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Uma virgem em Las Vegas
Uma virgem em Las Vegas
Por: Alice Dubois
Capítulo 1 – Cubra os olhos, por favor

Ally nunca está no quarto as três da manhã, eu sinceramente não entendo o que ela faz para se manter de pé, já que parece nunca dormir. Ela faz muito isso, some quando eu mais preciso dela. Ai meu deus Ally, eu vou matar você.

— Oi Ally, sou eu de novo. Se ouvir essa mensagem por favor atenda a droga do telefone ou vou ligar para a polícia.

Enfio a cabeça debaixo do travesseiro e grito apertando o telefone contra a orelha. Rolo cama sentindo os caroços do colchão mais do que gasto, olho para o teto encarando as rachaduras escuras na tinta branca. Quando está quente sempre caem lascas de tinta gasta no meu cabelo, o que é péssimo, porque parece mais que eu tenho um sério problema com caspa.

Na maior parte das vezes, este alojamento velho e apertado me irrita, eu não sei bem o porquê, talvez seja somente a terrível saudade de casa que me assola todas as noites solitárias. Não há uma só manhã que eu não acorde com as costas tortas e me encaro no espelho, questionando a mim mesma se eu fiz a escolha certa. Apenas repito para mim que um dia irá valer a pena, espero acreditar nisso em algum momento. Espero mesmo.

— Ally, estou falando sério — deixo outra mensagem correio de voz da minha melhor amiga — Vou começar a espalhar panfletos de desaparecidos por todo o campus se você não aparecer em vinte minutos. Vou colocar a droga da polícia na sua cola.

Será que estou sendo dramática demais? Talvez, é difícil saber a linha do dramática ou sensatamente cuidadosa com a sua única melhor amiga, especialmente quando ela desaparece nas madrugadas e deixa você de cabelo em pé, e eu não estou falando dos cabelos da cabeça.

Certo, isso soa perturbador. Aperto mais o telefone nos dedos e disco outra vez o número do celular de Alessia pela centésima vez nos últimos trinta minutos.

— Os cães farejadores já estão cheirando as suas coisas, daqui a pouco encontram a sua gaveta de calcinhas, você não vai querer os policiais descobrindo os seus brinquedinhos, vai? Estou falando sério Ally, apareça ou eu mesmo vou mostrar à sua mãe.

Jogo o celular na cama e me sento na beirada do colchão. Ally vai estar numa fria se no final do semestre não tiver créditos o suficiente, ela não vai conseguir se manter na faculdade. Seus pais vão definitivamente surtar. Os meus também, porque afinal, eles dividem o aluguel do dormitório, que por acaso é o mais caro do prédio de todo o campus.

O alojamento feminino fica bem no final da rua, há vinte minutos do prédio onde tenho a maior parte das minhas aulas. As oito tenho uma entediante prova de semiótica, espero que Ally não chegue de ressaca outra vez e eu tenha de segurar o seu cabelo enquanto ela vomita até amanhecer. Sempre que isso acontece, não consigo pregar os olhos em genuína preocupação, somos amigas desde o primário, e se tratando de Alessia, sempre tenho de me preocupar um pouco mais.

Não consigo deixar de resmungar, como minha melhor amiga pode ser assim tão irresponsável? Ela certamente deveria estar levando toda essa situação à sério.  Quero dizer, eu não posso ser a única sempre se preocupando com nosso futuro como se fossemos uma unidade, não é justo. Mas simplesmente também não posso estudar enquanto não ter minha querida melhor amiga sem juízo dormindo na cama ao lado.

Me levanto e calço meus tênis de corrida jogados ao lado da cama. Não estou nem aí se não combinam com um pijama de flanela, estou torcendo para que todos estejam dormindo lá fora em todo o campus. Jogo meu moletom por cima da camiseta e pego as chaves do dormitório e a do carro. Está relativamente frio, sinto minhas mãos congelarem instantaneamente assim que piso no corredor.

