Mais um evento, último da semana, é o que acredito. É o maldito lançamento do livro da amiga da Berta.
De terno, todo passadinho, me sinto sufocado e encurralado. Tento afogar minha gravata, pergunto-me o que eles chamam de diversão. Talvez seja uma estranha versão que a todo momento está estampada em minha face, mas que nunca noto.
– Espero que pelo menos tenha uma música de verdade. – Murmuro enquanto subimos as escadas que nos levam à entrada do local. – Isso sim seria diversão.
Minha mãe desliga o celular e o guarda na bolsa. Estava conversando com sua assistente, Johanna, que sofre em suas mãos, coitada.
Meu pai também guarda o seu celular. Havia recebido um relatório importante e precisava ler e assinar digitalmente.
Adentramos e percebo logo que está cheio de pessoas exatamente como meus progenitores.
Bufo, frustrado.
Sem sombras de dúvidas, estou no lugar errado.
O que estou fazendo aqui?
Puta merda!
Lembro-me então que não é a primeira vez que me faço esta pergunta e que sempre estou sofrendo com este déjà-vu. Parece uma dolorosa redoma atemporal que, a cada virar de noite, repete-se.
Respiro fundo a cada passo que dou seguindo os meus pais, enquanto cumprimentam seus conhecidos e me apresentam para alguns. Eu fico envergonhado, vermelho e revoltado por não poder colocar meu headphone e fugir deste lugar.
Danem-se todos!
Tibério para e começa a conversar com um grupo de rapazes engomados, alguns são jovens e ele tem o desplante de sussurrar em meu ouvido.
– É assim que você deve ser. Estou lhe criando para isto e não para me dar desgosto, moleque.
Começo a sentir meu sangue ferver e minha face arder.
Berta agarra meu braço, me impedindo de dar alguma resposta, mesmo sem eu ter alguma arquitetada para meu pai idiota. Ela me leva para a mesa de um casal que conversa alegremente. Quando nos aproximamos, minha mãe me solta e fico parado enquanto ela vai cumprimentá-los. Evito ficar muito perto, na esperança de não ser notado, deixando-a ser a única cortês.
Elas riem, se abraçam várias vezes, torcem suas bocas. São tão falsas descaradamente uma com a outra.
Eu já estou cansado desta cena patética, então começo a sondar o evento, analisando cada pessoa presente. Tudo parece mais sincero que a ópera, pelo menos. Quando torno a olhar para Berta, ela está me chamando. Mordo meu lábio inferior, suspiro e me aproximo. Droga!
– Este é o meu menino, Nicholas Bartolomeu. – Berta me apresenta, animada.
Eu acho tão vergonhoso e infantil seu jeito de falar.
Para não parecer mal-educado, dou um sorriso forçado e um “olá” sussurrado com um aceno de mão.
– Querido, estes são Thereza e James Campos. – Ela me apresenta o casal.
Não dou a mínima para seus nomes, apenas olho para uma garota de cabelo castanho claro que acaba de chegar. Reparo que, entre os fios, há uma mecha pintada de azul, o que não combina, mas é radical. Ela se parece muito com a sua mãe, só que tem um ar mais misterioso, obscuro e verdadeiro.
O lançamento está começando a ficar interessante. Não por ela ser uma menina, mas por ser misteriosa e ter o cabelo diferente do padrão.
Dou-lhe uma analisada de cima a baixo e percebo que tem uma tatuagem de uma flecha no pulso direito. Outro radicalismo, só que muito mais sério e permanente.
Gosto!
– Esta é a nossa preciosa filha, Violeta. – Thereza abraça a filha de lado, como se ela fosse uma valiosa obra de arte da sua rica coleção. Pronuncia seu nome como se fosse uma palavra rara e única no mundo, que, para soar perfeitamente, precisa fazer um biquinho escroto que me lembra o ânus.
“Vaiolete” ... a pronúncia requintada paira em minha cabeça, mas sou salvo, mais uma vez, ao olhar para ela. Noto que Violeta não está gostando da situação. Flagro-a revirando os olhos.
