxa Cláudio! Sabe que não tenho dinheiro pra esse tipo de programa! Mas, uma cervejinha talvez role. - Beleza! Já tenho os dois ingressos aqui. Quando receber você me paga! Os dois riram da situação e continuaram a andar. Logo Cláudio foi para a sua casa e Álex foi para a sua. Álex chegou a sua casa e sentou-se ao pequeno sofá da sala, escu
Álex entrou no ônibus depois de fazer um lanche rápido em um estabelecimento dentro da rodoviária. No caminho, ficou pensando em tudo novamente e como aquilo o que aconteceu no colégio o deixava cada vez mais irritado. Lembrou-se também de seu “subemprego”, porque realmente o que fazia na empresa de materiais de construção não era mesmo um emprego. Trabalhava para o Sr. Costa que era um daqueles velhos chatos que tinha uma loja com uma fachada antiga. Justamente muito parecida com o dono. Uma passada no pensamento pela Rose também foi incondicional. Sempre em momentos que não havia nada para fazer dentro de seu trabalho, o pensamento buscava o rosto magnífico de Rose. Chegando à rodoviária de Aplanador, Álex desceu e logo em seguida já encontrou com seu pai. - Fez boa viagem Álex? – disse ele com uma cara animada para uma notícia de velório. - Sim pai. Foi tranquila. O que está acontecendo para que eu tivesse que perder um dia de trabalho para vir até
O Advogado disse que a morte era iminente e que iria arrumar os papéis para passar tudo ao jovem Álex e assim saiu. O Mordomo da casa se retirou para arrumar algo para os dois herdeiros comerem e se recostarem, pois poderia ser a morte de seu Tio em poucos minutos ou até em alguns dias.No meio da madrugada aconteceu o que já era esperado. O grande e extremamente rico Sr. Sebastião Oliviére havia completado seu ciclo neste mundo e assim morreu. Sebastião e seu filho foram acordados pelo mordomo e se levantaram rapidamente. O médico veio até eles depois que estes já estavam à frente do quarto do seu Tio.- Fizemos tudo o que nos foi possível para que ele morresse sem sofrimento. Embora sua doença já estivesse avançada. – disse ele em condolência aos familiares e herdeiros.- Sabemos que estivera presente em sua vida durante muito tempo e o quanto o
Álex sentou-se dentro do carro e olhou aquele painel a qual ficava sonhando todas as noites, como um sonho de consumo completamente irreal para ele. Trabalhando durante anos talvez pudesse comprar somente um carro usado com quilometragem alta. Tocou o volante com uma profunda paixão. Olhou para o seu pai que naquele momento estava entrando na Limusine, também olhando tudo aquilo com olhos tão brilhantes quanto o interior do carro.- Ei pai! – chamou Álex parando seu carro perto da porta da limusine. – Hoje não vou pra aula, como pode ver mesmo que quiséssemos não chegaríamos antes das 10 horas da manhã.- Sim, sim. Você está certo meu filho. Vou direto para casa e pegar sua mãe, nos encontramos no colégio? – disse ele.- Sim, sim. Você vai ficar com a mansão de Encantos Verdes, não é?- Tenho certeza que sim. &ndash
Abrindo a porta do elevador, uma imensa porta estava à sua frente. Colocou a mão na maçaneta e ela abriu suavemente, quase sem fazer barulho e o chão de pisos negros e reluzentes foi se abrindo à sua frente. Logo viu que seus funcionários o aguardavam. Esperavam por ele, um mordomo, duas cozinheiras e duas faxineiras. Cumprimentou a todos se apresentando e recebendo as apresentações em seguida. - Acho que gostaria de conhecer sua nova residência, não estou certo Sr. Olivier? – disse Frank, o mordomo, com aquela mesma entonação ao ter que mudar repentinamente o sobrenome que há tantos anos pronunciava em outra entonação. - Sim. Gostaria sim. – respondeu com Sofia e Cláudio à “tiracolo”. Frank, o Mordomo, começou a mostrar o grande apartamento. Por onde entraram, logicamente era a sala. Grande e com a vista inteira da cidade pela grande janela de vidro, de um canto a outro. Um sofá bem luxuoso e confortável estava posto diante um grande aparelho de TV, com tudo
Saíram dali e foram para o shopping da cidade para comprar coisas que achariam necessárias para a sua nova vida. Anteriormente, somente viam as vitrines e não possuíam condições para comprar roupas, tênis e outros acessórios. Um guarda-roupa novo é o que estavam pensando, mas, outros artefatos tecnológicos também. Pararam o carro dentro do estacionamento do shopping. O sorriso e a alegria, juntamente com a excitação de todos eles eram contagiantes. Se ninguém soubesse o que havia com eles, diriam na certa que eram jovens rebeldes e drogados. No momento em que entraram, pararam em uma loja de aparelhos eletroeletrônicos. Álex pediu para ver os computadores portáteis. Cláudio ficou ao seu lado. Sofia foi se entreter com os celulares de última geração. Logicamente, em toda a transição feita anteriormente a chegada de Álex à casa de Sebastião, seu Tio, tudo já havia sido arrumado. Com a entrega do testamento e com toda a esperada morte de seu Tio, tudo já estava
Na manhã seguinte, todos acordaram no horário que sempre era imposto. Álex viu seu mordomo entrar em seu quarto dizendo bom dia e abrindo a cortina da janela de seu quarto. - Você irá fazer isso sempre Frank? – perguntou ainda debaixo das cobertas. - Sim Senhor. Acaso não saiba, um mordomo cuida de seu patrão e em especial para que ele cumpra com todas as suas obrigações. Trabalho, reuniões, ginásticas e entre outras responsabilidades. No seu caso especificamente, colégio! – disse ele sem restrições e com aquela pompa de luxo em seu serviço de despertador chato. Desceram todos e se encontraram na mesa do café. Álex estava vestido muito bem com roupas de grife, porém, todas elas ainda insistiam e demonstrar a rebeldia do jovem. Para a surpresa de todos, Sofia estava se vestindo praticamente igual, se não fosse pelos detalhes dos acessórios serem ligeiramente femininos. Mostrou que também era rebelde assim como seu irmão e demonstrando também quão bonita era, n
Começaram a andar em seguida. Riram de tudo o que estava acontecendo e foram encontrar com os irmãos de Álex. Todos eles estavam juntos em um canto, pela primeira vez isso acontecia. Afonso disse que iria para a casa de uns amigos novos e que gostou de tê-los conhecido. Fernanda estava a toda e nem queria ficar ali batendo papo com os irmãos. Logo algumas de suas amigas vieram para chamá-la, o que em resposta aos seus irmãos disse que iria “tratar de sua vida social no colégio”, pois tudo havia mudado agora. Sofia contou sobre o que aconteceu a ela e disse que achou ridícula a atitude daquela garota. Estava começando a colocar para fora tudo o que sempre havia guardado. Mostrou-se ser sempre uma garota forte em conversas e argumentos com seu irmão, o que agora, estava começando a eclodir essa personalidade para os outros e principalmente no colégio. Antes, apenas em casa se colocava fortemente em relação a algo ou argumentação com sua família. - Bom! E agora? – pergu