Vinícius estava recostado na cama do hospital, o olhar perdido na janela que dava vista para o pátio externo.
As dores nas costelas eram constantes, mas ele já estava se acostumando com a sensação de mal-estar físico. O acidente parecia um pesadelo distante, embora o efeito ainda estivesse muito presente em seu corpo. Ao seu lado, Júlia, a mulher que o resgatou e o levou ao hospital, estava sentada, lendo um livro com a expressão tranquila. Eles já haviam trocado conversas nas últimas manhãs, e Vinícius começava a sentir uma espécie de gratidão silenciosa por ela. Júlia era moradora de uma vila próxima ao local do acidente e havia se mostrado incansavelmente prestativa desde que o encontrara. — Você está com uma cara melhor hoje — comentou ela, fechando o livro e sorrindo para ele. — É, acho que finalmente estou me acostumando com essa dor — respondeu Vinícius, tentando esboçar um sorriso. — Mas as costelas ainda me lembram que estou bem longe de casa. Júlia assentiu, e seu sorriso se manteve gentil. — Não deveria ter tanta pressa. Os médicos disseram que você precisa de mais tempo para se recuperar. — Eu sei, mas eu tenho assuntos para resolver... coisas importantes — Vinícius passou a mão pelo rosto, ainda sentindo uma leve dor de cabeça. — E esses assuntos podem esperar? — ela perguntou, com um olhar curioso. — Você quase não sobreviveu a esse acidente, e agora está apressado para sair correndo por aí? Antes que Vinícius pudesse responder, seu telefone vibrou sobre a mesinha ao lado da cama. Ele pegou o aparelho, e ao olhar o nome na tela, viu que era Henrique. — É meu advogado, Henrique — disse Vinícius para Júlia, antes de atender a ligação. — Vinícius, o que está acontecendo? — começou Henrique, com um tom sério. — Essa história de casamento... Quem é Clara? Ela está aqui, dizendo que vocês se casaram, mas você não me falou nada disso. Vinícius franziu o cenho, sentindo um desconforto crescente. Casamento? Do que Henrique estava falando? — Casado? — Vinícius repetiu, sua voz carregada de incredulidade. — Eu não me casei, Henrique. Do que você está falando? Júlia, que já havia ouvido algumas das conversas anteriores de Vinícius sobre sua vida antes do acidente, inclinou-se ligeiramente na cadeira, curiosa. — Então você não se lembra? — continuou Henrique, mais preocupado. — Clara está na sua casa, dizendo que vocês se casaram recentemente. Isso pode ser algo relacionado ao acidente, Vinícius? Você perdeu a memória? Vinícius suspirou, esfregando a testa. Nada disso fazia sentido. — Não, Henrique. Eu lembro de tudo até o acidente. Lembro de cada detalhe, das viagens, dos negócios que eu estava resolvendo. Mas casamento? Não. Isso eu não lembro. Do outro lado da linha, Henrique soltou um suspiro pesado. — Vinícius, acho que você deveria vir até aqui e resolver isso pessoalmente. Se há algum mal-entendido, precisamos esclarecer. Clara está convencida de que vocês se casaram, e isso está criando uma situação delicada com sua família. — Eu sei... — Vinícius respondeu, sua mente girando em círculos. Ele olhou para Júlia, que observava a conversa atentamente. — Eu só preciso de alguns dias para resolver as coisas por aqui. Assim que puder, vou direto para casa. Henrique fez uma pausa antes de responder. — Certo. Mas tente não demorar muito. A situação está... tensa. Cuide-se aí, Vinícius. Vinícius desligou o telefone e jogou a cabeça para trás, fechando os olhos por um momento. Ele sentia o peso da confusão aumentar sobre seus ombros. Júlia se levantou e foi até ele, preocupada. — Casamento? — perguntou ela, franzindo o cenho. — Você disse que não tinha uma esposa... Vinícius abriu os olhos e olhou para ela, balançando a cabeça lentamente. — Eu não tenho. Pelo menos, não me lembro de nada disso. Henrique disse que há uma mulher na minha casa, alegando que nos casamos. Nada disso faz sentido. Júlia o observou por um momento antes de se sentar novamente. — Parece complicado. Mas você está certo de que se lembra de tudo? — Ela perguntou suavemente, tentando ser delicada. — Tenho certeza. Minha memória está intacta... até o acidente, pelo menos. — Ele fez uma pausa, como se tentasse organizar os pensamentos. — Mas essa história de casamento... é como se fosse uma realidade paralela. Júlia olhou para ele com empatia. — E você vai embora para resolver isso agora? Os médicos disseram que ainda precisa ficar aqui por mais alguns dias... Vinícius suspirou, frustrado com a situação. — Eu não posso simplesmente ficar aqui e deixar essa confusão continuar. Eu preciso ir logo. — Ele fez uma pausa, observando o olhar preocupado de Júlia. — Mas eu agradeço o que você fez por mim. Se não fosse por você, eu provavelmente