Eu estava com a atenção presa em meio aos livros que me acompanhavam em meu quarto, quando ouvi algumas batidas na porta.
Em seguida ela foi aberta, revelando Doralice, minha irmã caçula.
Ela era apenas dois anos mais nova do que eu e era como a princesa da casa. Todas as regalias iam para ela. Alguns acreditavam ser porque ela era a mais nova, mas na verdade, ela era tratada de tal forma por favoritismo mesmo.
Minha madrasta conseguia fazer a cabeça do meu pai e com isso, Dora sempre vinha em primeiro lugar.
Ela entrou pelo quarto, exibindo seu sorriso falsamente doce e então, se sentou ao lado da minha simples cama, fazendo menção de tocar meus cabelos.
— Bom dia Dulce, papai e mamãe estão te chamando na sala! - Disse ela, sorrindo e então, se retirando em seguida.
Me levantei e caminhei para fora do quarto, vendo os dois mais velhos conversando animadamente com uma senhora bem-vestida e dona de um olhar firme.
—Bom dia! - Os cumprimentei, vendo um olhar espantado da mulher, sobre mim.
Ela esticou a mão, fazendo menção de me tocar, sendo impedida pelo homem que a acompanhava. Aquilo me deixou muito confusa, mas então, meu pai se manifestou me explicando tudo.
— Dulce, conheça a senhora Farrell. Ela é dona de um famoso grupo que dirige...
— Eu sei quem ela é! - Falei o interrompendo e me curvando brevemente para aquela senhora.
— Prazer em conhecê-la, senhora Farrell!
— Querida, ela veio nos oferecer uma boa proposta! - Disse Carmen, entrando na minha frente e me puxando para o canto, para cochichar. — Ajude-nos só mais dessa vez!
Quando ela disse aquilo entre dentes e em um tom baixo, a olhei confusa, voltando o olhar aos demais na sala.
E então, Carmen continuou.
— Seu pai gastou novamente todas as economias em casa de jogos da cidade, perdendo tudo o que tínhamos. Essa generosa mulher, veio oferecer um bom valor para que uma garota pura e reservada cuide de sua neta e também doe seu precioso sangue para seu filho que está morto em uma cama. - Cochichou Carmen, me fazendo sentir pena.
— Morto? Mas ele... - Fui interrompida.
— Sabe que Dora é muito fraquinha para tais serviços com crianças. E também, não é você que tem aquele sangue dourado? Hum? - Perguntou ela, me deixando em choque.
— Mãe, isso era um assunto particular! - Falei tendo um riso como resposta.
— Como posso deixar particular se seu sangue vale tanto para nós? Quero dizer, Dulce, pense no seu pai e na sua pobre irmã e vá com eles. Ou será que prefere ver sua família na sarjeta?
— Não é isso, Carmen. Eu tenho uma vida, um relacionamento e um trabalho. Não posso simplesmente largar tudo e partir! - Falei, sendo interrompida.
— Pode sim! Ainda mais, quando tem muito dinheiro envolvido! - Disse ela, em um tom mais firme. —Dulce, só dessa vez, nos ajude a sair desse buraco. A casa de Xincheng já não nos cabe mais. Vá e garanta um bom futuro para sua irmã! - Continuou Carmen, segurando meu braço e me levando de volta.
— Estamos conversadas e Dulce aceitou tranquilamente. Levem-na e faça bom uso de seus trabalhos árduos!
— Pai! - Chamei o encarando, vendo-o apertar os olhos e confirmar.
O homem que acompanhava a fina senhora, deu um passo a frente e abriu a pasta, tirando alguns papeis de dentro.
— Sendo assim, vamos aos documentos! - Disse ele, olhando para Carmen, que logo sorriu animada e tomou a caneta das mãos dele.
—Claro, com toda certeza! - Disse ela, assinando e entregando os mesmos papéis para o meu pai.
— Papai! - Chamei mais uma vez o vendo sorrir.
— É temporário minha princesa, apenas nos ajude, só mais uma vez! - Disse ele, mostrando o dedo indicador, como se implorasse por aquilo.
Respirei fundo e assinei os papéis, tendo uma mala jogada aos meus pés instantes depois.
— Aqui está, tudo o que consegui juntar seu do nosso quarto! - Disse Dora, me deixando confusa. Nós não tínhamos o mesmo quarto e nem as mesmas coisas, como ela ousava mentir?
Olhei bem no fundo dos olhos dela, mostrando tamanha decepção que eu sentia, por praticamente estar sendo escorraçada da minha própria casa.
A casa que era da minha mãe e que ela cuidava com tanto zelo.
— Senhorita, nos acompanhe! - Disse o homem, deixando que a senhora fosse na frente e então, segurei a mão do meu pai, suplicando por uma última vez.
— Papai, por favor, me tire de lá logo. Avise a Marcus que eu voltarei.
— Marcus? - perguntou Dora, me mostrando uma aliança em seu dedo esquerdo. — Ele soube que você estava prestes a se casar com outro homem e então, pediu que eu te entregasse isso! - Disse Dora, me dando a aliança.
— Me casar com outro homem? Do que está falando? - Perguntei confusa, encarando os seguranças na porta, que me aguardavam para os acompanhar.
— Papai, o que Dora está falando? Eu não quero me casar com outro homem, eu amo Marcus! - Gritei o segurando, mas instantes depois, os homens vieram até mim e me levaram com eles.
Fui arrastada para fora de casa, vendo um sorriso satisfeito nos lábios de Dora e Carmen. Eu não entendia o porquê do meu pai as permitir que agissem de tal forma.
— Por favor, não me levem! - Pedi com a voz fraca, olhando para a imagem da minha família se afastando através da janela do carro.
E então, a voz daquela senhora finalmente saiu, em um tom calmo e amansador.
— Senhorita Collins, não precisa fazer alarde. Veja apenas como um bom emprego remunerado. Você doa seu sangue e se responsabiliza pelo cuidado com a criança, enquanto a sua conta bancária cresce. - Disse ela, se virando para me olhar. — Em um ano estará de volta!
— Um ano? E o que preciso fazer é só cuidar de uma menina e doar meu sangue? - Perguntei a vendo respirar fundo.
— Você não é uma ótima e qualificada professora? Ensinará a criança tudo o que precisa e doará seu sangue para o senhor Farrell, carregando o título de esposa dele, mas ninguém pode saber.
Por isso, não poderá sair de lá, se não conosco! - Disse ela, me causando medo.
— Por que eu? - Perguntei a vendo me olhar com os olhos tristes.
— Eu não posso revelar. Na hora certa saberá! E não se preocupe, nesse tempo que estiver sobre os cuidados do grupo Farrell, não lhe faltará nada! - Disse ela, voltando a se virar para frente, me tratando como se eu não existisse.
Respirei fundo e limpei minhas lágrimas, enquanto encarava as árvores da estrada, passando rapidamente como se voassem.
— Será só um ano. - Falei em forma de resmungo, tentando me convencer de que logo tudo ficaria bem.