– Querida, esta linda moça é a nossa amiga, Berta de Lara. E este lindo rapaz... – Cinicamente, Thereza toca a ponta do seu dedo indicador em meu queixo. Se eu fosse uma piranha, arrancaria sua mão inteira por sua ousadia. – É seu filho, o Nicholas. – Empurra-a indiscretamente em minha direção. Antes de ela chegar, relutando, minha mãe se aproxima do meu ouvido, sussurra “não me desaponte, filhinho” e, para disfarçar, beija minha bochecha, saindo com o casal Campos.
Eles estão dando uma de cupidos?
Violeta olha desesperada para seus pais, que caminham indiferentes pelo evento, sem olharem para nós. Percebo que Violeta se sente desconfortável, assim como eu. Respiro fundo, levo minhas mãos aos meus bolsos e fico olhando para o salão, mas não presto realmente atenção ao evento. É apenas um meio que encontro para não encarar Violeta como um louco psicopata. Estou apenas esperando que ela fale algo.
Li em uma revista que não deveria encarar muito a pessoa com a qual conversava, porque eu poderia acabar lhe assustando ou lhe passando uma imagem ruim.
– Odeio isto tudo. – Violeta esbraveja e bufa de raiva.
Então, sinto que eu já estou livre para olhá-la e trocar as primeiras palavras.
– Acho que você está se precipitando, querida. Olhe em volta, são pessoas ricas, estamos no lugar certo. – Falo, cheio de pompa, fazendo o biquinho da sua mãe.
Ela arregala os olhos. Consigo sentir seu desapontamento.
– Pensei por míseros segundos que você era diferente. Falou exatamente como minha mãe. Estou total e literalmente fodida.
– Então nossas mães são iguais. Afinal, todos aqui são iguais. – Falo estendendo minhas mãos em sinal de rendição, mostrando que estou apenas brincando.
– Estou longe de ser assim. – Violeta gesticula na direção de algumas mulheres de longos vestidos que riem para trás.
– Por isto sempre ando com meu headphone e meu celular.
Tiro minha mão direita do bolso, puxando o headphone, que é mediano, porém, dobrável, cabendo em qualquer lugar. Do outro, tiro meu celular. Violeta parece surpresa e um pouco mais animada.
– Se tiver sertanejo ou qualquer lixo que não seja Indie rock eu enfio este celular em seu rabo. – Vocifera ela puxando de mim meu amigo fiel, encaixando-o em seus ouvidos.
Observo-a mexendo em meu celular.
É aquele momento em que a pessoa teme ter alguma foto comprometedora exposta, mas agradeço a minha sanidade e decência por não ter nenhuma. Nunca tirei.
– MEU DEUS! – Violeta grita, feliz, e começa a cantar “Animal”, de Aurora. Olho envergonhado para os lados, pego em sua mão e a puxo para fora do evento.
Ela pode ser bonita, mas canta muito mal.
– Acho melhor ficarmos aqui, já que você canta muito alto e mal.
Sentamo-nos na escada que leva à entrada do salão. Ela ainda domina meu headphone e meu celular, ouvindo algumas músicas, pulando outras, cantando poucas. Fico apenas a observando, o que me deixa um pouco frustrado. Eu quero conversar com ela, quero conhecê-la melhor... ou já sei o bastante por ela ser idêntica a mim, ou ser aquilo que um dia eu quero me tornar.
– Violeta! – Chamo-a. Tomo o celular de sua mão, abaixo um pouco o volume para não ser tão rude. Ela me olha. – Você é feliz?
– Por que esta pergunta, Nicholas? – Ela retira o headphone, fazendo uma cara de desagrado, como se estiveste pensando: “sério que este moleque interrompeu meu som para perguntar isso?” Pelo menos eu pensaria isso.
– Nossos pais são ricos, somos controlados por eles e não fazemos nossa vontade. Você consegue ser feliz assim? – Pergunto na expectativa de receber uma boa resposta.
– Que se foda a felicidade! – Ela mostra os dedos do meio para cima, como se estivesse indignada com Deus.
Sorrio.
Esta ainda não é a resposta que estou buscando.
– Por mais que eu tente escapar deste mundo idiota, mais necessito dele. – Afirmo e abaixo meu olhar, unindo minhas mãos.
– Podemos aproveitar a riqueza dos nossos pais, mas sem nos contaminarmos com esta doença de vaidade deles.
