Narrado por KhaledQuando abri a porta do quarto de hospital e vi Lara tão pálida, tão quebrada, deitada ali... um peso atravessou meu peito com força. Eu, Khaled Rashid, homem temido por todos, me senti impotente.Aproximei-me devagar, sem querer assustá-la ainda mais. Meus passos pareciam pesados demais para aquele ambiente branco e silencioso.Ela me viu. Virou o rosto. Mas não disse nada.— Fui eu que fiz isso com você? — perguntei, com a voz mais baixa do que imaginei que conseguiria usar.Ela continuou em silêncio. Algumas lágrimas escorreram pelo canto dos olhos. Isso me rasgou por dentro.— Me desculpa — falei, respirando fundo, com dificuldade. — Eu não queria te deixar nesse estado. Mas... se não fui eu, então quem foi?Ela virou devagar, com os olhos avermelhados.— Eu liguei para o meu pai.Fechei os olhos. Aquilo já me dizia muito.— E?— Ele disse que eu não faz
Narrado por Alberto Eu estava sentado na poltrona da sala, copo de uísque na mão, quando recebi a mensagem. A tela do celular se acendeu com o nome de Khaled, e bastou uma frase para meu corpo inteiro gelar: "A partir de agora, você não verá mais um centavo meu." Li mais duas vezes. O copo rangeu na minha mão de tanto que apertei. O contrato. O investimento. As parcerias. Tudo por causa daquela menina ingrata. Lara. Soltei o ar com força e joguei o celular no sofá. O som do impacto fez minhas filhas olharem da escada. — O que foi, pai? — perguntou Nathalia, cruzando os braços. — Que cara é essa? Bianca veio logo atrás, a expressão desconfiada. — Não me digam que o Khaled... — Cortou tudo — falei, com amargura. — Encerrado. Parceria, investimento, confiança. Tudo. Por causa daquela garota. As duas se entreolharam. Bianca foi a primeira a reagir. — Isso não pode estar acontecendo! — Ele ficou contra a gente? — Nathalia perguntou, incrédula. — Por causa da Lara?
Narrado por Bianca O som da mala sendo arrastada pelo piso frio do quarto me irritava. Tudo me irritava. O cheiro do perfume da Nathalia, o tique-taque do relógio, até o jeito como o papai suspirava lá embaixo. Mas o que me irritava de verdade… era a Lara. Aquela garota sempre foi um estorvo. Sempre se fazia de coitada. A órfã. A rejeitada. Mas agora? Agora ela era a esposa de um dos homens mais ricos do Oriente Médio. E nós? Ficamos pra trás. Sem o dinheiro. Sem o luxo. Sem nada. Puxei minha nécessaire com força e a joguei dentro da mala. — Tá pronta? — perguntei, olhando pra Nathalia pelo espelho. — Falta só o salto dourado. — Ela estava dobrando o último vestido. — Acha que Khaled vai me achar muito chamativa? Revirei os olhos. — Acho que ele vai achar qualquer coisa que não seja a Lara uma melhora. Nathalia riu. — Você é má. — Realista. — fechei a mala com um estalo seco. — Vamos fazer isso dar certo. Descemos juntas. O papai estava sentado na poltrona, com o copo de u
Narrado por Khaled Eu a vi atravessar as portas do hospital com o olhar ainda baixo, os passos lentos, o corpo mais frágil do que nunca. Lara era pequena naquele momento. Como se o mundo a tivesse esmagado e tudo que restasse fosse cansaço. Segurei sua mão com firmeza e a levei até o carro. Em silêncio. Ela não soltou. E isso, pra mim, já era suficiente. No caminho, ela manteve o rosto virado para a janela. Eu sabia que ela ainda estava tentando se recuperar daquilo tudo. E eu, por mais que tivesse o sangue fervendo de raiva do pai dela, me obriguei a respirar fundo e apenas... dirigir. Quando entramos em casa, não a deixei fazer esforço algum. Peguei-a no colo. — Khaled... — ela sussurrou, envergonhada. — Eu posso andar... — Eu sei. Mas não quero. Ela não discutiu. Levei-a direto para o banheiro do quarto. Liguei o chuveiro, ajustei a temperatura, e voltei para ela. — Tira a roupa. Eu vou te ajudar. Ela hesitou. Ficou me olhando com aqueles olhos assustados. — Eu