Todas as portas estão trancadas e o silêncio reina, pelo menos até o primeiro andar, onde uma garota tenta tirar uma barra de chocolate da máquina quebrada. Estou preocupada demais para avisar que a máquina sequer funciona há mais de dois meses ou para reparar de verdade se era mesmo uma garota. Ela tem braços mais grossos do que os do meu pai e usa uma bandana na cabeça raspada.

— Belo pijama. — Ela diz encarando o meu traseiro de uma forma preocupante.

Ainda não sei se é mesmo uma garota, mas eu não posso ser grosseira e dizer que as regras do dormitório proíbem a entrada de garotos. Ele tem uma daquelas luvas de couro, estou com medo. Não quero ser inconveniente ou cometer uma gafe, seria ofensivo demais até para mim. Dizer qualquer coisa desnecessária seria extremamente preconceituoso.

— Ah, obrigada. — Forço um sorriso amarelo em sua direção.

Sigo em frente depressa. Na minha mente fértil, começando a considerar que algum maluco sequestrou Ally, e que provavelmente eu vou terminar a noite em um necrotério reconhecendo seu corpo. “Acalme se, Jane, por favor mantenha a calma e continue andando”, digo para mim mesma ao apressar o passo.

Ela está assim desde o verão passado quando terminou com Ross, sei que ela está triste, mas Alessia não é exatamente alguém que sabe mostrar os sentimentos aos outros. Desde o fim de seu namoro — o que talvez tenha sido o namoro mais longo de toda a sua vida — Ally vem enchendo a cara e frequentando bares de motoqueiros barra pesada que me fazem mijar de medo.

Tudo bem, estou calma, nenhum deles enterrou ela no quintal, repita comigo Jane, nenhum deles a enterrou no quintal.

Ross, ex-namorado de Alessia, continuou na cidade e trabalha consertando carros na oficina do seu tio, meus pais ainda acham que ele não é uma boa influência. Os pais de Ally desistiram de opinar.

Sinceramente, penso que eu devia começar a fazer o mesmo. Principalmente porque todos dizem que esse não é um emprego que ele deveria ter se os dois pretendiam algum dia ter uma família. Eu não acho que ela queira realmente ter filhos ou ligue para droga da faculdade, e talvez os pais dela estão sendo demasiadamente elitistas em minha opinião. Ross parecia gostar dela de verdade, Ally não se importava se ele não tinha dinheiro para faculdade ou se simplesmente fossem se mudar para um trailer hora ou outra, ela também gostava dele e não estava muito interessada em saber os dígitos de sua conta bancária.

O que de fato não parecia ser a mesma opinião dos pais dela, um juiz federal e uma advogada renomada do escritório da promotoria da cidade, que sempre esperaram mais do que a filha pudesse oferecê-los. Os pais endinheirados e a pressão para que Alessia se tornasse igualmente bem-sucedida parece ter causado tensão o bastante no relacionamento dela e de Ross, e bem, todo o resto pareceu ser demais para eles.

Ally odeia pressão, e por alguma razão, também parece odiar melancolia pós términos. E agora estou à sua procura no campus mal iluminado às três da manhã.

Chego ao meu carro na vaga de estacionamento atrás do prédio do dormitório e abro a porta pensando seriamente que estou tendo um ataque nervoso, e é quando escuto aquele grito.

— Ai meu deus! — Cobri os olhos.

Ally levanta a cabeça com o seu recém pintado cabelo Vermelho-fogo alisado, e o cara sobre ela apenas me direciona um olhar zangado.

— Jane, péssima hora — Resmungou ela.

Continuo com os olhos fechados, criando uma nota mental sobre levar o carro a um lava-jato para higienizarem os bancos traseiros o mais breve possível, mesmo que isso cause um furo no meu orçamento negativo do momento.

— Calma, gatinha — O motoqueiro barbudo murmurou.