– Humildade? – Pergunto, tornando a encará-la.
– Pode ser que sim ou pode ser que não. – Violeta dá de ombros e observa alguns carros e pessoas que transitam do outro lado do portão do espaço.
– E o que você faz com o dinheiro dos seus pais? – Questiono, curioso.
– Gasto em festas, bebidas e drogas. – Ela responde com muita naturalidade. Arregalo meus olhos. Um pouco chocado, talvez. Agora consigo compreender que de igual a Violeta, eu tenho apenas o gosto musical e não o modo de pensar. – Uso para fazer tudo que gosto de fazer. – Finaliza e dá uma olhada em minha orelha esquerda furada.
– Isto? – Toco no meu piercing prata. – Foi apenas um protesto, quando eu tinha quinze anos, mas não consegui me radicalizar mais além. – Ela solta um riso debochado que me incomoda.
– Você é filhinho de papai e de mamãe, Nicholas. Está estampado em sua cara. – Ela cospe as palavras em minha face indelicadamente. Enrubesço. – Olha só, até vermelho você fica. – Ela ri novamente, me deixando um pouco mais irritado.
– Eu não sou! – Exalto-me.
– Me diga algo que você já fez que prove o contrário.
Começo a vasculhar minhas lembranças em busca de algo que possa provar que eu não sou tão filhinho de papai e de mamãe, mas, tirando minha tentativa de suicídio, que não interessa a ela, o único pensamento que me vem à cabeça é minha estranha atração pelo mesmo sexo.
– Eu gosto de meninos. – Desabafo.
– Isso jamais será prova, Nicholas. Vamos, pense! – Violeta continua esperando uma resposta, sem demonstrar surpresa por minha revelação.
Afinal, o que eu já fiz por vontade própria, a não ser colocar o maldito piercing em minha orelha ou tentar tirar minha própria vida?
Em toda minha vida, fui marionete dos meus pais, sempre indo para tediosos eventos, e quando preciso sair com minha amiga, eu não consigo ir.
Meus pais vivem trabalhando, o que me impede de curtir loucamente e adoidado a vida?
Exatamente! Eu mesmo, porque eu sou sim, filho de papai e de mamãe. Essa ideia doí bem forte dentro de minha alma.
Eu tenho medo do mundo, do que eu posso encontrar.
Tenho medo do desconhecido e enfrentar tudo isso me parece assustador.
Eu estou condicionado a essa vida, mesmo não gostando.
É como se eu quisesse muito correr de dentro desta gaiola, mas tenho medo da punição que posso receber.
Eu prefiro continuar vivendo uma mentira, vivendo preso nas cordas dos meus pais como um boneco de ventríloquo, na minha zona de conforto, totalmente desconfortável.
Violeta tem a total razão.
Engulo em seco.
– Está vendo? Consegue compreender? Você quer ser feliz, mas não consegue porque está preso em seus pais. Você quer ser rebelde, mas está preso a uma crença que não foi criada por você, e sim moldada perversamente por eles, que o criaram, projetando em sua mente uma visão totalmente diferente e distorcida do mundo. Você foi contaminado pela alienação ainda no ventre. – Violeta lança seu olhar para o horizonte, cruzando os braços. – O mundo não se limita apenas a este ciclo fatídico de ricos. Existem pessoas pobres, doentes, sem nada, que vivem na miséria e que são felizes, mais que nós dois juntos, Nicholas.
– E você anda com essas pessoas? – Questiono-a, ainda a encarando, estalo os dedos, já nervoso. Ela faz que sim com a cabeça. – E por que não é feliz?
– Porque eu não quero, Nicholas. – Violeta afirma com rispidez e me lança um olhar frio.
Ela tem tudo para ser feliz, pelo que diz, e mesmo assim prefere ficar longe da felicidade. Eu preciso entender o que a faz pensar assim, eu preciso desta fórmula.
– E por... – Tento falar, mas ela me interrompe.
