Maeve
O silêncio no carro era pesado enquanto Ricardo dirigia em direção à casa de sua mãe. Mesmo depois do acidente, ele insistiu que a viagem continuasse, e, por mais que eu quisesse protestar, sabia que ele estava certo. Não podíamos perder tempo, e a promessa de que estaríamos de volta para o aniversário da minha avó ainda ressoava na minha cabeça. Meu pé doía, mesmo imobilizado, e o desconforto da viagem apenas me lembrava do caos em que minha vida havia se tornado. Olhei de soslaio para Ricardo. Ele parecia tranquilo, focado na estrada, mas o silêncio entre nós era quase ensurdecedor. Algo estava diferente nele desde a visita ao hospital, como se o gesto da surpresa com minha avó tivesse quebrado uma barreira. — Você está quieta — ele disse, sem tirar os olhos da estrada. — Só estou pensando — respondi, suspirando em seguida. — Em tudo que está acontecendo. Minha avó, esse acordo... Ele assentiu lentamente, sem desviar o olhar. — Eu sei que não é fácil, Maeve. Mas você tomou a decisão certa. E, além disso, já fizemos o mais difícil: convencer sua avó de que tudo está bem. Eu sabia que ele tinha razão, mas ainda sentia um desconforto dentro de mim. Como se algo estivesse fora de lugar. Ricardo, sempre tão seguro e confiante, agora parecia mais presente, quase atencioso. — Sei que fizemos o mais difícil, mas... ainda me sinto perdida — admiti, mexendo na bandagem do meu pé, tentando afastar a dor física e emocional. — Talvez isso mude quando chegarmos à casa da minha mãe — ele sorriu de lado, um sorriso que eu ainda não tinha visto antes. — Quem sabe esse acordo seja mais interessante do que você imagina. Olhei para ele, tentando entender o que ele queria dizer. Antes que eu pudesse responder, Ricardo parou o carro na entrada de um restaurante de beira de estrada. — Vamos parar um pouco. Eu prometi que você estaria de volta a tempo do aniversário da sua avó, mas não quero te forçar a passar horas sem descansar. Ele saiu do carro rapidamente e, antes que eu pudesse argumentar, estava abrindo a porta para me ajudar. Aquilo era uma surpresa. Ricardo Kurtz, o homem arrogante e sempre distante, estava me ajudando a sair do carro como se fosse um cavalheiro. Quando me pegou pela cintura para evitar que eu colocasse peso no pé, senti um arrepio percorrer meu corpo. — Eu consigo andar — murmurei, mais para mim mesma do que para ele. — Não seja teimosa. — Ele sorriu, e havia algo em seus olhos que me desarmou. — Só quero garantir que você não se machuque mais. Caminhamos até o restaurante, e ele escolheu uma mesa mais afastada. O ambiente era simples, mas confortável. Eu estava surpresa pela mudança repentina de comportamento de Ricardo. — Isso é estranho — comentei, enquanto ele puxava a cadeira para mim. — O quê? — Ele perguntou, com um sorriso travesso no rosto. — Você, sendo gentil. Normalmente, você só faz o necessário para conseguir o que quer. Ele riu baixo, sentando-se à minha frente. — Não é tão difícil ser gentil, Maeve. Talvez você não tenha me conhecido tão bem quanto pensa. Ricardo Enquanto nos sentávamos, eu não conseguia tirar os olhos dela. Mesmo com o pé machucado, Maeve tinha uma força interna que me intrigava. Claro, esse acordo era conveniente para ambos, mas havia algo mais nela que me fazia querer estar perto, entender seus pensamentos. Ela parecia desconfiada de mim, o que não era uma surpresa, mas isso só tornava as coisas mais interessantes. — Então, o que você quer de verdade, Ricardo? — ela perguntou, olhando diretamente para mim, sem rodeios. Gosto dessa atitude, pensei. Ela não mede palavras. — Eu já te disse, quero que você finja ser minha noiva — respondi com um sorriso, mas logo me aproximei um pouco mais, apoiando os cotovelos na mesa. — Mas acho que, no fundo, estou começando a achar que quero mais do que isso. Maeve arqueou uma sobrancelha, claramente surpresa. — Mais? Como assim? — Ela estava desconfiada, como se estivesse esperando que eu estivesse brincando com ela. Eu podia ver que minha resposta a deixava nervosa, e isso me dava uma certa satisfação. — Não se preocupe, Maeve. Não estou falando de um compromisso de verdade... ainda. — Eu ri, e ela revirou os olhos. — Mas, admito, você me intriga. E essa situação está me fazendo pensar que talvez fingir não seja tão ruim assim. — Isso é um jogo para você, não é? — ela perguntou, cruzando os braços e me encarando. Eu sabia que ela estava tentando manter o controle, mas algo em sua postura revelava uma vulnerabilidade que eu nunca tinha visto antes. — Talvez. — Eu me aproximei um pouco mais, minhas palavras saindo de forma propositalmente lenta. — Ou talvez eu esteja apenas curioso para ver até onde podemos ir com isso. Ela ficou em silêncio por um momento, mordendo o lábio, como se estivesse ponderando o que eu havia dito. Eu sabia que estava a pressionando, mas esse era o meu estilo. E, além disso, algo nela me fazia querer provocá-la. — Eu não sou um brinquedo, Ricardo. — Ela disse, com firmeza, mas havia algo mais em sua voz. Um certo desafio. — Eu sei disso. E talvez seja isso que me atraia. — Me inclinei ainda mais sobre a mesa, minha voz baixa. — Você não é como as outras, Maeve. E eu gosto disso. Ela piscou, claramente surpresa com minhas palavras, mas antes que pudesse responder, a garçonete