Assim que Selyra desapareceu, tudo ao seu redor se desfez como névoa ao vento. O obelisco, as luzes, os vestígios de sua presença — tudo sumiu, como se jamais tivesse existido. Por um breve instante, pensei que pudesse ter sido apenas uma miragem. Mas o colar frio em minha mão dizia o contrário. — Esdras! — bradou Altair com urgência, já assumindo o comando da situação — Sim, senhor! — respondeu ele, de prontidão. — Você e Uric ficarão de guarda aqui. O restante do esquadrão, espalhem-se pela floresta. Fiquem atentos a qualquer sinal anômalo. Não é o nosso ambiente natural, então redobrem o cuidado — disse ele, a voz firme como aço. —Kaelara, você vem comigo. — Sim, senhor… — respondi, mesmo desejando permanecer. Algo dentro de mim queria continuar ali, tentar entender o que havia presenciado. Mas desobedecer meu pai não era uma opção. Erguemo-nos aos céus, cortando o vento com rapidez em direção à cidade. A Torre dos Magos logo surgiu no horizonte, imponente e antiga, com s
Heits, capital do poderoso reino de mesmo nome, erguia-se com imponência sobre sete colinas de pedra branca, como se os deuses a tivessem moldado com as próprias mãos. A cidade era um monumento à ordem, à tradição e à autoridade. Suas torres estreitas e altas rasgavam o céu como lanças de mármore, refletindo o brilho do sol nascente. As ruas, pavimentadas com paralelepípedos limpos e bem alinhados, conduziam a praças repletas de estátuas de antigos reis e heróis. Jardins suspensos adornavam os edifícios de pedra, criando um contraste harmonioso entre o vigor arquitetônico e a delicadeza das flores. No alto da colina central, como uma coroa, repousava o palácio real: um colosso de colunas brancas, cúpulas douradas e varandas abertas ao vento. Era ali que reinava Lucius Castas de Heits II — um homem de presença imponente, cabelos escuros levemente grisalhos nas têmporas, olhos como aço temperado e uma voz que comandava tanto respeito quanto temor. Conhecido por sua firmeza, lucidez e h
Drantis, a lendária cidade dos draconatos, ergue-se orgulhosa nas profundezas das Montanhas de Fulgor, um dos locais mais imponentes e misteriosos do continente. Durante séculos, essa cidade subterrânea foi um bastião de força, sabedoria e tradição. Com suas enormes paredes esculpidas diretamente nas rochas vulcânicas e suas estruturas grandiosas adornadas com metais raros e pedras preciosas, Drantis refletia a magnificência e o orgulho de seu povo, os draconatos. Suas escamas, de uma variedade de cores que iam do verde profundo ao dourado cintilante, faziam com que os próprios pilares e telhados da cidade parecessem vivos, vibrando com energia e força. Drantis, imersa nas profundezas da terra, nunca se preocupou com o mundo exterior. Sua sociedade, que sempre fora resiliente e forte, prosperava com a certeza de que seu domínio sobre as cavernas e montanhas era inabalável. O governante de Drantis, Fergus Melius Drentis, era um draconato respeitado não apenas por sua força física, mas
Melaria, a joia élfica do continente, não era apenas uma cidade — era um organismo vivo que pulsava em sincronia com a própria essência da floresta de Lóthien. Oculta sob as copas entrelaçadas de árvores milenares e guardada por uma névoa encantada que apenas os de coração puro conseguiam atravessar, Melaria florescia em uma simbiose perfeita entre natureza e magia. Seus caminhos serpenteavam entre raízes espiraladas e flores luminescentes, e as moradas élficas, construídas nas próprias árvores vivas, pareciam crescer junto com o povo que as habitava. As pontes suspensas, feitas de galhos flexíveis e enfeitiçados, conectavam os espaços da cidade com leveza e graciosidade, como se a própria floresta as houvesse moldado com intenção. Era uma cidade silenciosa, mas não vazia — o tipo de silêncio preenchido por música sutil do vento entre as folhas, pelo farfalhar das asas de fadas e pelos cantos dos druidas em harmonia com a terra. Os elfos de Melaria eram guardiões do equilíbrio natura