– Você começa sua semana bem, acorda com o pé direito, sorrindo e espalhando simpatia para todos. – Violeta começa a falar. – Você acredita que está tudo bem, que está feliz, finalmente, livre de tantas perturbações dos seus controladores pais. Sai com os amigos, se diverte, bebe, cheira, fuma, dá umas ficadas e fode como se nunca tivesse fodido antes. – Ela sorri tendo uma memória emotiva. – Quando você está bem esperançoso, quando você está confiante de que sua vida mudou e que você encontrou a felicidade fazendo aquilo que lhe faz bem, os problemas tornam a aparecer. – Lágrimas rolam por sua face. – Seus pais começam as manipulações demoníacas, começam a privá-lo das suas curtições e dos seus amigos novos, alegando ser o melhor a se fazer, até que você se vê sozinho novamente, no seu grande quarto, sem fazer porra nenhuma. É esta felicidade que você deseja? Os problemas apenas se vestem de alegrias e, quando estamos iludidos, eles aparecem tirando suas fantasias.
– E como evitar tudo isso? – Triste por ela, abaixo a cabeça, não consigo vê-la chorar.
– Assim!
Morosamente vou erguendo meu olhar. Violeta estica seu braço e estende a manga longa da sua blusa, me mostrando seu pulso esquerdo, todo cicatrizado por causa de automutilações. Assustado e horrorizado, fico boquiaberto. Trinco meus dentes e abro a boca na tentativa de falar algo, de lhe dizer que eu sei o que é isso, que já tentei me matar, mas nossos pais aparecem. Violeta esconde o braço ligeiro, limpa a face molhada e nos levantamos.
A despedida é rápida, o que me deixa um pouco aliviado. Tudo que eu quero é entrar no carro e partir para encontrar minha cama. Pôr uma ótima música e entrar em uma profunda introspecção.
Não consigo parar de pensar em como sou egoísta em dizer que eu não sou feliz por causa dos meus pais. Agora compreendo, após conversar com a Violeta, que a felicidade depende de nós, mas como sou condicionado a viver em uma realidade mais adulta, perdi toda minha infância dedicando-me a agradar a Berta e o Tibério, adultos ocupados demais para me darem amor.
Penso em Elisa e na nossa briga de mais cedo. Penso na pessoa por detrás do Billie. Penso em todos aqueles que sofrem e diariamente lutam e enfrentam seus conflitos destemidamente, o que eu não consigo fazer.
Sentado na traseira do carro, enquanto meu pai dirige e minha mãe mexe em seu tablet, fico observando a rua e toda a sua agitação noturna de um sábado.
O carro para em uma sinaleira e meus olhos se fixam em um grande portão enferrujado. Atrás dele, há um grande terreno velho, sujo, mas algo nele me chama atenção. No centro, quando foco bem, consigo enxergar uma flor, é uma rosa e brilha intensamente, se destacando nessa escuridão. É como se as estrelas estivessem focando apenas nela. Lembro-me imediatamente do Pequeno Príncipe e abro um sorriso.
Acho estranho, afinal, rosas não brotam dessa maneira. Talvez seja algo da minha cabeça, ou realmente não é uma rosa, e sim uma outra flor plantada, muito parecida.
Fico namorando-a, quero descer e a ver de perto, mas no mínimo eu pegarei leptospirose por entrar nesse lugarzinho imundo. O carro volta a andar, pego meu celular para responder finalmente os e-mails ignorados do pseud. Billie, claro, com receio do que eu posso falar ou da resposta que eu posso receber.
Human Sevdaliza
Sáb, 29 de fevereiro, 22:20
PARA: Billie Sem Eilish
ASSUNTO: Mais que um corte na pele
Billie,
Acredito que, primeiramente, preciso lhe pedir desculpas por não responder seus e-mails, confesso, eu li todos, mas não estava conseguindo encontrar cabeça para digitar respostas, mesmo elas estando presas em meu pescoço. Deu para entender essa piada? Eu não achei graça, mas você pode achar.
Hoje conheci uma garota um pouco radical, uma versão que queria adotar para minha vida, mas que nunca terei coragem... mas, talvez, eu não seja assim... eu ainda não sei quem sou, mas fico pensando no que quero para minha vida e receio descobrir. Está na hora para isso? O que você faria? Você sabe quem você é? Acho que não, acho que está no mesmo barco que eu e por isso nos damos tão bem, porque nos escondemos atrás de nomes que não são nossos, com medo de nos mostrarmos e sermos julgados... é sempre assim... é assim que o mundo funciona.
