Às duas da manhã, eu já estava completamente desperta. Mais alerta do que deveria estar, considerando que a noite anterior fora passada em claro por culpa de Ally . Agora, minha vigília noturna era motivada por um turbilhão de pensamentos sobre as coisas que estavam fora do lugar na minha vida. Não que minha vida estivesse irremediavelmente ruim, claro que não. A questão era que eu esperava um pouco mais de mim mesma após o término do ensino médio. Talvez esse fosse o cerne do problema: expectativas elevadas em relação a aspectos que eu, na verdade, não podia controlar.
Casamento, filhos, todas essas aspirações típicas das garotas. No entanto, agora tudo isso parecia fora de cogitação. Primeiro motivo: qual seria a chance de meus pais permitirem que eu me casasse com o cara que abandonou a faculdade para formar uma banda? Obviamente, meu pai não está interessado em descobrir por quanto tempo fui apaixonada por esse cara na adolescência.
Não tenho mais dezessete anos; não deveria viver de lembranças infantis. Mas esquecê-lo não era algo simples, eu o amava. Apesar de minha mãe gostar de Jesse, o segundo motivo era a questão de sair da faculdade, algo que ela considerava fora de cogitação. Para eles, a linha de raciocínio levava apenas a imagens de mim, numa boate, dançando de forma desajeitada. Essa hipótese carecia de detalhes suficientes para sequer ser considerada.
O terceiro motivo, há quanto tempo Jesse estava me escondendo coisas? E que tipo de segredos seriam esses? O medo se instalou ao imaginar que, um dia, poderia acordar descobrindo que ele tinha uma esposa e cinco filhos no Canadá, terminando sozinha e com uma hipoteca impagável. Ou pior, ele poderia estar escondendo coisas porque não queria mais compartilhar sua vida comigo, talvez me trocasse por uma Maria-gasolina ou algo assim.
Afundei minha cabeça no cobertor, sentindo falta do cheiro de amaciante que impregnava as coisas da minha mãe. Não tinha notado até então toda a minha saudades do meu travesseiro, das fotos na parede, de quando tudo era mais fácil antes de ser “adulta”. Até mesmo das vezes em que ficar presa na escola com Jesse parecia terrível, mas ao mesmo tempo reconfortante. Eu sabia que as coisas mudaram e as pessoas cresceram, mas sempre parecia que algo estava faltando desde Eddie.
Continuei encolhida, travando meu maxilar, enquanto o som persistia. Torci para que fosse um besouro comum nessa época do ano, embora não parecesse um besouro, e besouros certamente não sussurram “Jane”.
“Okay, Jane, deixe de ser cagona, levanta esse traseiro magro e vá ver o que está acontecendo. Certo, assim que eu parar de tremer como uma vara verde. Ande logo.” Levantei-me devagar, ainda envolta no meu cobertor, como aqueles mendigos da sétima avenida, e me aproximei da janela, ouvindo o persistente barulho. Me curvei lentamente, constatando que não parecia um fantasma. Talvez fosse apenas um maldito besouro mesmo.
Ergui-me com um solavanco e abri a janela rapidamente, antes que alguém pudesse dizer “corra”.
— Mas o que...
Foi quando aquela pedra acertou bem no meio da minha testa. É, eu sei.
Patético.
— Merda, Jane! — A voz de Jesse soou lá debaixo do jardim. Ele havia escalado pelo canteiro de flores, subindo pela grade onde as ramas cresciam até minha janela.
Jesse assou os pés pela janela e pulou para dentro do meu quarto com surpreendente facilidade. Quando percebi, sua mão já estava em meu rosto, verificando se eu estava machucada ou algo do tipo. Demorei mais do que o necessário apenas checando se meus olhos de fato funcionavam, massageei minha testa e pisque algumas vezes, ainda sentindo o impacto da pedra contra a minha pele.
— Você vai acordar os meus pais — eu o adverti, esfregando a testa — o que você pensa que está fazendo? Você sabe que pode usar a porta como uma pessoa normal?
Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, ele já me beijara. Isso mesmo, sua mão cheia de dedos já repousava nas minhas costas, e, por um momento, esqueci a fúria que estava prestes a soltar sobre ele. Foi só por um momento, pois no instante seguinte, meio hesitante, o empurrei para longe, fazendo-o cair sentado na minha cama.
— O que foi? — ele perguntou inocentemente.
Foco. Foco. Foco.
A pedra? Não. A pedrada não era o problema. Jesse era o problema.
Ele tinha muitos segredos.
— Não insulte a minha inteligência. — Falei colocando as mãos nos quadris tentando parecer convincente — Não tem nada novo que você queira me contar?
