Que cheiro é esse? Tento sentir melhor, mas há algo em meu nariz atrapalhando minha respiração. Que som é esse? São como bips de alguma máquina. Ouço as vozes dos meus pais conversando, e não brigando, o que é muito estranho. Tento abrir meus olhos, mas quando as pequenas brechas surgem, a claridade quase me cega, obrigando-me a desistir.
Meu corpo parece não ser meu, não sinto nada... pesado, estou pesado, é isso. Tento me mover, mas as tentativas são em vão. O que está acontecendo? Meus dedos, consigo sentir algo apertando. Começo outra vez a tentar me mover e sinto que estou mexendo meus dedos, até que ouço um grito de minha mãe chamando pelo meu nome e segurando minha mão.
– Nicholas?
Ela está acariciando minha face? O que é isso molhado pingando em mim? Ela está chorando? Eu pr
Tudo que parece pode não ser o que realmente aparenta,mas pode se tornar tão real quanto o verdadeiro real.A história que conto aqui é um exemplo de como um garoto afundado em um sofrimento inexplicável busca formas para escapar de tamanha dor, até mesmo em um mundo fantástico.É um exemplo de projeção na morte, o que não conseguimos encontrar em vida. É uma forma fúnebre de expressão e uma afirmação de que não buscamos a morte, mas sim uma outra forma de viver.São tentativas não bem-sucedidas de rasgar a pele como caminho de libertação da dor que se instaura dentro de nós. É um grito no vazio, um caminhar no ar e uma cansativa busca pelo sentido e pela felicidade.Pensando nisso tudo, digo-vos...Não adicione em sua vida os cruéis obs
É noite de quinta-feira.Uma maldita quinta-feira!Eu sou um dos 5.000 espectadores ocupando as acolchoadas poltronas vermelhas do Grandioso Teatro Central, em que uma famosa cantora lírica corpulenta de bochechas vermelhas grita no palco com seus pequeninos braços rechonchudos estendidos. Chamam isto de ópera e eu, de ataques de avestruzes famintos.Pergunto-me se esse realmente é o Brasil em que eu moro, em pleno 2020.Minha mãe, Berta de Lara Monteiro – dona de uma grife de moda muito conhecida, porém com um nome nada criativo: Grife de Lara –, acredita que eu estar aqui pode me ajudar.Meu pai, Tibério Monteiro – diretor administrativo de uma indústria automobilística –, sonha em ser sócio majoritário, logo, vive agradando seus superiores e tentando impressioná-los. Assim explica a grande preocupação que tem
Depois de uma quinta estranha, minha sexta-feira pode ser útil para pôr para fora tudo que me deixa incomodado. Eu posso descontar em alguém toda minha raiva por essa situação chata em que eu estou metido.O encapuzado não sai da minha cabeça. Estou com medo, claro, ele pode aparecer novamente ou foi apenas um caso isolado, em que eu estava na hora errada e no lugar errado. Devo contar para alguém ou guardar apenas para mim? Claro, possivelmente vão dizer que é tudo fruto de minha imaginação, afinal, uma pessoa com ansiedade generalizada fica assustada com muita facilidade. Respiro fundo inúmeras vezes e decido deixar essa coisa de homem estranho em estacionamento um pouco de lado.Como meus pais decidiram, as minhas sextas são dedicadas à terapia, ou seja, de manhã eu acordo, sou liberado das minhas obrigações na escola e me encontro com a psic&
Passo o resto da minha sexta-feira tentando não pensar no que aconteceu na sessão ou no estacionamento. Tranco-me no quarto e resolvo escrever no blog sobre a importância de um abraço para uma pessoa e como ele, que aparentemente é tão bom, pode ser um veneno para o resto da vida, causando marcas e sequelas irreversíveis.O Pior de TodosDulce SoledadTalvez não doa, talvez doa. Talvez não fiquem marcas..., mas ficou. Ele era apaixonado pela vida, ele era apenas um garoto que sonhava e sempre andava com um sorriso bem desenhando em seus pequeninos lábios, mesmo cercado por problemas grandes que para ele eram pequenos, quase inexistentes. Ele podia tombar, cair, se ferir, mas se levantaria e riria de tudo, vendo os machucados cicatrizando.Ele via a inocência em tudo e em todos. Acreditava que por