Ela se corta, nossa, outra coisa que sempre tive vontade de fazer, mas nunca tive coragem de me machucar, com medo da dor. Olha eu correndo dela outra vez. Por isso tomei remédios, por ser mais fácil, mais prático. Eram, para mim, docinhos, o que me deu coragem. Consequência? Toda semana uma conversa chata com uma psicóloga que tenta se vincular comigo.
Ela curte a vida loucamente, sem medo de ser infeliz ou feliz. Ela não vive buscando um sentido, parece que ela simplesmente vive esperando por ele, mas que nunca chega, e eu tenho medo disso também, afinal, quero viver sem me preocupar se vai chegar a felicidade ou não. Eu só queria ter a capacidade de controlar tudo isso que sinto.
Caramba, como é chato. Eu odeio sentir!
Estou agora com meus pais no carro. Saímos neste instante de um evento, briguei com minha melhor amiga e, na ópera (lembra dela, né?), fui abordado por um cara, eu acho, encapuzado, muito estranho, que depois sumiu do nada.
Sinceramente? Eu pensei que fosse você, por isso que não respondi... por isso fiquei sem cabeça para responder. Mas acredito que não foi você... ou estou enganado?
Curiosamente,
Sevdaliza.
Billie não me responde de imediato, mas eu sigo na esperança ainda de receber uma resposta sua. É domingo, dia em que eu vegeto em minha cama, mas como eu sou senhor do meu próprio destino, ou tento acreditar que sim, posso tomar alguma iniciativa e mudar o rumo dessa jornada louca.Elisa, minha melhor amiga, ainda não me mandou mensagem pedindo desculpas ou tentando se comunicar comigo de alguma forma. Eu sou orgulhoso, não vou procurá-la, sendo que eu estou em meu pleno direito de dar minha opinião sobre seu fogo miserável com aquele garoto que acabou de conhecer.São aproximadamente oito horas da manhã, ainda não desci para tomar café. Sinceramente? Minha cama está muito boa, então fecho meus olhos, respiro fundo, tentando não ficar chato por causa do tédio, e começo a pensar em tudo que me aconteceu nesses últimos dias.À
Acordar cedo nunca foi um problema para mim. A manhã de segunda, da qual muitos reclamam, eu amo. Simplesmente por causa da escola, local em que consigo sorrir um pouco – ou tento –, longe dos meus pais. Tirando a professora de matemática, que parece me odiar, e alguns garotos que pegam em meu pé, abstraio toda a negatividade do lugar e penso apenas no lado bom, minha melhor amiga.Ainda estamos brigados, mas eu sei que é temporário, é sempre assim.Abro meus olhos me sentindo confiante. Caminho até meu banheiro, faço toda a higiene matinal seguida por um banho morno, bem gostoso. Após me enxugar, volto ao quarto, abro o closet e pego a primeira calça jeans que vejo. Procuro a farda, que é uma camisa social branca de manga ¾ com o brasão da instituição, no formato de um pavão. Ainda acho um pouco brega, mas não posso fazer nada, eu sou obri
Lentamente abro meus olhos, sentindo uma forte dor de cabeça. Começo a avistar um teto de gesso todo branco e o cheiro do local em que eu estou, lembro-me de um hospital. Eu tenho quase certeza de que estou na enfermaria da escola.Com dificuldade de respirar, inclino minha cabeça para a direita e concluo minha suposição quando avisto a enfermeira. Ela está de costas para mim, conversando com Elisa, que segura uma sacola plástica preta toda amarrada.Me arrepio. Minhas roupas estão ali dentro, eu sinto, mas se realmente estão nesse saco, alguém me deu banho enquanto eu estava desacordado e essa ideia me deixa nervoso.Para tirar a imagem da mente, sem me preocupar com a dor de cabeça, a ergo e olho para meu corpo. Eu estou usando outra calça e camisa, provavelmente do acervo do curso de teatro.Volto a encostar minha cabeça na almofada dura do leito e solto um baixo