Ele se levantou devagar e piscou. Lá estava ele, repetindo aquilo, encarando-me com aquele olhar capaz de derreter ossos. Não vou cair nessa, não vou. Dei as costas no primeiro momento, cruzando os braços para parecer furiosa. Suas mãos subiram e desceram pela minha cintura, enquanto ele apoiava o rosto no meu ombro.
— Nada em especial.
— É mesmo?
— Você teve um dia cheio, Jeannie. Quer mesmo falar sobre isso? Não estou muito afim de falar, estou pensando em algo mais interessante.
Como terminar grávida, tendo de largar a faculdade, limpar baba de criança do meu ombro e prendê-lo em um emprego de período integral pro resto da vida? Acho que preferia esperar. Eu posso muito bem esperar alguns instante para saber o que diabos ele vinha aprontando nos últimos tempos que o fez pensar que não era bem necessário me contar as coisas.
Não ia deixa-lo me desviar do foco de toda essa conversa desta vez.
— Estou falando sobre você não ter me contado que largou a faculdade no ultimo natal. Você tinha uma bolsa, Jesse. Sabe melhor do que ninguém o quanto foi difícil.
Silêncio. Agora ele parecia um tanto sério com aquela sua cara azeda.
— Ah, isso. — Jesse revirou os olhos visivelmente desconfortável. — Pensei que nós tínhamos um trato, eu não ia te incomodar com nada disso enquanto estivesse estudando. Lembra? Eu não te incomodei.
— Quando você pretendia me contar? — Soltei o ar devagar pelas narinas.
— Assim que voltasse.
— Estou aqui, Jesse, e eu estou te ouvindo.
Ele piscou pela milésima vez e sacudiu o rosto.
— Você quer mesmo falar sobre isso agora? — Ele se virou e caminhou em direção à janela, e eu não precisava ser nenhum gênio para entender que ele estava tentando fugir. É isso que ele sempre faz quando não está confortável com alguma coisa, ele vai embora.
Não estou muito certa se esse é o melhor jeito de resolver os nossos problemas. Eu nem sei se ele quer de fato resolver algum problema.
— Eu vou voltar amanhã para Darwin.
Ele se virou na minha direção e ergueu as sobrancelhas.
— Você não vai ficar?
— O semestre ainda não terminou, eu não posso largar as coisas dessa forma. Eu só vim trazer Ally de volta.
Ele revirou os olhos.
— Talvez esteja com saudade daquele seu novo amigo cheio da grana.
— Dan? Ele não é meu amigo. É só um imbecil que fica no meu pé. Por favor, pare de bancar o idiota ciumento, até parece que não me conhece bem. Sabe que eu prefiro resolver tudo com uma boa conversa.
— Não vou conversar com você enquanto estiver de cabeça cheia. Descanse, amanhã nós nos falamos. — Ele tentou escapar — Eu quero mesmo te contar tudo pelo que venho passando, eu só não sei se é o momento certo.
Jesse se sentou na beirada da janela já se preparando para descer.
— Você largou a universidade e montou uma banda? Acho que há coisas estranhas demais nessa descrição para que eu possa digerir e descansar em paz. Se não foi para me contar isso, por que me trouxe de volta?
Jesse respirou fundo, eu podia ver que estava irritado.
— Precisamos tirar Ross da cadeia. Nós temos um encontro com o empresário em Nevada amanhã à noite. Você sabe que a família de Ally é influente nesta droga de cidade, se tem alguém capaz de tirá-lo de lá em tempo recorde, essa pessoa é Ally. Eu só ia dizer a você quando tudo tivesse dado certo, mas você acabou tendo de vir junto e eu não me preparei para tudo isso.
Eu pisquei, incrédula.
— Então você só está fazendo isso porque precisa de Ross? — Eu balancei a cabeça indignada — Você não queria realmente dar droga alguma de apoio moral, você só buscou Ally para te ajudar a tirá-lo da cadeia, não estava nem mesmo muito interessado em me ver. Você é a porra de um imbecil, Blackburn.
Agora, eu estava realmente nervosa. Sempre soube que o sonho dele era cantar, e, por mim, tudo bem; sempre o apoiara com essa ideia de se tornar uma grande estrela, mesmo que, no fundo, achasse que fosse uma perda de tempo. Poderia tê-lo apoiado de verdade, mas era como se nem confiasse em mim. Agora, ele ultrapassara todos os limites.
Eu nem sei mais se o reconhecia.
— Você está falando como a minha mãe. Você não me dá ordens, Jeannie. — Ele diz soando como um adolescente. — Eu não vou ficar aqui escutando a droga de um sermão.
Jesse desceu primeiro as pernas pela janela e se equilibrou na grade, ainda segurando na beirada da janela do meu quarto.
— Então eu acho que a gente devia acabar tudo isso por aqui.
