Lara Vasconcellos
As horas seguintes foram uma correria. Eu não queria estar ali, e nada fazia sentido para mim, mas de alguma forma eu me vi arrumando a mala, colocando roupas no mínimo desconfortáveis, e me preparando para embarcar em um avião para um lugar tão distante quanto Dubai. Meu pai nunca teve consideração por mim, e agora ele estava me forçando a ir com ele para que eu fosse parte de algo que nem ao menos entendia. Tudo o que eu sabia era que a empresa dele estava à beira da falência, e ele via essa viagem como a última chance de salvar tudo o que ele havia construído. Eu ainda não entendia como tudo tinha virado um turbilhão tão rápido. A ideia de viajar com meu pai e minhas irmãs para o outro lado do mundo, onde ele teria que negociar com um sheik árabe para salvar a nossa vida de luxo, me parecia uma piada cruel. Mas as palavras de meu pai ainda ecoavam na minha cabeça. Eu não tinha escolha. Arrumei minha mala com a cara fechada, o peso de todas as minhas frustrações se acumulando a cada peça de roupa que eu dobrava. Minhas irmãs estavam tão empolgadas com a viagem que mal conseguiam conter os sorrisos. Elas adoravam tudo o que a grana de meu pai podia proporcionar, e estavam mais do que prontas para se entrosar com a alta sociedade de Dubai. Eu, por outro lado, só pensava no quanto queria sair dali. O dia da viagem finalmente chegou. Como sempre, meu pai não se importou com o fato de eu não querer estar lá. Ele apenas me empurrou para dentro do carro e mandou que eu me comportasse. Chegamos ao aeroporto, e ao nosso lado estavam alguns amigos do meu pai, também empresários e parceiros de negócios. Eu só conseguia olhar para o chão, não queria interagir com ninguém. Quando chegamos ao hotel em Dubai, o cenário era um espetáculo de opulência. Um prédio imenso, com uma arquitetura deslumbrante, se erguia diante de nós. Era um dos maiores e mais luxuosos de Dubai, e eu não pude deixar de me sentir completamente deslocada. Não era o meu mundo. O cheiro do lugar, os trajes das pessoas, o som daquelas vozes, tudo aquilo me parecia surreal. E, no entanto, ali estava eu, com uma obrigação que eu não pedi e que me fazia sentir como uma peça de um tabuleiro de xadrez onde meu pai tentava fazer seu movimento final. Meu pai, com um sorriso no rosto, mandou que minhas irmãs se arrumassem rapidamente. O evento de negócios estava prestes a começar, e ele queria que todos estivessem prontos. — Precisamos causar uma boa impressão. O homem com quem estamos negociando valoriza a família. Então, comportem-se e se arrumem para o evento. As palavras dele não eram mais do que uma formalidade. Como se eu realmente fosse fazer alguma diferença na imagem da família. Minhas irmãs, já acostumadas com a ideia de agradar aos outros, começaram a se vestir com os vestidos mais caros, já sabendo que ali era o momento para brilhar. Eu, por outro lado, tinha uma única preocupação. — Pai, eu preciso perguntar. Eu realmente preciso ir para esse evento? Eu tentei falar de maneira calma, mas a ansiedade se espalhava em minha voz. Ele respirou fundo e me olhou, seus olhos frios e calculistas. — Lara, você vai porque eu estou tentando salvar essa família. Você, de todos, sabe o quanto a situação está difícil. Não me faça perder tempo. Se você não for, vai ter que arranjar um lugar para morar, porque não temos mais o que oferecer a você. Eu não quero que você seja a filha que destrói tudo. Eu respirei fundo. Aquela conversa sempre era a mesma. Eu nunca podia questionar ou pedir explicações. O que mais me deixava irritada era o fato de que ele nem tentava me explicar nada direito. Tudo o que ele dizia era uma ordem. Como sempre. Eu não era nada para ele, a não ser uma responsabilidade que ele queria ver longe, mas ao mesmo tempo próxima o suficiente para ser útil em suas jogadas de poder. Minhas irmãs já estavam prontas, e então fui obrigada a me arrumar. Como sempre, meu pai não se importou com o fato de eu não ter roupas caras. O mais frustrante era que ele nunca se lembrava de me dar o que eu precisava. Olhei para meu armário, sentindo a falta de algo que se encaixasse no evento. Eu não tinha o que vestir. Não tinha roupas de grife como minhas irmãs, não tinha dinheiro para bancar um estilo de vida como o delas. O que eu tinha