Haviam se passado duas semanas.
A minha rotina foi a mesma em todos esses dias. Eu acordava Clarice, a guiava para se lavar, penteava o cabelo dela fazendo algo novo para ela sorrir e a levava para tomar café.
Como haviam dito, ela tinha cozinheiros que preparavam as alimentações dela cuidadosamente.
Depois de comer, ela escovava os dentes e ia tocar piano. No momento de descanso, brincávamos juntas no parquinho e depois, começavam a aulas simples para a idade dela.
Confesso que, àquela rotina não era tão cansativa, mas hoje a pequena se recusou a sair da cama. Então, decidi fazer algo diferente.
Desci para pegar o café da manhã e levei até a cama, vendo-a sorrir ao ver seu lanche formar uma carinha alegre.
— Dulce, que boneca fofa! - Disse ela, pegando o pequeno biscoito que formava os olhos, o levando a boca. — HAM!
— Socorro, senhorita olhos redondinhos está me devorando! - Falei, fazendo uma voz engraçada e então coloquei a bandeja do lado e comecei a fazer cócegas nela.
Clarice sorria de forma animada, que até chegou a sair lágrimas pelos seus olhos.
—Não devolvo, não devolvo! - Disse ela, em meio a gargalhadas.
Eu então, parei de brincar e a ajudei a se sentar.
— Volte a comer, mocinha. Ou seremos severamente castigadas. - Falei a vendo balançar a cabeça em concordância e então, ela voltou a tomar seu café, porém, comendo devagar.
— Dulce, por que as pessoas morrem e viram estrelinhas ao invés anjinhos? - Perguntou ela, me fazendo perceber o motivo de sua tristeza.
— Quem disse isso? Você não sabia? Elas são anjos durante o dia e estrelas durante a noite. Porque assim, ficamos as olhando e dormimos felizes.
— Sério? - Perguntou ela, me exibindo um sorriso.
— Sim! É muito sério isso! - Respondi, tocando os cabelinhos dela, que ainda mantinham o penteado do dia anterior.
— A senhorita já perdeu alguém? - Perguntou ela, me fazendo calar. Eu não sabia se podia compartilhar algo e tive medo de que isso a afetasse.
Olhei para ela e sorri, pegando a bandeja já vazia e ajudando a se levantar.
— Vamos mudar de assunto? Precisamos mesmo nadar hoje?
— Sim! - Disse ela, levantando os braços animadamente. — Eu vou te mostrar a nova boia de cisne que meu pai me deu!
— Sem boias de Cisne, mocinha! Dias de lazer apenas aos finais de semana, lembra? - Perguntei a vendo formar um bico nos lábios e então, balançar a cabeça concordando.
Ela me estendeu a mão e então, fomos juntas para a cozinha, mas de repente, Clarice correu em direção ao enorme corredor, mantendo-se lá por um tempo.
Eu já havia organizado as coisas dela e deixado a toalha separada, quando me sentei para a esperar, notando Samantha se aproximar.
— Senhorita Collins, bom dia! - Disse ela, vindo até mim com uma enorme caixa na mão. Te trouxe isso!
— O que, para mim? - Perguntei curiosa, a vendo dar um riso.
— Mais tarde terá uma festa onde Clarice foi convidada para estar. Esse é o traje que deverá usar para a acompanhar no evento. As quinze horas o motorista virá as buscar. Onde está a pequena?
Apontei para o corredor, vendo-a abrir um largo sorriso, indo até lá. E ao abrir a porta, foi impossível não ouvir a voz animada da senhorita Wu.
— Oi meu amor!
Quando vi Clarice sair em instantes, percebi que aquela animação não foi intencionalmente direcionada a Clarice. Aquilo me fez estranhar a situação, mas não me importei.
Fomos até a piscina e entramos juntas, onde observei Clarice dentro da água. Ela estava melhor batendo as mãos, mas ainda precisava ser corrigidos alguns pontos.
Brincamos ao finalizar o tempo e então, entramos para que ela se lavasse.
Depois do almoço, fomos fazer a visita atendendo ao convite. Clarice deu uma enorme boneca para a criança e começou a brincar de correr com algumas.