Silêncio colossal. Eu conseguia até ouvir os grilos lá de fora e alguém tossindo em algum lugar na vizinhança.
— Você está terminando comigo?
— Acho que ssim.
Senti meu coração apertar. Não, eu não estava pensando, volta aqui agora e venha me beijar, seu idiota. Me diz que está tudo bem e me conta tudo sobre você. No entanto, ele não fez isso. Ele não voltou. Ele nem tentou lutar por mim.
E eu só estava fazendo um drama.
Por um momento, tudo parecia meio estranho, ainda com aquela cara azeda. Continuei o encarando, me perguntando se ele ia realmente embora e levar isso a sério. Eu não havia falado literalmente a sério; pensei que ele fosse voltar e me encher a paciência como sempre faz, porque as coisas sempre terminam bem entre nós. Eu só estava ameaçando. Mas ele não entendeu o recado por trás das palavras. Leu tudo literalmente.
Droga, Jane.
— Tudo bem.
É tudo que ele disse antes de descer e ir embora pela rua vazia e escura. E eu deixei ele ir.
Deixei ele ir porque estava cansada, cansada demais de todas aquelas omissões.
O que eu acabei de fazer?
Acordei por volta das onze horas. Não sei como me permiti esse luxo, minha mãe concordou que eu merecia dormir, considerando que dirigi o dia inteiro ontem e estava verdadeiramente exausta. Pelo menos, foi isso que ela acreditou. Meu rosto estava inchado como um balão de festa. Acho que chorei até dormir, não tenho muita certeza, não sei exatamente que horas eram quando finalmente peguei no sono, mas o sol já começava a despontar no horizonte.Senti como se estivesse entrando de bolsos vazios em uma nova fase da vida. Agora era completamente diferente de se afastar por um tempo da pessoa que você gosta para focar na construção do futuro. Não era uma nova vida; era simplesmente a minha antiga mudando. Olha, Eddie, se isso ainda é um sinal, não estou gostando nada de como está soando para mim.No almoço, minha mãe preparou macarrão com queijo, e enquanto ajudava com os pratos, fiz o anúncio. Era isso. Eu ia voltar para Darwin. Havia terminado definitivamente com Jesse, e isso definitiva
Era incrível o empenho de Jesse em fazer qualquer outra coisa absurda só para que não tivéssemos uma conversa. Sério. Era irritante.Era mais irritante ainda pensar que eu estava a mercê dele.Então, ninguém sentiria minha falta, pois tecnicamente eu já havia retornado a Darwin e me despedido de todos. Ninguém presenciou quando Jesse entrou no carro e partiu comigo, tampouco notaram quando ele arremessou meu celular pela janela. Ninguém se importaria se eu não ligasse; afinal, não faço ideia de para onde Jesse está nos conduzindo, trajando aquele terno ridículo em um dia escaldante. Quero dizer, em um momento você pensa que conhece alguém, e no seguinte, essa pessoa te sequestra, levando para um possível covil secreto, onde retém garotas contra a sua vontade.Certo, essa última parte talvez fosse invenção minha. Mas tudo era possível, dado ao fato de que ele não tinha me dado nenhuma informação útil sobre o que pretendia fazer até aquele momento.— Isso é ridículo — eu disse pela milé
— Eu não acredito que você me trouxe a Las Vegas — Eu disse, cruzando os braços. — Eu quero voltar, agora!Carros buzinavam ao nosso redor, enquanto Jesse estacionava meu carro em frente a um hotel menor. Ele desceu sem dizer nada, as luzes do letreiro piscando no meu rosto, me deixando nauseada e tonta. De repente, Jesse abriu a porta e me puxou para fora pelo braço, de forma brusca.— Ei, amor, você é sempre tão gentil! — exclamei, irônica.Ele me lançou um olhar vazio e trancou o carro, escondendo a chave em algum lugar incomum em sua roupa. Não era no bolso, era literalmente dentro da roupa, em um lugar onde eu definitivamente não colocaria a mão em público.— Vem — ele disse, subindo as escadas. — Estou atrasado por sua culpa.Minha culpa? Ele que me arrastou à força para essa cidade, no MEU CARRO, para uma cidade no meio do deserto.— Você não vai deixar meu carro aqui, vai? — perguntei.— Vai ser só por um momento. Mexa-se e vamos logo — respondeu ele, com impaciência.Encarei
