Enquanto isso, em Isle of Palms, uma cidade localizada no estado norte-americano de Carolina do Sul, no Condado de Charleston. Uma cidadezinha tranquila. Parecia intocada pela visitação de turistas. Com pouquíssimos hotéis. Um refúgio perfeito para Renata Willians Bertizzollo.
Com Lorenzo morto, ela agora era dona de seu destino.
O dinheiro que pegara do cofre tinha acabado, por isso estava trabalhando em uma grande boate no período noturno como bartender. Seu emprego era recente, completava hoje quinze dias. Isso a preocupava, pois ela deixara seu anonimato e o refúgio do seu lar para se expor mais. Renata sempre sentia uma pontada de medo ao pensar nos Bertizzollo. Quando isso acontecia, ela sempre balançava a cabeça para afastar seus pensamentos pessimistas.
Estava feliz. Era independente e não precisava agradar ninguém a não ser a si mesma.
Lorenzo com certeza se desagradaria em vê-la trabalhando, conversando com vários homens. Ou usando roupas simples como uma calça jeans, camisetas, shorts de brim, ou frentes únicas. Ele adorava o requinte, exibi-la. Ela, para agradá-lo, vestia o que ele determinasse. Mas isso não era só um mal de Lorenzo. Lucas parecia ser também assim. Já Vincent, ela nunca conhecera. Naquele dia no enterro nem dera tempo. E hoje entendia que fora uma provisão de Deus ter desmaiado naquela hora.
Quem a visse hoje não a reconheceria. Ela estava mais magra e o louro acinzentado de seu cabelo dera lugar ao castanho escuro.
Alugara uma casa simples, não era grande, era quase pequena. Muito diferente da sua casa como esposa de um dos homens mais ricos da Flórida. Mas era apropriada para ela. Não queria nada grande. Queria apenas um lugar que pudesse chamar de seu. Algum lugar em que pudesse viver sem ser incomodada. Embora, ainda não tivesse decidido onde ia morar definitivamente...
Renata
A tarde chegava e com ela o vento forte que empurrava meus cabelos longos para trás, deixando o rosto exposto.
Sorri para Jake, que acenou para mim. Ele sempre vinha falar comigo. Loiro, olhos castanhos, estatura mediana, bem bronzeado. Tínhamos quase a mesma idade. Eu, vinte e dois. Ele, vinte quatro anos. Formado em direito, sempre passeava com seu cachorro na praia. Eu construíra uma relação com ele ao longo desse ano, embora fosse muito superficial. Jake queria muito mais de mim. Ele levou seis meses para conseguir conversar comigo. Eu tinha lhe dado meu nome de solteira, e com esse nome e meus antigos documentos consegui meu trabalho.
Hoje, excepcionalmente, estava me sentindo sozinha, por isso fui até ele. Deixei o degrau da varanda de minha casa, onde estava sentada, e caminhei ao seu encontro. Suspirei feliz, sentindo a sensação gostosa do vento no rosto, debaixo de meus pés a aspereza da grama e depois a areia quente. Aquela sensação de liberdade. Logo Bummer veio me cheirar, abanando o rabo para mim. Passei a mão na cabeça do grande labrador preto.
— Olá estranha! — Jake sempre me chamava assim. Eu sabia que ele ficava incomodado por eu não falar muito de mim. Eu, sem querer, ri, e me erguendo, coloquei as mãos nos bolsos da frente do meu short preto.
— Qual é a graça nisso? — perguntou Jake.
Queria muito me abrir com ele, mas não podia. Visualizei tão claramente Don Salvatore, Vitor ou Lucas me caçando como se caça um animal. Aquilo quase me fez cair. O sentimento de medo foi repentino, logo eu estava sendo inundada por ele. Isso fez com que o sorriso morresse em meu rosto e não respondi.
— Não está fazendo caminhada hoje? — Jake perguntou, me avaliando com seus olhos verdes.
— Não hoje não. Ando muito cansada.
Jake se aproximou mais:
— Garota misteriosa, quando vai se abrir comigo?