Mais um evento, último da semana, é o que acredito. É o maldito lançamento do livro da amiga da Berta.De terno, todo passadinho, me sinto sufocado e encurralado. Tento afogar minha gravata, pergunto-me o que eles chamam de diversão. Talvez seja uma estranha versão que a todo momento está estampada em minha face, mas que nunca noto.– Espero que pelo menos tenha uma música de verdade. – Murmuro enquanto subimos as escadas que nos levam à entrada do local. – Isso sim seria diversão.Minha mãe desliga o celular e o guarda na bolsa. Estava conversando com sua assistente, Johanna, que sofre em suas mãos, coitada.Meu pai também guarda o seu celular. Havia recebido um relatório importante e precisava ler e assinar digitalmente.Adentramos e percebo logo que está cheio de pessoas exatamente como meus progenitores.Bufo, frustr
Billie não me responde de imediato, mas eu sigo na esperança ainda de receber uma resposta sua. É domingo, dia em que eu vegeto em minha cama, mas como eu sou senhor do meu próprio destino, ou tento acreditar que sim, posso tomar alguma iniciativa e mudar o rumo dessa jornada louca.Elisa, minha melhor amiga, ainda não me mandou mensagem pedindo desculpas ou tentando se comunicar comigo de alguma forma. Eu sou orgulhoso, não vou procurá-la, sendo que eu estou em meu pleno direito de dar minha opinião sobre seu fogo miserável com aquele garoto que acabou de conhecer.São aproximadamente oito horas da manhã, ainda não desci para tomar café. Sinceramente? Minha cama está muito boa, então fecho meus olhos, respiro fundo, tentando não ficar chato por causa do tédio, e começo a pensar em tudo que me aconteceu nesses últimos dias.À
Acordar cedo nunca foi um problema para mim. A manhã de segunda, da qual muitos reclamam, eu amo. Simplesmente por causa da escola, local em que consigo sorrir um pouco – ou tento –, longe dos meus pais. Tirando a professora de matemática, que parece me odiar, e alguns garotos que pegam em meu pé, abstraio toda a negatividade do lugar e penso apenas no lado bom, minha melhor amiga.Ainda estamos brigados, mas eu sei que é temporário, é sempre assim.Abro meus olhos me sentindo confiante. Caminho até meu banheiro, faço toda a higiene matinal seguida por um banho morno, bem gostoso. Após me enxugar, volto ao quarto, abro o closet e pego a primeira calça jeans que vejo. Procuro a farda, que é uma camisa social branca de manga ¾ com o brasão da instituição, no formato de um pavão. Ainda acho um pouco brega, mas não posso fazer nada, eu sou obri
Lentamente abro meus olhos, sentindo uma forte dor de cabeça. Começo a avistar um teto de gesso todo branco e o cheiro do local em que eu estou, lembro-me de um hospital. Eu tenho quase certeza de que estou na enfermaria da escola.Com dificuldade de respirar, inclino minha cabeça para a direita e concluo minha suposição quando avisto a enfermeira. Ela está de costas para mim, conversando com Elisa, que segura uma sacola plástica preta toda amarrada.Me arrepio. Minhas roupas estão ali dentro, eu sinto, mas se realmente estão nesse saco, alguém me deu banho enquanto eu estava desacordado e essa ideia me deixa nervoso.Para tirar a imagem da mente, sem me preocupar com a dor de cabeça, a ergo e olho para meu corpo. Eu estou usando outra calça e camisa, provavelmente do acervo do curso de teatro.Volto a encostar minha cabeça na almofada dura do leito e solto um baixo