O Ateliê da Berta é um prédio rosa de cinco andares. O térreo é a recepção... na verdade, uma grande recepção. O segundo andar é a loja da Grife de Lara. Os andares três e quatro são responsáveis pela produção, onde ficam inúmeras máquinas de costuras, mesas de cortes e demais coisas para confecção das roupas desenhadas por ótimos estilistas, auxiliando as costureiras qualificadas. O quinto andar é a administração, em que fica também o escritório da Berta.Ao chegar à recepção, não olho para a cara da recepcionista que fala algo comigo. Não compreendo. Passo direto para o elevador e o pego.O setor administrativo é enorme e divido em várias salas, cada uma com uma função. Passo pelo RH, pela contabilidade, pelo almoxarifado, pela sala de
Eu não tenho o costume de sair durante a tarde. Para mim, é estranho. As pessoas desconhecidas que passam, os numerosos automóveis e seus barulhos insuportáveis, o odor estranho que se propaga no ar, sem falar das ruas terrivelmente sujas.Um rapaz passa por mim enquanto eu caminho e joga no chão, sem se preocupar com a poluição, a embalagem de um picolé que chupava. Olho o plástico dançar no ar até chegar ao chão. Pergunto-me o que impede este homem de esperar uma cesta mais próxima para descartar seu lixo.De acordo com meu estado sentimental, eu me estressarei com qualquer coisinha, então bufo, um pouco irritado, e prossigo na minha caminhada, prestando atenção aos detalhes da rua para seguir o caminho correto.A medida em que eu ando, percebo que estou conseguindo acertar o lugar. Estou reconhecendo alguns estabelecimentos, até virar algumas
O que faz o tempo passar mais rápido quando chego em casa é ficar pensando em toda a conversa que eu tive com aquele estranho no jardim. Eu não sei seu nome, talvez eu esteja interessado em saber, mas tenho quase certeza de que não o encontrarei outra vez.Quando saio do closet após vestir minha roupa de dormir, vejo o Littlefinger amolando suas afiadas unhas em um dos pufes, o que me deixa muito irritado por ele estar estragando um móvel, sendo que ele tem seu próprio amolador no seu cantinho.– Littlefinger, seu gato malvado, pare com isto. – Repreendo-o e o carrego.Ele mia, protestando, querendo chão, mas quando faço cafuné em sua cabeça, ele para e se aninha em meu colo como um felino carente.– Você tem problemas com os outros gatos? – Pergunto descaradamente. – Acredito que tenha, mas que sempre consegue resolver... ou é
Eu estou encurralado. A nanica continua saltitando de felicidade por ver seus amigos selvagens e, logo à frente, eles se aproximam. O que eu faço? Sinto dentro de mim um pequeno medo e vontade de correr, mas algo me diz para continuar aqui, esperando.O pavão, que desfila majestosamente, como uma ave da alta nobreza, olha para mim e acelera em minha direção. Sua cauda está fechada, arrastando-se no chão. Os outros prosseguem bem devagar, sem se preocuparem comigo.Quando a ave penosa está bem perto, abre sua cauda novamente e se contorce, virando um garoto ossudo, alto, cabelo castanho com mechas rosas.Ele para em minha frente todo sorridente, me analisa de cima a baixo, até que aproxima seu rosto do meu pescoço e me cheira. Dou um passo para trás, assustado com a sua inconveniência.Os macacos pulam mais e mais, até que um deles sobe sobre os ombros do out
Desperto.Sento-me na cama com os olhos arregalados, suando e com a respiração ofegante. Eu quero saber o que aconteceu. Olho em volta e decepciono-me quando noto que eu estou novamente em meu quarto.Aquele sonho foi tão real... cada sentimento, cada sensação, cheiro e toque. A vontade que tenho é de chorar por ser jogado violentamente de um lugar em que meus sentimentos ruins não me afetavam e que, quando tentavam, eram escorraçados de forma incrível, que deixava minha mente em paz.Toco cuidadosamente em meu olho esquerdo e o sinto inchado. Que droga!Em um salto, levanto-me, corro até a porta, abro-a bruscamente e vou até o quarto dos meus pais. A cama está forrada e não há sinal deles. Vou até a sala de jantar e Cristal está arrumando a mesa.– Que horas são? – Pergunto-lhe, tentando recuperar o fôle