Não vou olhar. Socorro. Eu preferia ter tido um ataque do coração a tempo.

— O que você está fazendo? É tão difícil me deixar ter um pouco de privacidade? — Ally revirou os olhos furiosa.

— No meu carro?

— Você preferia que fosse no dormitório? Ao seu lado?

— Sim, mas precisava mesmo ser no meu carro?

Acredito que ela não entendeu muito bem o meu ponto. Ela me olha como se eu tivesse enlouquecido de vez, o que não é nem um pouco justo de sua parte.

— Pelo amor de deus — eu respiro fundo — Eu te liguei umas cem vezes!

Ela ajeita o seu short e sai pela porta traseira penteando seu cabelo com os dedos.

— Eu estava com as mãos ocupadas — Seus olhos borrados me olham como se fosse a coisa mais normal o possível de se dizer. Há detalhes demais faltando nessa descrição para que eu possa levar a sério, mas eu prefiro não perguntar. Estou perturbada para uma vida inteira.

— Sua amiga vai participar da festinha? — Perguntou o homem desconhecido em meu carro.

Nós duas olhamos para o cara barbudo, estreitei meus olhos incapaz de saber se ele está brincando ou falando realmente sério.

— Cale a boca — Ally diz com um suspiro exasperado.

— Já chega. — Dou de ombros e começo a fazer o caminho de volta para o quarto. Ally não vem atrás de mim, estou começando a me arrepender de ter dado a chave reserva para ela. Eu devia ter desconfiado que esse tipo de coisa fosse acontecer, afinal de contas, é de Alessia que estamos falando.

Passo pela entrada do prédio e a garota (ou garoto) ainda está chutando a máquina de doces insistentemente. Puxo o meu moletom contra o corpo enquanto o pescoço da desconhecida gira na minha direção, apenas apresso o passo mais uma vez e subo rápido as escadas até o terceiro andar.

Giro a maçaneta da porta, mas nada acontece. Emperrou. Outra vez.

Isso não pode estar acontecendo, só pode ser algum tipo de brincadeira de mal gosto. É a terceira vez que essa maçaneta emperra em um mês e sou obrigada a ficar do lado de fora. Empurro a porta com força, só que nada acontece.  Deslizo contra a porta e sento ao chão com certo desespero.

Tenho vinte e dois anos e sou um completo fracasso.  

Ally aparece do outro lado do corredor usando o seu coturno e calças de couro, ela coloca as mãos nos quadris e revira os olhos uma outra vez. Sem dizer nada, ela se aproxima e chuta a maçaneta. Com um estalo, a maçaneta de metal rola pelo chão do corredor e a porta se abre. Fuzilo um olhar na direção de Ally. Isso não é nada bom.

— O que foi? — ela pergunta inocentemente, batendo os seus cílios pesados de rímel.

Legal. Agora eu vou ter de comprar outra fechadura também. Só quero gritar.

Quero dizer, não posso simplesmente atirar minha melhor amiga da janela, apesar de que essa ideia soe um tanto tentadora em minha mente. Não é como se eu tivesse algo contra seus meios questionáveis de diversão, na verdade, penso que ela pode fazer mesmo o que estiver com vontade, contanto que não me enfie em suas confusões. É como se Ally se recusasse a crescer, e bem, ela já tem mais de vinte e três e ainda age como se estivéssemos no ensino médio. Não faz qualquer sentido.

Enquanto boa parte das garotas de nossa idade estão dando início em suas carreiras profissionais ou criando suas famílias, me sinto como uma babá de uma mulher adulta que se recusa a crescer. Sei que eu deveria não me importar e que o que faço é minha escolha, mas poxa, não posso simplesmente deixar de lado a única pessoa que esteve ao meu lado por todos esses anos.

Continuo repetindo para mim mesma que tudo isso é só uma fase. Volto a encarar o teto, sem perspectiva alguma. Mas o que eu estou fazendo da minha vida?

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