eram roupas simples, comuns. Aí ele entrou no quarto, sua expressão impassível como sempre. — Por que você está vestida assim? Vai ficar com essa roupa para o evento? Ele me olhou de cima a baixo, claramente desapontado com o que eu estava usando. — Eu não tenho roupas caras como as suas filhas, pai. Você nunca me deu um cartão de crédito, então não tenho como comprar vestidos da Prada e nem nada disso. Ele franziu a testa. — Isso não é problema meu. Se você não tem o que vestir, a Bianca pode te emprestar um vestido. Eu sabia que Bianca jamais me emprestaria nada, mas meu pai não estava disposto a ouvir meus argumentos. — Bianca, empresta um vestido para sua irmã! — ele gritou. Bianca, com um sorriso debochado, recusou. — Eu não vou emprestar nada para ela. Ela pode se virar sozinha, não sou responsável por ela. Mas o meu pai não gostava de recusas. — Se você não emprestar o vestido, não vai ganhar nem um centavo para comprar aquele anel da Tiffany, e muito menos um vestido da Prada. Então, se acerte logo com sua irmã. A ameaça foi suficiente. Bianca resmungou, mas subiu as escadas e, alguns minutos depois, desceu com um vestido preto deslumbrante. Era simples, mas muito elegante, e eu sabia que ele valia mais do que tudo o que eu tinha. — Aqui. Não pense que é um favor. Eu vesti o vestido e, quando olhei no espelho, vi uma versão minha que nunca imaginei que existisse. Era uma Lara diferente, talvez até mais bonita. Mas, ao mesmo tempo, me sentia desconfortável naquele mundo. Eu não pertencia ali. Quando saímos de casa, a cidade de Dubai se revelava mais e mais fascinante. Chegamos ao prédio imenso, onde o evento aconteceria. Tudo ao meu redor parecia uma fantasia, e, ao mesmo tempo, uma prisão. Eu não conseguia me sentir em casa. O luxo, a pompa, a ostentação… era tudo tão distante de mim. Dentro do evento, as conversas começaram. Meu pai e seus amigos estavam em destaque, discutindo negócios com homens de terno, enquanto nós, as "filhas", ficávamos de lado. Natália e Bianca, sempre espertas, saíram para dar uma volta, explorando o que o evento tinha a oferecer. Eu, por outro lado, fiquei sozinha, observando tudo à minha volta. Foi quando um homem se aproximou de mim. Ele era alto, imponente, com uma presença tão forte que parecia que todos à sua volta estavam se curvando a ele. Os olhos dele, de um tom escuro e penetrante, me observaram fixamente, e eu me senti desconfortável. Ele era muito mais novo do que eu imaginava, talvez seus 26 anos, mas sua aparência era impecável, e ele exalava confiança e poder. Eu tomei um susto, e, instintivamente, dei alguns passos para trás. Foi então que meu pai, ao me ver, se aproximou. O homem se inclinou ligeiramente. — Eu sou Khaled Rashid. O prazer é meu. Meu pai, sempre interessado em negócios, sorriu imediatamente. — Ah, Khaled, que bom vê-lo! Este é o homem com quem eu estava falando sobre a parceria com a nossa empresa. Khaled olhou para mim e para minhas irmãs, mas seus olhos permaneceram fixos em mim. Ele fez um gesto com a mão para que minhas irmãs se aproximassem também, e, como um reflexo, elas se aproximaram. Mas o que mais me incomodou foi o fato de que ele não tirava os olhos de mim. Ele era um homem de poder, mas o olhar dele me fez sentir pequena. E, ao mesmo tempo, eu não podia deixar de me perguntar o que ele queria de mim. — Vamos conversar sobre os detalhes da parceria na sala privada, Alberto. Meu pai acenou com a cabeça, e, juntamente com seus amigos, seguiu para a sala privada, deixando-me ali, com aquele olhar penetrante de Khaled fixo em mim. O que ele queria?Khaled Rashid Eu sou Khaled Rashid. Aos 26 anos, sou um dos homens mais poderosos de Dubai e do mundo. Um magnata que controla vastas fortunas e negócios que se estendem por todo o globo. Sou Sheik e dono de uma das famílias mais influentes dos Emirados Árabes Unidos. O que eu digo, se torna lei. O que eu quero, eu tenho. Nada e ninguém pode me impedir de conquistar o que desejo, e sou implacável nesse objetivo. Já estive casado duas vezes. Ambas as mulheres falharam em entender a verdadeira natureza do meu controle. Elas não conseguiram seguir as regras. A desobediência é algo que eu simplesmente não tolero. O preço foi alto, mas cada uma delas pagou com a vida. Quando você é como eu, ninguém pode desafiar o poder. As duas morreram por não se submeterem, e para mim, isso não significou nada além de uma necessidade de reafirmar minha autoridade. Eu não sou um homem de sentimentos. Não creio no amor, mas em algo muito mais forte: o poder sobre os outros. Sempre que vejo algo ou algu
