Capítulo 4

ISABELLA

Cada centímetro do meu corpo doía. Mesmo exausta não consegui dormir direito, os calos no meu pé não pararam de doer e agora estão em carne viva.

Ao menos o dinheiro que recebi pelo trabalho vai dar para conseguir comprar comida e guardar um pouco.

Olho para a cama de Tomas que dorme um sono pesado. Ainda são sete da manhã, e não tenho força alguma para me levantar da cama.

Pego meu celular e tento ligar para o meu pai, mas vai direto para a caixa postal.

— Onde você se meteu papai?

Mesmo sem força, me obrigo a levantar. Preciso comprar ovos, pão e leite, pois não tem nada para o café da manhã.

Lavo o rosto, escovo os dentes e passo antisséptico nos calos. Procuro por um curativo, mas não encontro nenhum.

A cada passo que dou sinto vontade chorar.

Visto um conjunto de moletom surrado, pego minha bolsa, e tento andar o mais rápido que posso para sair e voltar antes que Tomas acorde.

Assim que passo pela porta e atravesso o jardim tenho uma infeliz surpresa. Ben escorando na sua viatura, que dá um sorriso de orelha a orelha ao me ver.

Ai meu Deus agora não!

Ele vem sorrindo ao meu encontro.

— Bom dia Bella! — E se eu correr e bater com a porta na cara dele?

— Bom dia Benjamin! — cruzo os braços

— Benjamin? Você nunca me chama assim —

— É o seu nome horas — dou um sorriso amarelo.

— Sobre aquele dia... — seu rosto fica vermelho.

Respiro fundo.

— É eu estava falando sério, eu gosto de você — seu tom de voz e calmo e aveludado.

Era para Eden que ele tinha que estar dizendo algo assim, pois ela sim saberia correspondê-lo.

— Ben, a gente pode esquecer esse assunto. Você é como um irmão para mim! — afirmo.

Ele passa a mãos pelos cabelos deixando os desalinhados.

— Eu posso cuidar de você. Dos seus irmãos — diz em tom de súplica.

— Eu não preciso que cuide de mim, e muito menos dos meus irmãos. Eu sei me cuidar sozinha Ben — a irritação na minha voz é nítida.

Eu não preciso que ele cuide de mim. Sei me virar desde que minha mãe partiu.

— Bella, nós podemos ser felizes juntos — tenta segurar minha mão mas o impeço dando um passo para trás.

— Não Ben, nós somos amigos. Nada além disso. Pare de insistir, você é um cara legal, merece alguém que goste de você — ele abaixa a cabeça visivelmente decepcionado.

Eu também estou decepcionada, não esperava que ele pudesse gostar de mim desse jeito.

— Por que é tão difícil gostar de mim Bella? — pergunta

— Mas eu gosto de você, mas não dá maneira que você gostaria — digo com pesar.

— A gente podia tentar — insiste.

Nem se ele fosse o último homem da face da terra. E não, não estou falando da boca para fora. Um Eden é apaixonada por ele, dois eu não consigo ver ele de outra forma, eu jamais me envolveria com alguém que não sinto nada além de amor fraterno e quatro Tomas não gosta dele.

Sim, meu irmão nunca gostou do Ben, e olha que ele já tentou de todas as maneiras agradá-lo

— Não Ben, eu não sinto nada por você, não te vejo da maneira que você gostaria — suspiro — Talvez seja melhor a gente se afastar.

Difícil já que somos vizinhos.

— NÃO! — grita, dou um pulinho assustada — Quer dizer, não precisamos nos afastar. Eu não vou mais tocar nesse assunto — força um sorriso.

— Devia olhar ao redor, tem garotas muito mais interessantes que eu por ai — não iria falar sobre Eden mas não custava nada dar um toque né.

— Vou manter viva a esperança de conquistar seu coração — dá uma piscadinha.

— Eu tenho que ir, preciso comprar algumas coisas — falo passando por ele.

Melhor eu continuar fugindo dele, corro menos risco de ter passar por essas situações embaraçosas mais uma vez.

— Você que uma carona? Eu levo você!

— Com o carro da polícia? — rio, apontando para a viatura — Acho que não.

Ele não responde.

— A gente fala depois — faço um tchauzinho e mesmo com muita dor nos pés, ando o mais rápido que posso.

— Eu ainda tenho esperança! — ele grita.

Bufo, e jogo caminhando. A cada passo que dou sinto vontade de gritar de dor, e para completar o meu estômago começou a roncar. Pelo menos a loja de conveniência é perto.

Às vezes eu só queria que as coisas fossem um pouquinho mais fáceis e eu tivesse a vida um pouquinho mais normal.

Já não bastava o que tinha acontecido ontem?

Não contei para Silvie e Eden o que presenciei, conhecendo elas isso seria motivo de piada para o resto da minha existência miserável.

Minha mente insiste em trazer de volta aqueles olhos sombrios, me fazendo sentir calafrios.

***

Volto do mercado e não vejo a viatura de Ben, quase comemoro fazendo uma dancinha feliz. Consegui comprar o que precisava.

Iria preparar o café, colocar curativos nos calos e tentar desenhar um pouco.

Ao me aproximar da porta ouço alguns barulhos e me apresso em abrir, já esperando por um Tomas chateado por não me encontrar ao acordar. Mas dou de cara com meu pai.

Ele me olha assustado, a sala está uma bagunça, parecendo que um furacão passou por ela.

Os cabelos desalinhados, a roupa suja e o cheiro horrível, deixa evidente que meu pai tinha perdido o emprego. E agora estava procurando dinheiro para continuar bebendo ou jogando.

Um nó gigante se forma em minha garganta.

— Papai! Onde esteve? O que é tudo isso? — coloco os sacos com as compras no chão.

— Eu fiz uma loucura filha, uma loucura. Mas eu vou consertar — tom de voz desesperado.

Ele tira mais uma gaveta do aparador velho e começa revira-la. Sua respiração está ofegante e o seu rosto não tem cor alguma.

— Papai! — tento me aproximar, mas ele se afasta.

— Eu só preciso de dinheiro para apostar, eu vou recuperar tudo. Eu vou recuperar tudo.

Sinto a mãozinha de Tomas se agarrar a minha. Olho para ele e meu coração fica em pedaços, seus olhinhos estão assustados e ele agarra o dinossauro de pelúcia com força.

— Papai me diga o que está acontecendo por favor!

— O que é todo esse barulho? — Emilie diz quase gritando.

Mas sua expressão de raiva muda para assustada ao ver o estado do nosso pai.

— Querido porque você não mostra o quebra cabeça novo para Emilie?

Ele não responde.

Olho para Emilie em um pedido de socorro.

— Vem comigo pirralho. Deixo você ver desenho meu celular — puxa Tomas que não resiste.

Espero eles saírem, e tento me aproximar do meu pai. O cheiro da bebida faz meu estômago embrulhar.

Seguro os seus ombros, fazendo o parar e me encarar.

— Eu fiz uma loucura filha. Ele vai me matar! — a sua voz é embargada e seus olhinhos se enchem de lágrimas.

— Do que está falando papai?

Um estouro faz eu dar um salto, e sinto que meu coração vai sair pela boca. Olho em direção a porta, a vejo destruída no chão, no mesmo instante em que três homens passam por ela.

E sinto meu sangue gelar quando reconhece um deles. Eu reconheceria aqueles olhos assustadores em qualquer lugar do mundo.

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