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2. Um novo mundo ao seu redor.

A escuridão foi se afastando aos poucos, dissolvendo-se em ondas suaves de calor e luz tênue. Marina sentiu-se flutuar num espaço sem forma, como se estivesse sendo embalada por braços invisíveis. Não havia dor. Nem memória. Apenas um estranho vazio sendo preenchido por sensações novas: o toque de algo macio, um som agudo como o assobio do vento… e depois, o som mais intenso que já ouvira: o próprio choro.

Era o seu primeiro respiro.

Era o início.

O mundo explodiu ao seu redor em cores suaves e sons abafados. As pálpebras minúsculas se abriram com esforço, revelando olhos ainda úmidos, perdidos em um brilho difuso. Tudo parecia tremular, como se o mundo estivesse sendo visto através de uma fina camada d’água. A claridade machucava, mas logo se tornava familiar. Sentia o corpo pequeno, frágil e molhado, os pulmões lutando por ar, as mãos se movendo involuntariamente.

Foi quando sentiu algo a envolvendo com firmeza, mas também com carinho.

Um par de mãos fortes, porém delicadas, a ergueu. Um rosto apareceu, borrado pela distância e pelo olhar ainda imaturo: era uma mulher, ou algo que lembrava uma mulher, com cabelos dourados que pareciam refletir a própria luz ao redor. Sua pele era bronzeada e seus olhos, penetrantes, como os de uma ave de rapina. Atrás dela, algo se mexia — algo que se estendia em grandes arcos para os lados.

Asas.

Ela tinha asas.

Marina ainda não sabia dar nome àquilo. Mas as asas eram parte de sua primeira imagem do mundo. E elas pareciam belas.

— Ela está bem — murmurou a mulher, com a voz baixa, quase reverente. — Uma garotinha forte…

Outra figura se aproximou. Os olhos verdes dessa segunda mulher brilharam quando viu Marina. Ela esticou uma mão, tocando suavemente o rostinho enrugado da recém-nascida, que ainda chorava, embora mais fraco agora.

— Parabéns, pequena — sussurrou com um sorriso largo. — Você chegou…

A terceira figura era masculina, e sua presença parecia sólida, protetora. Ele tinha cabelos negros e pele dourada, e suas asas eram negras como uma noite sem luar. Estava em silêncio, apenas observando com os braços cruzados, mas seus olhos transmitiam paz. Era como se dissesse, sem palavras: “você está segura agora”.

Marina não compreendia o que se passava. As palavras, o som, o ambiente — tudo era novo, estranho. Mas seu instinto — essa centelha primordial que nascia com ela — sentia segurança ali. O calor dos braços que a seguravam. O pano morno e perfumado que agora a envolvia. O som ritmado do coração da mulher contra seu pequeno corpo.

— Ela vai ter o que merece — disse a primeira mulher. — Liberdade. Céu. O mundo que nenhum de nós teve ao nascer.

A mulher de olhos verdes assentiu.

— Já podemos levá-la. O ninho está pronto. Hoje é um dia abençoado.

Elas começaram a andar, e Marina foi embalada com suavidade. A luz ao redor era quente, como o entardecer tocando folhas secas. A construção em que estavam parecia feita de pedras claras, raízes e galhos entrelaçados. Havia odores que lembravam flores e terra úmida. O som do vento zunia lá fora, mas ali dentro tudo era calmo, quase sagrado.

Assim que saíram da câmara, Marina viu — ou sentiu — mais daquelas criaturas aladas. Harpias.

Mas ela ainda não sabia que esse era o nome. Para ela, tudo ainda era forma e luz. Asas que se abriam majestosamente, penas em tons de cobre, bronze, marfim. Mulheres com feições afiadas e belos olhos selvagens. Alguns homens. Crianças que passavam voando por janelas largas, rindo e brincando com penas coloridas.

Marina sentia o mundo em movimento ao redor, um mundo que não conhecia concreto, poluição ou prédios. Era um vilarejo aéreo, suspenso entre penhascos altíssimos, onde os ventos sopravam com liberdade e tudo era conectado por plataformas de madeira viva e redes entrelaçadas.

Chegaram até um espaço amplo, onde havia um grande ninho feito de folhas secas e penas. A mulher de cabelos dourados se ajoelhou com cuidado, deitou Marina ali e a cobriu com um tecido tão leve quanto o vento.

A pequena sentiu o contato do ninho abaixo de si. Era quente, confortável. Seu choro cessou por completo.

As três figuras permaneceram ali por um tempo. O homem, agora ajoelhado à frente do ninho, disse com voz profunda:

— O nome dela será Kaelara. Aquela que renasce do silêncio.

A mulher de olhos verdes sorriu.

— Ela vai voar mais alto do que todas nós.

A mulher dourada inclinou-se e sussurrou perto do rosto da bebê:

— Descanse agora, pequena Kaelara. Quando abrir os olhos de novo, o céu será seu.

Asas cobriram o ninho com delicadeza, como uma cúpula protetora. Marina, agora Kaelara, sentiu o sono chegar. Era um sono novo, sem memórias. Mas lá no fundo, numa camada quase imperceptível da alma, havia uma lembrança… tênue, frágil… de uma mulher caminhando na chuva… de uma xícara de café esquecida na mesa… de uma voz furiosa por trás de uma porta de escritório.

Mas aquilo não importava mais.

Kaelara adormeceu no calor do ninho, embalada pela canção baixa que a mulher dourada murmurava. Um canto antigo, da linhagem das harpias, destinado apenas aos que renascem.

E lá fora, o vento anunciava: uma nova vida começava.

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