Eu me mexi inquieta e disse irritada:
— Jake, não insista! Já disse que não tenho muito que contar. Sou órfã.
— E daí que é órfã? E por isso não tem passado?
Com um suspiro de pesar eu lhe dei as costas. O negócio era cortar logo. Eu não podia me abrir com ninguém. Todo cuidado era pouco, precisava pensar na minha segurança.
— Espere! — Jake me puxou pelo braço. — Me desculpe.
— Tudo bem. Vou entrar. Estou com dor de cabeça e hoje minha noite será longa.
— Te vejo na Mynt.
Assenti para ele e caminhei em direção de casa para tomar banho e arrumar o meu cabelo, me preparar para aquela noite.
Três dias depois....
Vincent ainda pensava no irmão. Todos os dias ele se culpava. A dor continuava ali... talvez para sempre... e isso havia endurecido seu coração. Ficava deitado em sua cama pensando na traição de Renata. Alguém tinha cantado a bola onde Lorenzo estava naquela noite.
Ele não sabia o que pensar. Era sabido de todos que o casamento deles não ia bem.
Mas por que ela o trairia e viveria como uma fugitiva?
Não tinha base isso!
Vincent se orgulhava por ser muito observador e detectar pessoas calculistas e cavadoras de ouro a quilômetros de distância, mas esse não era o caso de Renata. O valor que ela levou não era grande.
Antony, seu consigliere, seu braço direito e o único no mundo que ele considerava digno do termo amigo, veio ao seu encontro com uma expressão sombria e séria.
Vincent
— Vincent! Encontramos o carregamento. Sem querer o contêiner foi desviado no porto por engano — disse Antony.
Eu respirei fundo, tirando o paletó e o colocando atrás da cadeira.
— Ele já está em nosso poder?
— Não.
Eu o encarei, sério.
— Cautela! Todo cuidado é pouco. Quem pode nos dizer se ele está em posse da polícia e eles só estão esperando para nos pegar em flagrante. Avise nossos homens para não fazer nada ainda. E use o nosso informante para saber se a polícia está envolvida. Temos dois homens lá dentro, não temos?
— Temos.
— Cheque isso! E chame Vitor. Vou colocá-lo a par da situação. E quanto a Ramon? Nossos homens não viram nada?
— Não. Ele sai muito pouco. Ficou mais cuidadoso depois da retaliação. Ontem, ele foi a uma boate.
— Não o percam de vista.
Raul Sebastian, um senhor de setenta anos, pai de três filhos, dois já mortos. Sobrara-lhe apenas um, Ramon.
Sempre alimentou um ódio mortal pelos Bertizzollo. Esse ódio, eles o sentiam há tempos, desde que Lorenzo passara a perna neles nos negócios. E os Sebastians perderam milhões por causa dele.
Viviam, desde esse dia, numa guerra fria. Mas seu filho, Ramon, quando viu a oportunidade de acabar com a raça de Lorenzo, não perdeu tempo e o matou. Foi através de uma ligação anônima que ficara sabendo onde ele estava.
A pessoa que ligou, não mentira. Lorenzo foi até a boate, como ele dissera. Tão logo Ramon o avistou descendo do carro, deu a ordem aos seus homens para acabar com a raça daquele desgraçado. Os soldados de Lorenzo não puderam fazer nada. Quando viram, o chefe deles estava estendido no chão.
O filho de Don Raul, contudo, não tivera a inteligência de apagar todos eles. Então, os capos dos Bertizollo fugiram. E com essas testemunhas, a retaliação veio, alguns de meus capos morreram e muitos soldados também.