Acordou sobressaltada. O despertador piscava inutilmente no criado-mudo, mudo como sua própria voz, quando percebeu que já passava das oito. O coração acelerou como se fosse sair do peito, e o primeiro pensamento foi uma enxurrada de palavrões abafados. O tempo estava contra ela.Pulou da cama, vestiu a primeira roupa que encontrou no cabide — uma camisa amassada e uma saia que não combinava com nada — e desceu as escadas do prédio tropeçando nos próprios sapatos. O céu estava fechado, carregado de nuvens densas como chumbo. Nem teve tempo de pegar o guarda-chuva. Quando colocou os pés na calçada, a tempestade caiu com uma fúria quase pessoal.As gotas batiam no rosto como pequenos tapas. O ônibus atrasou, o trânsito estava um caos e, a cada minuto, seu estômago reclamava pela ausência de café da manhã. Chegou à empresa encharcada dos cabelos às meias, sentindo a roupa colada ao corpo, a maquiagem derretida e os olhares curiosos dos colegas de trabalho que disfarçavam mal os sorrisos
A escuridão foi se afastando aos poucos, dissolvendo-se em ondas suaves de calor e luz tênue. Marina sentiu-se flutuar num espaço sem forma, como se estivesse sendo embalada por braços invisíveis. Não havia dor. Nem memória. Apenas um estranho vazio sendo preenchido por sensações novas: o toque de algo macio, um som agudo como o assobio do vento… e depois, o som mais intenso que já ouvira: o próprio choro. Era o seu primeiro respiro. Era o início. O mundo explodiu ao seu redor em cores suaves e sons abafados. As pálpebras minúsculas se abriram com esforço, revelando olhos ainda úmidos, perdidos em um brilho difuso. Tudo parecia tremular, como se o mundo estivesse sendo visto através de uma fina camada d’água. A claridade machucava, mas logo se tornava familiar. Sentia o corpo pequeno, frágil e molhado, os pulmões lutando por ar, as mãos se movendo involuntariamente. Foi quando sentiu algo a envolvendo com firmeza, mas também com carinho. Um par de mãos fortes, porém delicadas, a
Três anos haviam se passado desde o dia em que abri os olhos neste novo mundo — um mundo de céu aberto, ventos cantantes e criaturas magníficas de asas resplandecentes. Já não era uma recém-nascida confusa envolta em mantos e cantos estranhos. Agora, com três anos, eu havia me adaptado à vida entre as harpias. Aprender a falar a língua delas foi um desafio no começo. Suas palavras tinham sons sibilantes, agudos e notas guturais que pareciam imitar o próprio vento. Mas, como tudo que uma criança determinada deseja entender, aos poucos, cada som se tornava familiar, cada sílaba era domada com o tempo e a repetição. Muitas noites, eu adormecia com a boca ensaiando palavras novas, e nas manhãs seguintes, corria para testá-las com minha mãe. O nome dela era Jenevive Norton. Só de ouvi-lo, meu peito se aquecia. Jenevive era tudo o que eu admirava: forte como as raízes que sustentavam as plataformas da nossa cidade, e doce como o néctar das flores que pendiam dos galhos mais altos. Ela me
A dualidade entre as minhas memórias humanas e esta nova existência como harpia é um sussurro constante, às vezes doce, outras vezes brutal. É uma batalha silenciosa travada em mim desde os primeiros suspiros da infância, quando eu deveria apenas descobrir o mundo com a inocência de quem nunca viu além do presente. Mas eu me lembrava. Não com clareza, mas com a profundidade do que é sentido no peito. Recordações surgiam como relâmpagos em dias calmos — uma risada ao longe, um cheiro que não existia naquele mundo, o nome de alguém que eu nunca conhecera aqui. Fragmentos de uma vida anterior, humana, complexa. Fragmentos de mim mesma. Essas memórias humanas, tão intrusas e familiares ao mesmo tempo, me acompanharam enquanto eu crescia entre penhascos e nuvens. Eram como sombras projetadas na parede do novo mundo ao meu redor: um toque de saudade quando tudo parecia novo demais. Eu me via dividida, como se metade da minha alma pertencesse ao céu e a outra metade ao chão de uma terra q