Alberto Vasconcellos
A ruína não chega de uma vez. Ela se insinua aos poucos, como uma praga silenciosa, destruindo tudo o que construí ao longo dos anos. Eu a vi se aproximar, tentei resistir, mas era como segurar areia entre os dedos. A Vasconcellos Import & Export, a empresa que levei uma vida inteira para erguer, estava falida. Foram anos de glória. Eu dominava o mercado de commodities, transportando produtos valiosos pelo mundo inteiro. Meu nome era respeitado, meus contratos eram disputados e meu império parecia inabalável. Mas o mundo dos negócios é cruel. Com a ascensão de novas potências econômicas, a concorrência ficou impossível. Empresas chinesas e árabes começaram a dominar o setor, oferecendo preços com os quais eu simplesmente não podia competir. Os contratos começaram a cair. Clientes antigos romperam acordos que existiam há anos. Investidores se afastaram. Fiz de tudo para segurar minha posição: peguei empréstimos, cortei custos, apostei em novas estratégias. Mas foi inútil. A verdade é que eu estava lutando contra uma maré impossível de conter. E agora, aqui estou. Falido. Sentado em um salão privado de um dos poucos hotéis que ainda aceitam meu nome, encaro o copo de uísque na minha frente. É a única coisa que ainda me proporciona alguma sensação de controle. Ao meu redor, os poucos amigos que restaram tentam me convencer de que nem tudo está perdido. — Você precisa ouvir a gente, Alberto — diz Gustavo, recostando-se na cadeira. Ele parece absurdamente relaxado para um homem que está diante de um desastre. — Há uma oportunidade em Dubai. Lanço um olhar cético para ele. — Oportunidade? — solto uma risada amarga, girando o copo entre os dedos. — Gustavo, eu não tenho dinheiro nem para pagar as contas básicas. Você realmente acha que posso sair do país? Murilo, que até agora estava em silêncio, entra na conversa. Ele é o mais pragmático dos dois, sempre analisando tudo com uma frieza que chega a irritar. — Você não precisa de dinheiro, precisa de conexões. E é isso que estamos te oferecendo. Levanto uma sobrancelha, interessado apesar de mim mesmo. Conheço bem como essas coisas funcionam. Os árabes dominam os setores de petróleo e comércio internacional. Bilionários com negócios que poucos conseguem entender completamente. — E por que um sheik se interessaria pela minha empresa falida? Gustavo sorri, como se estivesse me entregando a chave de um cofre recheado de ouro. — Porque ele não quer a sua empresa, Alberto. Ele quer um novo parceiro para um projeto grande. Algo que pode te colocar de volta ao topo. Sinto uma fagulha de esperança. Pequena, mas existe. — Continuem. — Esse sheik é um dos homens mais ricos dos Emirados Árabes. Está expandindo os negócios para o Ocidente e quer um parceiro confiável. Ele nos pediu indicações e falamos de você — explica Murilo. Eu solto uma risada seca. — Indicaram um empresário falido? — Indicamos um homem experiente, que já teve um império e sabe como se reerguer — Gustavo retruca. — O sheik quer te conhecer. Cruzo os braços. — E por que eu teria que viajar para isso? — Porque ele é um homem tradicional. Gosta de conhecer pessoalmente aqueles com quem faz negócios. Ele quer ver sua essência, entender quem você é. Eu rio de novo, agora com ironia. — Minha essência? Ele quer que eu vá a Dubai para me avaliar como um cavalo em um leilão? Murilo dá de ombros. — Se quiser ver assim... Mas ele quer que você leve sua família. Minha expressão se fecha na mesma hora. — Minha família? — Sim. Ele valoriza isso. Quer ver com quem está se associando. Minha mente trabalha rápido. Eu não me importo com isso. Tenho três filhas, mas nunca fui próximo de nenhuma. Para ser honesto, só Lara realmente me incomoda. A mais nova. A que me lembra, todos os dias, a maior perda da minha vida. Minha mulher morreu no parto dela. Desde então, nunca mais olhei para essa garota sem sentir raiva. Não falo isso em voz alta, claro. Mas está lá. Sempre esteve. Mas se essa viagem for minha única chance de reerguer meu império... Respiro fundo e encaro os dois. — O que eu preciso fazer? Gustavo e Murilo trocam olhares antes de Murilo responder: — Apenas aceite o convite. Pegue suas filhas e embarque. Uma festa, um jantar, uma conversa. Se tudo correr bem, você volta ao Brasil com um contrato que pode salvar sua vida. — E se der errado? — Então, você estará na mesma situação em que já está. Fecho os olhos por um instante. Sei que não tenho escolha. — Tudo bem. Quando partimos? Gustavo sorri, satisfeito. — Em três dias. Prepare-se, Alberto. Isso pode mudar tudo. Eu duvido. Mas, neste momento, qualquer esperança é melhor do que nada.Alberto VasconcellosEntro em casa e, como sempre, sou recebido pelo silêncio pesado que habita este lugar. Antes, minha casa era um reflexo da minha posição: móveis importados, quadros de artistas renomados, tapetes persas. Agora, tudo perdeu o brilho. Parece um cenário prestes a desmoronar.Subo as escadas, sentindo a tensão no ar. Minhas filhas estão todas em casa. Posso ouvir as vozes delas no andar de cima. Natália e Bianca, as mais velhas, conversam animadamente sobre alguma besteira fútil. Lara, como sempre, está quieta.Abro a porta do escritório e me sirvo de uma dose de uísque antes de encará-las. Minha paciência anda curta, e eu sei que não vou gostar das reações que estão por vir.