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3. Três anos depois.

Três anos haviam se passado desde o dia em que abri os olhos neste novo mundo — um mundo de céu aberto, ventos cantantes e criaturas magníficas de asas resplandecentes. Já não era uma recém-nascida confusa envolta em mantos e cantos estranhos. Agora, com três anos, eu havia me adaptado à vida entre as harpias.

Aprender a falar a língua delas foi um desafio no começo. Suas palavras tinham sons sibilantes, agudos e notas guturais que pareciam imitar o próprio vento. Mas, como tudo que uma criança determinada deseja entender, aos poucos, cada som se tornava familiar, cada sílaba era domada com o tempo e a repetição. Muitas noites, eu adormecia com a boca ensaiando palavras novas, e nas manhãs seguintes, corria para testá-las com minha mãe.

O nome dela era Jenevive Norton. Só de ouvi-lo, meu peito se aquecia.

Jenevive era tudo o que eu admirava: forte como as raízes que sustentavam as plataformas da nossa cidade, e doce como o néctar das flores que pendiam dos galhos mais altos. Ela me levava com ela por toda parte — nas manhãs frescas, nas tardes quentes, e até nas noites em que o céu estrelado parecia respirar com mais calma. Eu a seguia como um pequeno filhote ainda aprendendo a voar. E sempre que ela abria suas asas douradas e me pegava nos braços para sobrevoarmos os campos e penhascos, meu coração se enchia de um sentimento que eu ainda não sabia nomear. Talvez fosse amor. Talvez fosse a lembrança instintiva de um lar mais antigo do que qualquer memória minha.

Jenevive era uma curandeira. Não uma curandeira comum, mas uma daquelas que tocava com as mãos e transformava. Que sussurrava palavras arcanas e acalmava febres, que conhecia as ervas certas para cada dor e ainda sabia exatamente quando o que o paciente precisava era apenas um silêncio acolhedor. Via nela algo de sagrado, algo que tornava cada passo que dava mais leve, como se a própria terra a quisesse bem.

Em uma tarde de vento suave, depois de ajudarmos um menino harpia que havia quebrado a asa tentando voar antes do tempo, me sentei ao lado dela sobre uma das torres da cidade, nossos pés balançando no ar. As nuvens passavam devagar ao redor, como se não tivessem pressa alguma.

— Mãe, como você sabe sempre o que fazer? — perguntei, minha voz ainda infantil, mas carregada de curiosidade genuína.

Ela não respondeu de imediato. Olhou para o horizonte, onde o céu e a montanha se encontravam, e só depois voltou os olhos para mim, com aquele sorriso que era ao mesmo tempo resposta e afeto.

— A compaixão é nosso maior guia — disse com calma. — Quando ajudamos os outros, aprendemos sobre nós mesmos. O que é essencial é ouvir, tanto o que é dito quanto o que não é dito. Cada ferido tem uma história… uma necessidade além da dor visível.

Essas palavras ficaram comigo.

Toda vez que ela tocava uma asa ferida ou murmurava feitiços de cura, eu prestava atenção. Não apenas nos gestos, mas na presença. Havia algo mágico na forma como Jenevive estava inteira ali, como se cada ser fosse único e sagrado.

As harpias eram um povo fascinante. Somos harpias — ela dizia com orgulho. E com o tempo, essa palavra começou a significar mais do que uma identidade. Era um legado.

Jenevive lia muito. Em nossas noites mais tranquilas, sentávamos juntas no ninho dela, entre mantas e pergaminhos, e ela me contava sobre as grandes guerras que quase extinguiram nosso povo. Histórias de traições, de pactos partidos, de um tempo em que as harpias foram caçadas e difamadas por causa de sua beleza e força.

— Irmãos lutaram contra irmãos — ela sussurrava certa vez, com tristeza nos olhos. — E muitos dos nossos se perderam, não apenas fisicamente, mas espiritualmente. Esqueceram quem eram.

Mas havia também relatos de coragem. De harpias que se recusaram a se curvar. De mulheres que sobrevoaram os exércitos humanos para salvar crianças aladas. De curandeiras como ela, que curaram soldados de ambos os lados para lembrar o mundo do valor da vida.

Foi após essas guerras que construímos nossa cidade: Altheya, a fortaleza suspensa. Erguida sobre uma montanha inóspita, envolta por ventos e relâmpagos que só as harpias sabiam domar. Era um lugar mágico — não só pelas defesas encantadas ou pelas torres que se estendiam até o céu, mas porque ali, pela primeira vez em séculos, estávamos livres para sermos quem éramos.

Viver em Altheya era como viver entre os deuses. As casas eram suspensas em plataformas, conectadas por pontes de corda viva e cipós encantados. As crianças aprendiam a voar antes de caminhar direito. As festas celebravam os solstícios, as luas, os ventos mais fortes. A música era feita com tambores que imitavam o som das asas batendo, e as danças… ah, as danças! Até hoje me lembro de assistir as harpias girando em pleno voo, deixando penas coloridas caírem como neve mágica.

Mas havia também silêncio. Tradição. Respeito. As harpias mantinham a distância das outras raças. Era uma escolha. Um pacto coletivo. O mundo lá fora já nos machucara demais.

Ainda assim, eu me perguntava, em noites mais introspectivas, de onde eu realmente viera. Não conseguia lembrar do antes. Apenas fragmentos. Um cheiro estranho de fumaça. Um som metálico. Um aperto no peito.

Mas quando Jenevive me chamava para dormir, com sua voz baixa e seu cheiro de lavanda e folhas secas, esses pensamentos se dissipavam. Eu era Kaelara agora. Filha das alturas. Filha dela.

E esse novo mundo, com todas as suas dores, também me deu um lar.

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