ERA final de semestre. A universidade estava quase vazia. Eu ainda não tinha me recuperado totalmente da minha apresentação no Seminário Interdisciplinar de Pesquisa. Eu odiava falar em público; ter todas as atenções voltadas para mim. Mas no fim até que fui bem. A banca tinha me dado 9.8. Dois décimos retirados em razão de uma norma de citação indireta da ABNT esquecida.
Cleo estava numa das mesas sob o tamarindeiro, acompanhada por Lucas, sétimo semestre de Vernáculas. Ela tinha me contado que eles se aproximaram durante o Fórum da Juventude Preta. Lucas era poeta. Escrevia, principalmente, poesia marginal. Ela o dizia algo, empolgada, e ele a ouvia atentamente; seus olhos concentrados nos olhos dela. Ela sorria. Ele sorria de volta. Sua mão direita contornava o maxilar dela, e, sem pressa, seus lábios se encaixaram. A proximidade de ambos fazendo com que seus cabelos encrespados formassem um coração.As mãos que envolveram a minha cintura e os lábios que beijaram o meAos leitores: Não se esqueçam de avaliar o romance no ícone "avalie", logo abaixo da sinopse. Isso é muito importante para o crescimento do livro na plataforma. Desde já vos agradeço.
SE você chegou até aqui, o meu mais sincero muito obrigada por ter dedicado o seu tempo para ler o meu livro.Não foi nada fácil escrevê-lo. Foram três anos de escrita e reescrita, muitas leituras de relatos de vítimas de abuso sexual infantil, além de alguns artigos escritos por psicólogos sobre o assunto.Foi muito significante para mim ter construído um elenco majoritariamente negro, ter trazido pautas do feminismo e movimento negros, e, aliado a isso, ter ambientado a narrativa em solo baiano e num contexto universitário.Eu espero que você tenha gostado da obra, e, se assim quiser, recomende-a também para outras e outros.Com carinho,Joelma Santos
Eu não sei dizer ao certo quando começou a minha depressão. Às vezes acho que ela já nasceu comigo. Mas eu me lembro bem da menina quieta demais e que quase não falava. A menina que não confiava nas pessoas, que era ridicularizada por ser baixinha demais, barriguda demais, um cabelo duro demais, uma testa grande demais, sobrancelhas grossas demais e que sorria muito pouco. Eu me lembro bem dessa menina porque eu era essa menina.Tudo foi ficando pior aos dez anos, porque fora a época em que eu comecei a entender as coisas que tinham acontecido comigo, mas eu não soube o que fazer para me ajudar.Eu amava o meu cabelo natural. Porém de tanto ouvir os outros falando que ele era ruim eu comecei a alisá-lo. Passei a odiar o meu corpo, e com dez anos, comecei a fazer abdominal. Dez anos.Aos doze, evoluiu o meu medo de estar sozinha nos lugares. Eu evitava passar perto dos homens porque não queria ouvir as obscenidades que eles me diziam: “Gata”, “Morena”, “Gos
26 de janeiro de 2018Antes de entrar definitivamente nos pontos que quero tratar, entenda que minhas concepções relacionam-se ao lugar de fala que ocupo socialmente. O lugar de mulher negra de pele clara, pobre e baiana que cresceu tendo sua imagem moldada e ditada pela indústria midiática que atende aos interesses da sociedade patriarcal e estruturalmente racista.Enquanto criança, eu quase não me via na televisão. Não havia quem me representasse. No máximo, eu me encontrava naquela propaganda daquela marca de produtos capilares que colocava uma mulher negra de pele clara, magra, que ao ver o reflexo do seu cabelo crespo e frisado olhava-se com espanto, e a voz da locutora ao fundo perguntava: “Quer ter cabelos lindos e saudáveis?”. E ao fim da pergunta, a mulher negra de pele clara aparecia novamente com seus cabelos lisos e um largo sorriso no rosto. E claro, ela segurava, orgulhosa, a linha completa da marca em questão. Imagine a menina de seis, sete anos que ouvia da sua
14 de agosto de 2020Quando eu comecei a ter interesse por rapazes e a querer ter um relacionamento foi algo muito estranho.Eu cresci vendo os meus pais discutindo a todo o tempo e via as mulheres ao meu redor sendo repetidamente traídas por seus companheiros e achando isso como algo natural. Eu sabia que não queria isso pra mim.No entanto eu também não acreditava que algum dia encontraria alguém que me amasse da forma como eu era. Que aceitaria as minhas particularidades, me respeitasse e me transmitisse confiança.Então, quando eu me interessava por algum cara, eu me moldava a forma como eu achava que o agradaria e o faria me amar. E também os idealizava. Eu não os via como realmente eram. Isso fez com que eu desperdiçasse um bom tempo da minha vida dedicando o meu amor a caras que não mereciam nem me ter por perto.E, como você pode imaginar, eu acreditei ou quis acreditar em falsas promessas de homens, que, tempos depois, eu descobri que só queriam me usar