Narrado por Khaled Eu sabia que elas viriam. Desde o momento em que tirei tudo do pai delas — dinheiro, parceria, status — era uma questão de tempo até aquelas duas cobrarem a conta. Elas não sabiam viver sem luxo. Sem vantagens. Sem sugar. Estava sentado no hall principal, lendo um relatório, quando um dos seguranças se aproximou com a voz baixa: — Senhor Khaled… duas mulheres estão no portão. Nathalia e Bianca. Fechei o arquivo devagar, ergui o olhar e sorri de canto. — Mandem entrar. Me levantei e caminhei até o centro da sala. Apoiei as mãos nos bolsos e fiquei esperando. Não demorou muito até escutar os saltos batendo no mármore. E então elas entraram. Bianca veio primeiro. Usava um vestido branco justo demais, o tipo de roupa que grita “olhe pra mim”. Nathalia estava com um salto tão alto que mal andava, mas não perdia o sorriso cínico. — Senhor Khaled — Bianca começou, com um falso tom doce. — Esperamos que o senhor nos perdoe por virmos sem avisar. Viemos
Alberto VasconcellosA ruína não chega de uma vez. Ela se insinua aos poucos, como uma praga silenciosa, destruindo tudo o que construí ao longo dos anos. Eu a vi se aproximar, tentei resistir, mas era como segurar areia entre os dedos. A Vasconcellos Import & Export, a empresa que levei uma vida inteira para erguer, estava falida.Foram anos de glória. Eu dominava o mercado de commodities, transportando produtos valiosos pelo mundo inteiro. Meu nome era respeitado, meus contratos eram disputados e meu império parecia inabalável. Mas o mundo dos negócios é cruel. Com a ascensão de novas potências econômicas, a concorrência ficou impossível. Empresas chinesas e árabes começaram a dominar o setor, oferecendo preços com os quais eu simplesmente não podia competir.Os contratos começaram a cair. Clientes antigos romperam acordos que existiam há anos. Investidores se afastaram. Fiz de tudo para segurar minha posição: peguei empréstimos, cortei custos, apostei em novas estratégias. Mas foi
Alberto VasconcellosEntro em casa e, como sempre, sou recebido pelo silêncio pesado que habita este lugar. Antes, minha casa era um reflexo da minha posição: móveis importados, quadros de artistas renomados, tapetes persas. Agora, tudo perdeu o brilho. Parece um cenário prestes a desmoronar.Subo as escadas, sentindo a tensão no ar. Minhas filhas estão todas em casa. Posso ouvir as vozes delas no andar de cima. Natália e Bianca, as mais velhas, conversam animadamente sobre alguma besteira fútil. Lara, como sempre, está quieta.Abro a porta do escritório e me sirvo de uma dose de uísque antes de encará-las. Minha paciência anda curta, e eu sei que não vou gostar das reações que estão por vir.— Reúnam-se na sala — digo alto o suficiente para que todas me ouçam.Natália e Bianca descem primeiro, com ares de tédio. São exatamente o que a sociedade esperava que fossem: filhas mimadas de um empresário rico. Sempre tiveram tudo do bom e do melhor, e mesmo agora, com a falência batendo à p
Lara VasconcellosSempre soube que era diferente das minhas irmãs. Desde pequena, eu sentia isso. Enquanto Natália e Bianca eram o orgulho do meu pai, sempre ganhando presentes caros, viagens de luxo e tudo o que desejavam, eu era a sombra. A filha esquecida.Não sei exatamente quando percebi que meu lugar na família era esse. Talvez tenha sido nos aniversários, quando minhas irmãs recebiam joias caras e vestidos importados, e eu ganhava um "parabéns" dito às pressas. Ou talvez tenha sido nos natais, quando elas desembrulhavam presentes luxuosos enquanto eu, muitas vezes, sequer era lembrada.A verdade é que, por mais que eu tentasse, nunca fui suficiente para ele.E o pior de tudo? Eu nunca soube o que fiz para merecer esse tratamento.Até entender.Minha mãe morreu no meu parto.Ela morreu para que eu vivesse, e isso me transformou na inimiga do meu pai desde o momento em que nasci.Eu não lembro dela. Não sei se seu cabelo era liso ou cacheado, se sua risada era alta ou suave, se