Sentada no meio-fio, abracei meus joelhos, me sentindo completamente perdida e desorientada.— O que nós vamos fazer agora? — minha voz soou fraca, quase um sussurro.Jesse, com uma expressão desesperada, andava de um lado para o outro na calçada, as mãos enterradas nos cabelos, como se estivesse à beira de um colapso.— Vamos ter que esperar até amanhã — disse ele, a voz embargada pela frustração.— Esperar não vai adiantar nada! Eu não tenho 400 dólares para pagar a multa, e, adivinha — gritei, a raiva transbordando nas palavras zangadas — Você jogou a merda do meu celular pela janela!Revistei meus bolsos freneticamente, encontrando apenas um papel de bala e uma nota de 20 dólares amassada. Tirei a nota, sacudindo-a na direção de Jesse, que tinha olhos cor de mel cheios de angústia.Ele revirou os bolsos e puxou a carteira.— Só tenho 50 dólares.— Isso não cobre nem uma noite num hotel. Estamos em apuros.A realidade da situação me atingiu como um soco no estômago. Jesse me arrast
Tudo bem. Talvez eu estivesse mesmo um pouco fora de mim. Na verdade, provavelmente gritei com Jesse por ter desperdiçado todo o nosso dinheiro, e também com os seguranças do cassino que, ironicamente, gritavam para que eu parasse de gritar. Os efeitos dos Dry Martinis que consumi não eram exatamente propícios para a lucidez, e eu sabia disso. E sim, talvez, em um momento de pura loucura, tenha apontado o dedo na cara do chefe de segurança. A última imagem que tenho do Cassino é a dura realidade do chão frio da calçada, sentindo minha dignidade tão destroçada quanto meu traseiro após sermos expulsos de forma humilhante. — Eu te disse que era uma péssima ideia! — resmunguei, sacudindo a poeira do meu short com um misto de raiva e frustração. — Mas claro, você tinha que ser tão teimoso. Jesse me ignorou completamente, continuando a caminhar pela calçada com passos firmes e apressados. — “Eu sei o que estou fazendo, Jane” — imitei sua voz com sarcasmo, balançando as mãos no ar. — E
Nossa fuga frenética nos levou por uma rua lateral, e viramos na primeira esquina. A dor lancinante em meus pés, ainda aprisionados nos saltos altos, era quase insuportável. Correr com aqueles sapatos era um desafio, especialmente sem o suporte adequado para o arco do pé.Finalmente, paramos em uma área mais isolada, longe das luzes cintilantes dos cassinos e boates. Ofegante, comecei a rir incontrolavelmente, uma risada espontânea e libertadora. Jesse, por outro lado, me observava com uma expressão carrancuda. Ele colocou seu paletó sobre meus ombros novamente, como se só então percebesse minha indumentária de stripper.— O que há de errado com você? — perguntou ele, limpando o suor da testa com o dorso da mão.Encostei-me na parede, vestindo o paletó azul de Jesse e abotoando-o. Vegas realmente era a cidade do pecado, e eu definitivamente não queria ser confundida com uma stripper novamente. A noite estava quente, e eu só conseguia pensar em um banho refrescante e numa cama para des
Parecia uma brincadeira de mau gosto. Eu estava lá, em uma situação quase inacreditável, e agora descobria que só havia um quarto disponível na Pousada da tia Mae - um quarto de funcionários, não menos. A explicação era um congresso de caminhoneiros que ocupava metade dos quartos do que carinhosamente chamavam de pensão. Tia Mae, que mais parecia ter idade para ser minha avó do que tia de alguém, circulava pelo local com sua pele curtida pelo tempo e um sorriso amarelado. A cada dois minutos, ela aparecia, inquirindo se Jesse precisava de algo, o que me deixava incrivelmente irritada.A única vantagem era que o jantar estava incluído no preço da estadia, que me custou apenas 70 dólares. Diante da nossa situação financeira, essa notícia era um alívio. Além disso, o aroma da comida, embora gorduroso e longe de ser saudável, era inegavelmente tentador. Eu estava ansiosa para saciar minha fome, apesar da atmosfera estranha e um tanto sufocante da pensão.Enquanto me sentava para jantar, n
A noite em Las Vegas tem sua própria magia, um espetáculo deslumbrante de luzes cintilantes que parecem dançar contra o pano de fundo do deserto escuro. A grandiosidade dos cassinos na Strip, com seus shows luminosos e arquitetura imponente, atraem os olhares de todos que passam. Por um instante, enquanto caminhava pelas calçadas movimentadas, eu me deixava hipnotizar pela beleza das fontes do Bellagio e pela imponente réplica da Torre Eiffel no Paris Las Vegas. Era fácil se perder nesse transe de luzes e esquecer do mundo ao redor.No entanto, a realidade logo se impunha, lembrando-me de que estávamos em uma situação desafiadora. A cidade brilhante e fervilhante à minha volta parecia um contraste cruel com nossa atual condição – sem um lugar para ficar, sob o calor abrasador de quarenta graus no meio da noite. Por um momento, me perguntei se aquilo era algum tipo de purgatório, uma seção do inferno feita para testar minha sanidade.Uma garota normal talvez estivesse aproveitando as f