— Reúnam-se na sala — digo alto o suficiente para que todas me ouçam.Natália e Bianca descem primeiro, com ares de tédio. São exatamente o que a sociedade esperava que fossem: filhas mimadas de um empresário rico. Sempre tiveram tudo do bom e do melhor, e mesmo agora, com a falência batendo à p
Lara VasconcellosSempre soube que era diferente das minhas irmãs. Desde pequena, eu sentia isso. Enquanto Natália e Bianca eram o orgulho do meu pai, sempre ganhando presentes caros, viagens de luxo e tudo o que desejavam, eu era a sombra. A filha esquecida.Não sei exatamente quando percebi que meu lugar na família era esse. Talvez tenha sido nos aniversários, quando minhas irmãs recebiam joias caras e vestidos importados, e eu ganhava um "parabéns" dito às pressas. Ou talvez tenha sido nos natais, quando elas desembrulhavam presentes luxuosos enquanto eu, muitas vezes, sequer era lembrada.A verdade é que, por mais que eu tentasse, nunca fui suficiente para ele.E o pior de tudo? Eu nunca soube o que fiz para merecer esse tratamento.Até entender.Minha mãe morreu no meu parto.Ela morreu para que eu vivesse, e isso me transformou na inimiga do meu pai desde o momento em que nasci.Eu não lembro dela. Não sei se seu cabelo era liso ou cacheado, se sua risada era alta ou suave, se
Lara VasconcellosAs horas seguintes foram uma correria. Eu não queria estar ali, e nada fazia sentido para mim, mas de alguma forma eu me vi arrumando a mala, colocando roupas no mínimo desconfortáveis, e me preparando para embarcar em um avião para um lugar tão distante quanto Dubai. Meu pai nunca teve consideração por mim, e agora ele estava me forçando a ir com ele para que eu fosse parte de algo que nem ao menos entendia. Tudo o que eu sabia era que a empresa dele estava à beira da falência, e ele via essa viagem como a última chance de salvar tudo o que ele havia construído.Eu ainda não entendia como tudo tinha virado um turbilhão tão rápido. A ideia de viajar com meu pai e minhas irmãs para o outro lado do mundo, onde ele teria que negociar com um sheik árabe para salvar a nossa vida de luxo, me parecia uma piada cruel. Mas as palavras de meu pai ainda ecoavam na minha cabeça. Eu não tinha escolha.Arrumei minha mala com a cara fechada, o peso de todas as minhas frustrações s
Khaled Rashid Eu sou Khaled Rashid. Aos 26 anos, sou um dos homens mais poderosos de Dubai e do mundo. Um magnata que controla vastas fortunas e negócios que se estendem por todo o globo. Sou Sheik e dono de uma das famílias mais influentes dos Emirados Árabes Unidos. O que eu digo, se torna lei. O que eu quero, eu tenho. Nada e ninguém pode me impedir de conquistar o que desejo, e sou implacável nesse objetivo. Já estive casado duas vezes. Ambas as mulheres falharam em entender a verdadeira natureza do meu controle. Elas não conseguiram seguir as regras. A desobediência é algo que eu simplesmente não tolero. O preço foi alto, mas cada uma delas pagou com a vida. Quando você é como eu, ninguém pode desafiar o poder. As duas morreram por não se submeterem, e para mim, isso não significou nada além de uma necessidade de reafirmar minha autoridade. Eu não sou um homem de sentimentos. Não creio no amor, mas em algo muito mais forte: o poder sobre os outros. Sempre que vejo algo ou algu
Alberto AlmeidaEu entrei no hotel sem hesitação, apenas com o peso da responsabilidade nos ombros. Minhas mãos não suavam, meu coração não vacilava. Eu já havia tomado minha decisão. O que vinha a seguir era apenas uma consequência lógica. Elas estavam ali, esperando por mim, e não me importava se aceitariam ou não. Eu nunca precisei da aprovação de Lara para nada, e não seria agora que isso mudaria.Minhas filhas sempre tiveram seus papéis muito bem definidos na minha vida. Natália e Bianca eram exemplos de filhas. Entendiam seu lugar, compreendiam as regras do jogo, sabiam o que era importante. Lara... Lara era um erro. Um fardo. Uma lembrança viva da maior perda que eu sofri. Desde que nasceu, tirou de mim o que eu mais amava. Como eu poderia olhá-la e ver algo diferente disso? Nunca consegui, nunca tentei. Agora, finalmente, ela serviria para algo.Fitei as três quando entrei na sala. Natália sentada com postura impecável, Bianca de pé, com os braços cruzados e olhar inquisitivo