Capítulo 0003

Os olhos do homem vieram sobre mim, como o escuro da noite. Senti meu corpo estremecer pela forma intimidadora que ele me encarava e então, dei um passo para trás, notando já estar encostada no balcão da ilha.

— Eu...eu... - Tentei falar, mas a voz não saiu.

— Quem te deu autorização para estar aqui? - Perguntou ele, mostrando-se furioso.

Eu não sabia o que dizer e naquele instante, parecia que minha voz havia sumido de mim.

O homem se aproximou e segurou meu braço com força, me encarando como se eu fosse o pior de seus inimigos.

— Qual é o seu problema, você não fala? - Perguntou ele, me puxando. — Saia da minha casa, agora!

— Mas... para onde vou a essas horas? - Perguntei, sendo arrastada para fora.

— Esse não é um problema meu. Nunca mais pise aqui! - Disse ele, me jogando porta a fora.

Fiquei com tanto medo, que dei alguns passos para trás, perdendo todo o meu equilíbrio e caindo dentro de uma enorme piscina.

Eu sabia nadar, mas naquela hora, não quis. Então, comecei a sentir meu corpo afundar, vendo o reflexo do homem se aproximar, abaixando-se para me olhar.

De repente, ouvi vozes distorcidas, falando com ele.

— Perdeu a cabeça, Kevin? - Perguntou Grahan pulando na água em seguida para me ajudar.

Senti meu corpo ser puxado e então, as vozes estavam mais nítidas.

— Ei, Dulce! Acorde! - Disse ele, tocando meus lábios com os dele, colocando ar para que eu voltasse a respirar. — Acorde!

— Quem é essa mulher e porque a trouxeram sem minha permissão? - Perguntou Kevin, me causando medo.

— Essa é Dulce Collins, a nova cuidadora da sua filha. Ela foi contratada para a ensinar e também a curar da anemia. Será que pode ser mais maleável?

— Como ousa falar assim comigo, Grahan! - Perguntou ele com frieza e então, senti meu corpo ser solto no chão, ouvindo a voz grave de Grahan o enfrentando.

— Falo como tio da Clarice e como seu cunhado! Essa é só uma garota da montanha que vai resolver metade dos nossos problemas, será que pode ao menos dar uma chance à ela?

— Não quero! Mande-a embora ainda essa noite. Se eu acordar e vê-la aqui, sou eu quem irei a expulsar junto com você. - Disse ele, arrastando os pés para longe.

— Você está bem? - Perguntou ele com a voz baixa, descobrindo o meu disfarce. — Se sabe nadar, por que não tentou?

— E correr o risco de ser afogada pra valer? Não, obrigada! - Falei o ouvindo sorrir e então, abri meus olhos, soltando algumas tosses em seguida.

Cof Cof!

— Acho melhor você entrar e tomar um banho quente. Ou acabará pegando um resfriado e passando para Clarice! - Disse ele, me ajudando a levantar.

— Obrigada! - Falei, me virando para entrar na casa, mas logo me assustei com o reflexo de Kevin me encarando com os olhos escurecidos pelo vidro da porta.

Naquele momento, juntei o nome a pessoa, tampando a minha boca para esconder o meu espanto.

Aquele não era a pessoa que diziam ter se tornado um vegetal?

Senti Grahan se aproximar e então, ele tocou a minha cintura me fazendo desviar de ir de encontro a Kevin.

— Vem, eu levo você e não se preocupe, ele não fará nada!

— Isso não foi confortante! - Respondi em um tom baixo o ouvindo rir.

Entramos na casa pela porta dos fundos e assim que chegamos na cozinha, me lembrei do copo quebrado.

— Espere só um instante! - Pedi, me abaixando para recolher os cacos e então, ouvimos uma alta gritaria vinda da sala.

— Casado? Então agiu pelas minhas costas e me casou com uma mulher que nunca vi na minha vida? - Perguntou ele, completamente irritado.

— Sim, Kevin. Os acionistas não têm mais confiança em um "solteirão" cobiçado. Nos dias de hoje, casamento é sinônimo de sucesso, se esqueceu?

— Eu não me importo! Jamais vou aceitar isso! - Disse Kevin, nos fazendo ouvir um barulho de copo se quebrando.

Corremos até lá com medo de que ele tivesse agido por fúria contra a própria mãe, mas ela estava bem.

Respirei aliviada, tendo os olhos dele sobre mim, instantes depois.

— Vá para casa. Você não tem mais nada a fazer aqui! - Disse ele, sendo interrompido pela mãe, que pareceu ser mais autoritária.

— Você não manda aqui, Kevin! - Disse ela, o encarando com frieza. — Ou aceita esse casamento e a deixe cuidar de Clarice ou eu acabo com esse grupo e você perderá tudo. O que acha?

— Acho que não pode me ameaçar com uma coisa boba, senhora Farrell! - Respondeu ele, com rispidez.

— Ah, eu posso! - Disse a mais velha, indo até a mesa, trazendo algumas folhas para o exibir. — Quando você se isolou do mundo e começou a agir feito um vegetal apodrecido, foi eu quem cuidei de tudo, pedindo aos acionistas que te dessem um voto de confiança. Isso me tornou a sua fiadora!

— E o que vai fazer com isso? - Perguntou ele, dando um riso irônico.

— Vendo todas as suas ações para os concorrentes se não me obedecer! - Disse ela, me encarando com superioridade. — Então, senhora Farrell, você não vai a lugar algum sem que eu ordene.

Quando ouvi aquilo, congelei. Desde quando aquele era meu nome?

Passei alguns instantes em transe, até que recebi uma cutucada no braço.

— Responda-a para o seu bem! - Disse Grahan, com um tom baixo e então, pisquei algumas vezes, voltando a mim.

— S-Sim, senhora! - Naquele momento, a mais velha saiu da sala e seguiu por um longo corredor cheios de portas, onde julguei ser uma área mais privada, já que não me foi apresentada.

Eu a acompanhei com os olhos e nem percebi que Kevin Farrell estava bem na minha frente me encarando.

— M-Me desculpa! - Falei, dando passagem, imaginando que ele fosse para a cozinha, mas me enganei.

Ele deu um sorriso maquiavélico e manteve o olhar sombrio sobre mim.

— Não pense que terá dias fáceis aqui! Mantenha-se longe, enquanto carregar o meu nome. Será minha esposa apenas nos seus sonhos! - Disse ele, se movendo para as escadas, subindo os degraus em seguida.

Levei a mão no peito, ignorando completamente a presença de Graham ao meu lado.

— Minha nossa! - Falei, respirando fundo e então, o homem falou, me assustando.

— Ele nem sempre foi assim! Estamos confiando no seu trabalho para mudar isso! - Disse ele, me causando espanto.

— O quê?

Ele então, arqueou uma sobrancelha e sorriu fraco.

— Isso mesmo que ouviu! Esperamos que se empenhe e mude isso. Você tem um ano e estamos todos contando com você! - Disse ele, se afastando.

— Por que eu? - Perguntei em um resmungo baixo, indo vagarosamente pelas escadas. Evitei fazer o menor barulho possível para não incomodar aquele homem, que parecia me odiar, sem eu nem ter feito nada.

Assim que entrei no quarto e fechei a porta, vi um reflexo pela fresta do chão. Fui até lá me escorar na parede, ouvindo alguém respirar furioso e de repente, ouvi duas portas anteriores se fechar.

O que será que Kevin queria?
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