ainda estaria naquele lugar. — Eu só fiz o que qualquer um faria — respondeu Júlia, com um sorriso tímido. — Mas você deveria realmente considerar descansar um pouco mais antes de sair correndo por aí. Vinícius riu baixo, mas a dor nas costelas o fez parar. — Vou pensar nisso — disse ele, ainda incerto sobre o que fazer. Júlia pegou o livro novamente e, antes de começar a ler, olhou para ele com um olhar sincero. — Eu só quero que você se recupere bem. Acho que a última coisa que você precisa agora é se apressar e acabar piorando as coisas. Vinícius a observou por um momento, sentindo-se genuinamente grato pela preocupação dela. Júlia era simples, mas havia algo genuíno e reconfortante em sua presença. — Eu sei. Só que a vida não espera, mesmo quando o corpo pede para desacelerar. Júlia riu suavemente, balançando a cabeça. — Bom, espero que você ouça o corpo desta vez, pelo menos por mais um ou dois dias. Vinícius assentiu, mas ainda estava determinado a resolver aquela confusão o quanto antes. Ele sabia que algo estava muito errado, e a única maneira de descobrir a verdade seria enfrentando a situação de frente. Enquanto Júlia voltava a ler, Vinícius pegou o telefone novamente, ponderando se deveria insistir em partir antes do previsto ou seguir o conselho de quem estava cuidando dele ali. A tensão continuava a crescer dentro dele, mas, por ora, ele sabia que precisava de mais alguns momentos para planejar seus próximos passos.O sol já estava começando a descer no horizonte, tingindo o céu de tons de laranja e rosa. Vinícius estava em pé ao lado da cama, os movimentos ainda cautelosos devido às costelas machucadas, enquanto Júlia dobrava com cuidado as roupas que ele usaria na viagem de volta. A decisão de partir havia sido tomada, mesmo com o conselho dos médicos para que ele ficasse mais alguns dias. Vinícius sabia que não podia adiar mais.Júlia, por sua vez, tentava disfarçar o incômodo que sentia ao vê-lo ir embora. Ela sabia que ele tinha assuntos urgentes para resolver, mas uma parte dela desejava que ele ficasse mais um pouco. Ao longo dos dias em que cuidara dele, uma conexão havia se formado, e agora a ideia de se despedir era mais difícil do que ela imaginara.— Acho que é isso — disse ela, entregando a camisa dobrada para ele com um sorriso tímido. — Você está pronto para partir?Vinícius assentiu, vestindo a camisa devagar.— Sim, acho que sim — respondeu ele, enquanto ajeitava as mangas. —
O avião pousou suavemente, e Vinícius sentiu um leve desconforto ao se mover no assento, as costelas machucadas ainda o incomodavam. Ele suspirou, ansioso para sair daquela situação e entender o que estava realmente acontecendo. O acidente ainda estava fresco em sua mente, mas o que mais o perturbava era o mistério que envolvia seu suposto casamento com Clara.Quando saiu do terminal, avistou Leonardo esperando por ele perto do carro, com uma expressão contida, mas familiar. Vinícius avançou até ele, sentindo o peso da situação aumentar.— Vinícius! — Leonardo disse, com um sorriso controlado ao apertar sua mão. — Como você está, irmão?— Melhorando — respondeu Vinícius, sem muita emoção. — Ainda tentando juntar os pedaços.Leonardo assentiu, abrindo a porta do carro para ele.— Imagino que deve ser confuso voltar depois de tudo isso — disse Leonardo, enquanto entrava no carro e ligava o motor. — Como foi a viagem?— Tranquila, mas não estou aqui para falar da viagem — Vinícius respo
Antes que Vinícius pudesse reagir à conversa com Clara, a porta da sala se abriu de repente. Gisele Amorim entrou como um furacão, o rosto tomado pela emoção. — Vinícius! — ela gritou, correndo em sua direção, como se estivesse desesperada para garantir que ele realmente estava ali, vivo. Vinícius ficou congelado por um segundo. Gisele sempre foi uma presença constante em sua vida. Amiga de infância, eles cresceram juntos, e a família dele sempre imaginou que acabariam se casando. Mas algo sempre o impediu de avançar. Antes que pudesse reagir, Gisele o envolveu em um abraço desesperado, apertando-o como se quisesse garantir que ele era real. — Não acredito que você está vivo! — disse ela, a voz embargada de alívio. — Achei que tinha te perdido para sempre. Vinícius, pego de surpresa, devolveu o abraço, tentando manter a calma. Sentia o peso do momento, e a intensidade dos sentimentos de Gisele nunca havia sido tão clara. Clara, até então ao seu lado, deu um passo para trás, obser