Eu estava a acompanhando, mas ao me distrair por um segundo para pegar um copo de água para ela, ouvi os choros manhosos da garotinha, vendo-a ao chão.
— Clar...- Chamei, me apressando para ir até ela, a pegando no colo.
Ela me abraçou e começou a chorar por causa de um ralado, que nem tinha muito tamanho, mas que eu sabia que deveria dar mais atenção, por se tratar de uma criança intocável.
Abri minha bolsa e tirei um lenço, limpando os olhos dela e depois, bati seu lindo vestido, para o limpar.
Quando cheguei com o lenço em suas mãos, ouvi alguns sussurros acompanhados de olhares sobre mim.
"Tá vendo? se tivesse uma mãe, teria se comportado como uma menina"!
Aquilo deixou Clarice ainda mais chateada.
Quando vi de onde vieram os cochichos, coloquei Clarice em pé e a escondi atrás de mim.
— O que disse? Como pode dizer tal coisa, só porque uma criança está agindo de acordo com sua idade? - Perguntei a enfrentando.
— Como ousa me responder de tal forma, garota? Sou mais velha do que você! - Disse a mulher, se gabando por nada.
— Senhora, não a faltei com respeito e o fato de ser mais velha, deveria lhe dar mais sabedoria para falar com uma criança. E quer saber? Minha filha não precisa de seus julgamentos! - Falei me abaixando até ela e limpando a mãozinha dela. — Vamos amor?
— Hm! - Respondeu ela, balançando a cabeça.
A peguei no colo e passei entre aquelas mulheres que nos deram espaço como se fôssemos alguém repugnante, mas ao chegar na porta, senti meu corpo gelar ao ver a imagem autoritária de Kevin me olhando.
— Papai! - Gritou Clarice, abrindo os braços. Eu a desci do meu colo, vendo-a correr até ele e ser segurada com carinho.
Foi a primeira vez que vi aquele homem agir feito humano, desde que cheguei na mansão.
Ele não me olhou, apenas deu de costas, seguindo com a pequena até o carro.
Fui atrás deles e ao vê-los entrar, fiquei parada em frente as escadas da entrada, aguardando que ele saísse para chamar o motorista, mas em seguida, as mulheres vieram até a porta e começaram a me provocar.
— Olhe só para ela! Fala com autoridade, mas nem mesmo o senhor Farrell suporta sua arrogância. - Disse a mesma mulher de antes, fazendo com que as outras rissem.
Abaixei minha cabeça, me sentindo completamente envergonhada. Elas estavam certas.
Nem mesmo aquele poderoso homem me tolerava e olha que, eu nunca o fiz nada! - Pensei.
E então, uma voz grave soou na minha frente, me fazendo estremecer.
— Você não vai entrar? - Perguntou Kevin, abrindo a porta para mim.
Eu o olhei espantada e então, ele sorriu.
— Querida, não me faça ir até ai e te pegar no colo na frente delas. Ou prefere? - Continuou ele, me fazendo abrir os olhos mais que o normal.
E antes que ele continuasse com aquela conversa fingida, me apressei para sentar ao lado de Clarice, vendo ele fechar a porta e balançar a cabeça uma vez apenas para as cumprimentar.
Pude ver que a cara delas eram de espanto. Eu não as julgaria, a final, aquela cena era rara e ao mesmo tempo, causava medo.
Ele entrou dentro do carro e fechou a porta, me olhando algumas vezes pelo retrovisor.
Comecei a brincar com a pequena, fazendo com que ela se esquecesse dos ralados e então, ela acabou adormecendo no meu colo pelo cansaço.
Eu comecei afanar os fios escuros dos lisos cabelos dela e então, resolvi quebrar o gelo que cobria aquele veículo.
— Senhor Farrell, me desculpa! Isso não vai mais se repetir.
— Eu espero. Mais um descuido com a minha filha, eu mesmo me certificarei de que nunca mais trabalhe na sua vida! - Disse ele, me encarando com frieza.
— Sim senhor! - Respondi baixo, olhando-a com carinho e então, Clarice se ajeitou em meu colo e resmungou algo.
— Mamãe!