Alberto AlmeidaEu entrei no hotel sem hesitação, apenas com o peso da responsabilidade nos ombros. Minhas mãos não suavam, meu coração não vacilava. Eu já havia tomado minha decisão. O que vinha a seguir era apenas uma consequência lógica. Elas estavam ali, esperando por mim, e não me importava se aceitariam ou não. Eu nunca precisei da aprovação de Lara para nada, e não seria agora que isso mudaria.Minhas filhas sempre tiveram seus papéis muito bem definidos na minha vida. Natália e Bianca eram exemplos de filhas. Entendiam seu lugar, compreendiam as regras do jogo, sabiam o que era importante. Lara... Lara era um erro. Um fardo. Uma lembrança viva da maior perda que eu sofri. Desde que nasceu, tirou de mim o que eu mais amava. Como eu poderia olhá-la e ver algo diferente disso? Nunca consegui, nunca tentei. Agora, finalmente, ela serviria para algo.Fitei as três quando entrei na sala. Natália sentada com postura impecável, Bianca de pé, com os braços cruzados e olhar inquisitivo
Alberto VasconcellosA ruína não chega de uma vez. Ela se insinua aos poucos, como uma praga silenciosa, destruindo tudo o que construí ao longo dos anos. Eu a vi se aproximar, tentei resistir, mas era como segurar areia entre os dedos. A Vasconcellos Import & Export, a empresa que levei uma vida inteira para erguer, estava falida.Foram anos de glória. Eu dominava o mercado de commodities, transportando produtos valiosos pelo mundo inteiro. Meu nome era respeitado, meus contratos eram disputados e meu império parecia inabalável. Mas o mundo dos negócios é cruel. Com a ascensão de novas potências econômicas, a concorrência ficou impossível. Empresas chinesas e árabes começaram a dominar o setor, oferecendo preços com os quais eu simplesmente não podia competir.Os contratos começaram a cair. Clientes antigos romperam acordos que existiam há anos. Investidores se afastaram. Fiz de tudo para segurar minha posição: peguei empréstimos, cortei custos, apostei em novas estratégias. Mas foi
Alberto VasconcellosEntro em casa e, como sempre, sou recebido pelo silêncio pesado que habita este lugar. Antes, minha casa era um reflexo da minha posição: móveis importados, quadros de artistas renomados, tapetes persas. Agora, tudo perdeu o brilho. Parece um cenário prestes a desmoronar.Subo as escadas, sentindo a tensão no ar. Minhas filhas estão todas em casa. Posso ouvir as vozes delas no andar de cima. Natália e Bianca, as mais velhas, conversam animadamente sobre alguma besteira fútil. Lara, como sempre, está quieta.Abro a porta do escritório e me sirvo de uma dose de uísque antes de encará-las. Minha paciência anda curta, e eu sei que não vou gostar das reações que estão por vir.— Reúnam-se na sala — digo alto o suficiente para que todas me ouçam.Natália e Bianca descem primeiro, com ares de tédio. São exatamente o que a sociedade esperava que fossem: filhas mimadas de um empresário rico. Sempre tiveram tudo do bom e do melhor, e mesmo agora, com a falência batendo à p
Lara VasconcellosSempre soube que era diferente das minhas irmãs. Desde pequena, eu sentia isso. Enquanto Natália e Bianca eram o orgulho do meu pai, sempre ganhando presentes caros, viagens de luxo e tudo o que desejavam, eu era a sombra. A filha esquecida.Não sei exatamente quando percebi que meu lugar na família era esse. Talvez tenha sido nos aniversários, quando minhas irmãs recebiam joias caras e vestidos importados, e eu ganhava um "parabéns" dito às pressas. Ou talvez tenha sido nos natais, quando elas desembrulhavam presentes luxuosos enquanto eu, muitas vezes, sequer era lembrada.A verdade é que, por mais que eu tentasse, nunca fui suficiente para ele.E o pior de tudo? Eu nunca soube o que fiz para merecer esse tratamento.Até entender.Minha mãe morreu no meu parto.Ela morreu para que eu vivesse, e isso me transformou na inimiga do meu pai desde o momento em que nasci.Eu não lembro dela. Não sei se seu cabelo era liso ou cacheado, se sua risada era alta ou suave, se