28 de fevereiro de 2019Ser escritora é um tanto quanto complicado a depender do ponto de vista. Sendo eu quem sou: mulher, negra, nordestina, pobre e periférica, chega a ser um ofício quase solitário.Mulheres negras escritoras não costumam se declarar como tal. Elas dizem: “Quando eu for escritora… Um dia eu vou ser…”. Ou no máximo falam: “Eu escrevo umas coisas…”, porque o ser escritora parece que não nos contempla, não nos pertence. Saber manipular as palavras não basta se o seu status social e a cor da sua pele não forem os que são aceitos pelo mercado. Afirmo isso sob um olhar pessoal, de quem vivencia isso diariamente, e não fundamentada em pesquisas científicas e etc.Dia desses, eu buscava no g****e por poetisas negras do início do século XX. Sabe quantas apareceram? Nenhuma. E isso não aconteceu porque elas não existiam, mas sim porque a história e seus registros estão em mãos embranquecidas. O que me importa se Cecília Meireles fora a grande poeta do
PASSADO. Palavra confusa. Não é que eu desconheça o seu significado. É que apenas não faz muito sentido pra mim. Porque não é como se fosse realmente "algo que se passou". Ele vive. Faz parte do que sou, da mulher que me tornei. E apesar de em alguns momentos eu conseguir encará-lo de cabeça erguida, durante madrugadas como essa eu volto a me sentir indefesa, frágil, um lixo.Deslizo minhas mãos frias mais uma vez pelo meu rosto pegajoso. O suor recobre a minha pele. A vontade de entrar debaixo do chuveiro me consome, mas eu resisto.— Apenas respire, Violeta — digo mentalmente.Penso em voltar a dormir, mas o medo de tornar a sentir suas mãos ásperas em meu corpo faz a bile subir à minha garganta. Salto da cama, abro a porta do quarto e corro para o banheiro. Ponho todo o meu jantar para fora e dou descarga, com um leve receio de que minha mãe acorde. Retiro a camisa larga e ligo o chuveiro. Esfrego a minha pele com força, acompanhada pelas gotas mo
DO balcão, meus olhos acompanham o vai e vem dos ônibus no terminal coletivo da rua Milton Ornelas. Corpos e mais corpos descem e sobem nos transportes coletivos. A maior parte deles completamente alheios ao mundo que os cercam. Parecem não enxergar o corpo que dorme sob o banco do ponto para o Jardim Petrolar com um pedaço ínfimo de papelão sobre o dorso. E os que enxergam o chamam de preto imundo, drogado… e chutam os pés que escapam para fora do banco, fazendo-o se encolher o máximo possível.— Violeta? — chama uma voz próxima a mim, trazendo-me para a realidade da Papelaria & Livraria Lucimar.— Bom dia. Em que posso... — começo a falar a frase de costume, mas me interrompo quando percebo de quem se trata. Vinícius. Ele amplia seu sorriso largo para mim e sinto minha face repetir o mesmo gesto de forma involuntária.Estudei com Vinícius durante todo o ensino fundamental e médio. Éramos muito próximos. Diferente dos outros rapazes, ele sabia
É quase como um redemoinho; as voltas e voltas que o café faz na xícara à medida que misturo o adoçante e o leite em pó ao líquido antes preto. Abro a embalagem do biscoito sete capas e o introduzo à boca, acompanhado por um gole de café com leite.Eu odiava os finais de semana. Principalmente o sábado. Acordava cedo por costume, e como a Papelaria & Livraria não abria aos fins de semana e naquele semestre eu não tinha aula aos sábados, não tinha muito o que fazer.Eu normalmente gostava de aproveitar o sábado para dar uma geral na casa, mas só começava depois que mainha saía para trabalhar.A espuma que dominava a esponja envolvia a minha pele preta. Pela tampa da frigideira eu vislumbrava o meu reflexo embaçado; os pequenos pontinhos brancos do edredom emaranhados entre os fios do meu cabelo encrespado.— Você pagou a conta de luz ontem? — pergunta minha mãe atrás de mim, me fazendo derrubar a tampa no interior da pia com o susto.Vol