Ramon
Meu pai estava em frente à janela, pensativo. Quando ele me viu, fechou a cara. Ainda estava irado pelo que eu fizera.— Pai, um dos meus homens reconheceu Renata Bertizzollo. Ela está trabalhando numa boate em Isle of Palms como bartender, à noite.— Renata, a viúva de Lorenzo?— Exatamente.— Como você sabe que é ela? E por que ela estaria trabalhando em uma boate?— Não sei. Eu não acreditei quando Stefan me falou. Mas fui lá ontem e chequei. Tenho certeza que é ela.— Não sei.— Pai, sem dúvida nenhuma. Ela tem um rosto que não passa despercebido. Eu já tinha abordado ela no shopping uma vez, o senhor se lembra? Agora ela está com o cabelo mais escuro, mais magra, mas é ela. Tenho certeza!Meu pai estreitou os olhos.— Acho pouco provável que seja. Mas se está dizendo.— Tudo indica que ela os deixou. — Eu ri. — Valentões idiotas! Permitiram que ela se afastasse da família. Agora ela será um alvo fácil para nós.— Se eles a deixaram ir, é porque não se importavam com ela! — disse meu pai, seus olhos cinzentos cravados em mim. — Filho. Você viu quantos morreram por sua causa? Esqueça isso!— Pai, é tarde demais para voltar atrás. Fiz o que fiz. Agora é hora de nos fortalecemos. Já pensou como ela nos será útil? Tudo que ela sabe? Só preciso me aproximar dela.RenataNo dia seguinte...Eu fazia todo tipo de misturas estranhas que me pediam. Osdrinksnão eram muito elaborados, isso facilitava na minha agilidade de servir ao público. Muitas bebidas já eram pré-definidas. Era só seguir a receita e pronto. Afinal, eu não era nenhumaexpertno assunto.Era bom trabalhar. Quando minha mente estava ocupada, conseguia deixar o passado, pois toda a minha atenção se voltava para as misturas que eu fazia. Mas era só eu relaxar, meus olhos passavam pelos clientes com puro medo.Agora por exemplo, estava sentindo os olhos de um homem o tempo todo em mim. Eu chamava a atenção, eu sabia disso. Mas os homens geralmente me olhavam diferente, geralmente me davam um sorriso, tentavam puxar uma conversa, mas estavam sempre descontraídos. Esse homem n&ati
Enquanto isso, do outro lado, em Miami Beach... 4 horas da madrugada...O cômodo estava mergulhado na penumbra, nenhuma luz acesa. Vincent tentava pegar no sono. Estava deitado na cama, imóvel. Seu antebraço cobria o os olhos.A sua guerra contra os Sebastians não era vitoriosa ainda. Ramon estava vivo e Renata ainda era uma fugitiva. Mas, mesmo diante de tudo isso, ainda era considerado um homem que não podia ser subestimado, apesar dos infortúnios da sua Família.Uma batida na porta o fez acender o abajur. Com seus volumosos cabelos negros desarrumados, sua barba crescida e estilizada, seus lábios cheios, olhos verdes quase azuis, ele virou o rosto para a porta.Vincent— Entre!Quando eu vi quem era, eu logo me sentei na cama.Eles a acharam!Pondo-me de pé, vi o so
O sol incidiu no quarto de Vincent. Ele acordou se sentindo bem. Depois de tanto tempo, finalmente tinha dormido sem aquele maldito peso pela impunidade daqueles que haviam tirado a vida de seu irmão.VincentEu tomei um banho demorado e depois, só de cueca, com o sol da manhã incidindo sobre o meu corpo, acendi um cigarro e, deitado na cama, comecei a pensar.Não demoraria muito, a notícia da morte de Ramon chegaria aos meus ouvidos. Aí viria a segunda etapa. Renata.Eu seria o monstro sedutor sorrindo para ela. Ela não entenderia a escuridão em meus olhos, pois isso a aterrorizaria. Eu a seduziria em teias de mentiras com meu charme. Logo ela se veria presa. Aos poucos tomaria o controle da situação sem que ela percebesse... ou resistisse.Eu iria despi-la de seu controle. Ela seria manipulada e atraída para mim – a aranha