Clara sentou-se na beirada da cama, os nervos à flor da pele após a conversa com Leonardo. As palavras dele ainda ecoavam em sua mente, e o medo de que sua vida estivesse prestes a desmoronar crescia a cada segundo.Ela mal teve tempo de processar as ameaças quando ouviu o som da porta se abrindo lentamente. Seu coração disparou. Vinícius entrou no quarto, sua expressão serena, mas com os olhos afiados.— Clara, precisamos conversar — disse ele, com uma voz calma, mas carregada de curiosidade e desconfiança.Clara sentiu o peito apertar. O confronto que ela tanto temia estava se aproximando.— Eu trabalho como aeromoça — disse, tentando sorrir levemente. — Foi assim que nos encontramos naquele voo para Valença.Vinícius franziu o cenho.— Lembro da viagem... — disse ele, devagar. — Mas não sabia que você era aeromoça.Clara assentiu, esforçando-se para manter a compostura.— Sim, eu estava trabalhando no voo. Você pediu meu telefone na volta. Foi aí que começamos a nos ver.Vinícius f
O silêncio continuava pesado no quarto. Vinícius, deitado ao lado de Clara, mantinha-se imóvel, lutando contra seus próprios pensamentos. Mas era Clara quem se sentia mais sufocada pela presença dele, mesmo que ele não se movesse. Virada de costas, Clara tentava encontrar uma posição confortável. A cada pensamento que tinha, o peso no peito aumentava. Sabia que estava jogando um jogo perigoso. E, a cada minuto ao lado dele, o fardo da mentira tornava-se insuportável. "Como vou sair disso?" Ela mordeu o lábio, inquieta. "Como vou pedir o divórcio sem levantar suspeitas?" Clara entendia que o divórcio seria o fim da farsa, mas não via outra saída. Talvez, se jogasse bem suas cartas, conseguisse convencer Vinícius de que o casamento não estava funcionando. Afinal, eles mal se conheciam, e a falta de lembranças dele poderia ser sua desculpa perfeita. "Mas como ele reagiria?" Seu coração acelerou. "Será que ele acreditaria? Ou isso só pioraria as coisas?" Mesmo assim, Clara não c
O jantar havia terminado, e Vinícius continuava observando Clara com a mesma intensidade. O silêncio entre eles era quase sufocante, mas ele não estava disposto a deixar as coisas como estavam. Clara sentia o olhar dele sobre si, e cada segundo que passava aumentava a pressão. Cada movimento dela parecia calculado, e o ar ao redor deles se tornava mais pesado a cada instante. Depois de um momento, Vinícius finalmente quebrou o silêncio. — Clara — disse ele, com a voz baixa, mas firme. — Precisamos conversar sobre o que realmente está acontecendo aqui. Clara congelou. A conversa que vinha temendo havia chegado, e agora não havia mais como escapar. Por dentro, ela sentia como se estivesse prestes a desmoronar, cada palavra que dizia era uma faca que cortava sua própria carne. O medo de falhar, de não conseguir escapar, pulsava em suas veias como uma corrente elétrica. Ela respirou fundo, tentando manter a compostura. "Talvez esse seja o momento," pensou, sentindo o coração acele
Clara ainda estava sentada à mesa, tentando processar a conversa com Vinícius. O alívio por ter mencionado o divórcio estava misturado com a crescente ansiedade sobre o que viria a seguir. Ela sabia que a desconfiança de Vinícius estava apenas começando, e que ele não desistiria tão facilmente de encontrar respostas. Mais do que isso, o medo pulsava em seu peito — o medo de que ele descobrisse tudo. A voz de Leonardo ecoava em sua mente. "Se ele descobrir a verdade, Clara... Ele vai acabar com você e com sua família. Ele é implacável." As palavras dele faziam sua respiração acelerar. Vinícius sempre pareceu tão calmo, mas, segundo Leonardo, o homem à sua frente era muito mais perigoso do que ela poderia imaginar. De repente, o som de seu celular vibrando quebrou o silêncio. Relutante, Clara pegou o aparelho e viu o contato salvo como "amor" aparecer na tela. Um nó se formou em seu estômago. Sem querer, ela desbloqueou o telefone e abriu a mensagem. “Estou com saudades de
No dia seguinte, Vinícius chegou ao prédio da empresa, sentindo o peso do tempo que havia se passado desde que estivera ali pela última vez. Ele havia se afastado por conta do acidente, mas agora era hora de retomar o controle. Ao entrar no escritório, os funcionários o cumprimentaram com surpresa e respeito. Seu retorno causava burburinho nos corredores, mas Vinícius estava focado em outra questão. Assim que chegou à sua sala, Vinícius pegou o telefone e ligou para Henrique. — Henrique, preciso que venha até minha sala o quanto antes — disse Vinícius, em tom direto. Poucos minutos depois, Henrique apareceu à porta, com sua postura sempre atenta. — Que bom te ver de volta, Vinícius — cumprimentou Henrique, com um sorriso contido. — É bom estar de volta, mas tenho coisas mais urgentes para resolver do que reuniões de negócios. Sente-se — respondeu Vinícius, apontando para a cadeira à sua frente. Henrique se acomodou, percebendo a seriedade no rosto do amigo. — O que est