RenataDentro da boate moderna e enorme, os andares estavam repletos de pessoas que se inclinavam sobre o parapeito e observavam os frequentadores abaixo. A enorme pista de dança no meio do ambiente estava lotada.Luzes tremeluziam, salpicando de roxo, branco e dourado a multidão na pista de dança e deixando os cantos na penumbra. Bolas metálicas pendiam no teto, iluminando as pessoas de prata no centro da pista de dança.Tocava agora uma música do momento, “Bette Davis Eyes”, de Kim Carnes. Parecia que todos tinham resolvido dançar. Uns dançavam sozinhos com as mãos para cima. Outros, em suas mesas, acompanhavam a música vendo os casais dançarem.Era fim de noite, eu estava para ir embora, mas antes ia dar uma passadinha no banheiro. Tirei meu avental preto customizado com o nome da boate e, depois de passar por uma portinhola, segui a
RenataComo se sentisse minha presença, Jacob se virou para mim. Quando nossos olhos se encontraram, eu quase não consegui caminhar até ele com o impacto de receber a intensidade do seu olhar. Mas forcei meus joelhos vacilantes e, corajosamente, fui em sua direção. Jacob tensionou sua boca com um pequeno sorriso de canto e pegou minha cintura. Eu estremeci inteirinha. Nunca tinha me acontecido algo parecido. E Lorenzo era muito bonito. Mas esse homem tinha uma aura de masculinidade exacerbada.Ao caminhar ao lado dele, era nítido o olhar que muitas mulheres lançavam para ele. Elas me observavam também, talvez para descobrir o que eu tinha para ter um cara tão quente ao meu lado. Lancei um olhar para Jacob. Ele parecia centrado, o rosto rígido, como se estivesse preocupado com algo.Ele me levou para a saída. Quando meus pés tocaram o chão lá de fora, o vento gelado
Renata— Chegamos. — A voz grave e profunda de Jacob cortou meus pensamentos.Antes de olhar para ele, eu olhei ao meu redor e vi minha casa de número 320.— Obrigada.Dei-lhe um leve sorriso.— Você parecia estar longe... pensando em coisas boas ou ruins?O pânico se estabeleceu dentro de mim. Eu demorei um momento para falar. O nervosismo atacou meu estômago, mas mantive a minha posição serena.Um pequeno sorriso enfeitou os lábios de Jacob, os olhos azuis piscaram, meu coração já disparado parecia que ia sair do peito.— Eu devo perguntar de novo, ou você vai repensar a sua resposta?Um fio de medo correu por minha espinha, pois eu estava me perdendo naqueles olhos azuis. Indo, indo, indo... Finalmente eu disse, franca:— Ruins. Bem, obrigada.Ele balançou a cabeça lentamente, seus olhos parecendo p
RenataNo dia seguinte acordei tarde. Desde a hora que abri meus olhos senti dentro de mim uma agitação interior. E eu sabia a resposta disso: mais tarde eu veria Jacob.Passei o dia dando uma ajeitada na casa, fazendo faxina. Meu estômago estava tão embrulhado pelo nervosismo, à medida que as horas iam passando, que no almoço só comi frango grelhado e salada.Mais tarde eu estava terminando meu banho, quando ouvi a campainha. Com o coração agitado, desliguei o chuveiro.Ding Dong! Era a terceira vez que tocava! Que homem insistente! No mínimo não estava acostumado a esperar.Ainda molhada, pingando, coloquei um roupão e fui até a sala. Abri a porta.Jacob estava lá.Lindo.Os cabelos estavam úmidos do banho, usava uma bermuda preta que lhe caía muito bem e uma camiseta branca. Nenhum outro homem tinha o poder de me perturbar ta
VincentEu relanceei meus olhos enquanto caminhávamos. Apesar da largura conservadora do seu vestido, ela exalava sensualidade. Essa mulher mexia comigo. De repente, toda a raiva que eu nutria queria sair de dentro de mim...Como eu gostaria de tê-la conhecido em ocasião diferente. Que isso tudo não tivesse entre nós.Dio mio! Ela não fazia o tipo “viúva negra”. Ela parecia tão genuinamente transparente.A imagem de Ramon me veio à mente. Que tipo de relação ela tinha com ele? Fora vista conversando com ele no shopping, pelos seus seguranças, e depois na boate.E se esse jeito inocente dela fosse apenas fachada?Eu a encarei. Seu rosto era tão adorável que me causou um reboliço por dentro. Respirei difícil, cada parte de mim em agitação, num tsunami de emoções. Para recuperar meu autocontrole, eu ol