chegou com nossos pedidos. O momento se quebrou, mas a tensão entre nós permaneceu. Durante o resto da refeição, as conversas foram mais leves, mas eu continuei a provocá-la, jogando charme aqui e ali, observando suas reações. Sabia que estava deixando-a desconfortável, mas também via que ela começava a ceder. Maeve era forte, mas também estava vulnerável, e isso me atraía de uma forma que eu não esperava. --- De volta ao carro, a tensão entre nós ainda pairava no ar. Maeve estava silenciosa, mas eu sabia que ela estava processando tudo o que havíamos discutido. Chegamos à casa da minha mãe um pouco depois do anoitecer, e enquanto eu a ajudava a sair do carro, senti sua hesitação. — Lembra do que eu disse — murmurei, segurando sua cintura para ajudá-la a caminhar. — Estamos nisso juntos. E eu prometi que estaria do seu lado, não foi? Ela assentiu, mas eu podia ver o nervosismo em seus olhos. E, pela primeira vez, algo dentro de mim quis protegê-la, de uma forma que ia além do nosso acordo. Quando entramos, minha mãe estava nos esperando na porta, com um sorriso largo no rosto. — Ah, finalmente! — Ela exclamou, caminhando em nossa direção. — Ricardo, por que não me disse que Maeve tinha se machucado? — Eu avisei, mãe — respondi, mantendo a calma. — Mas está tudo bem agora. Já estamos cuidando dela. Minha mãe olhou para Maeve com um olhar de compaixão e, antes que pudesse continuar, Gustavo ligou. Atendi rapidamente, e logo ele estava em uma chamada de vídeo, mostrando a comemoração simples que havia feito com a avó de Maeve. — Feliz aniversário, vovó! — Maeve disse, com lágrimas nos olhos. Ela parecia tão aliviada e comovida, que meu peito se apertou. Quando a chamada terminou, minha mãe sorriu e olhou para nós dois. — Eu adorei conhecer sua avó, Maeve. Que mulher doce. Ela ficou tão feliz com a surpresa. Maeve sorriu timidamente, ainda emocionada. Eu, por outro lado, fiquei impressionado com o quanto aquele momento havia me tocado também. Ver Maeve tão conectada à avó me fez perceber que, de alguma forma, eu estava me envolvendo mais do que planejava. Ao final da noite, com minha mãe já começando a fazer as perguntas que temíamos, eu apenas sorri e olhei para Maeve. — Vamos lidar com isso juntos — murmurei, mais para mim do que para ela. Mas sabia que, de alguma forma, isso estava se tornando mais do que um simples acordo.MaeveQuando entrei na sala, me senti imediatamente fora de lugar. O ambiente era imaculado, o luxo transbordava de cada canto: desde os móveis finos até os quadros pendurados nas paredes. E então, havia eu, com meu vestido simples, nada de grife, nada que chamasse a atenção. Meu pé imobilizado apenas tornava tudo ainda mais constrangedor. Eu podia sentir os olhos da mãe de Ricardo me analisando de cima a baixo, cada detalhe das minhas roupas.Ela sorriu, mas havia algo em seu olhar.— Então, Maeve... — sua voz era doce, mas carregada de curiosidade, como se estivesse esperando uma explicação para o que via. — Ricardo me contou sobre o acidente. Uma pena. Mas... devo dizer que estou surpresa. Não esperava que minha futura nora fosse... tão simples.Ricardo, ao meu lado, percebeu o tom imediatamente. Ele olhou para mim de soslaio, sem saber como eu reagiria.— Ah, eu... — comecei, sentindo o calor subir ao meu rosto. — Eu realmente não tive muito tempo para me arrumar adequadamente dep
MaeveEu não conseguia dormir. As palavras da mãe de Ricardo ecoavam na minha mente como um disco quebrado, repetindo sem parar. "Surpresa... refinada... sofisticada." Elas me rasgavam por dentro, expondo todas as inseguranças que eu já sabia que tinha. Talvez ela tivesse razão. Talvez eu realmente não pertencesse àquele mundo.Sentada na beira da cama, olhei para o meu pé enfaixado. O curativo agora parecia mais uma metáfora para minha vida. Eu estava remendada, tentando seguir em frente, mas me sentia prestes a desmoronar a qualquer momento. As lembranças da minha avó no hospital também não ajudavam.O silêncio no quarto era sufocante, e eu sabia que, a qualquer momento, as lágrimas viriam. Minha avó, aquela que sempre esteve ao meu lado, agora estava em uma cama de hospital, frágil e doente. E eu? Estava aqui, fingindo ser algo que não era para garantir que ela pudesse ter pelo menos um pouco mais de tempo.Antes que pudesse me afundar ainda mais nos meus pensamentos, ouvi uma leve
MaeveA manhã seguinte chegou como um peso inevitável. As palavras de Ricardo, sua sinceridade incomum na noite anterior, deixaram uma marca em mim. Eu ainda não sabia o que pensar, mas sabia que havia algo se movendo sob a superfície dessa farsa. E eu não sabia se queria ou podia lidar com isso.Ricardo havia saído cedo para lidar com algum assunto de trabalho, e eu fiquei no quarto, pensando no jantar que a mãe dele mencionara na ligação. Seria um evento grande, algo que eu nunca havia experimentado. Um baile de máscaras em uma mansão. Pelo que ouvi, as expectativas estavam nas alturas, e eu teria que cumprir meu papel impecavelmente.Enquanto estava perdida em pensamentos, alguém bateu na porta. Uma das empregadas entrou, carregando uma caixa grande e preta, com um laço dourado no topo.— Isso chegou para a senhorita Maeve — ela disse com um sorriso discreto antes de deixar a caixa ao lado da cama.Fiquei olhando para a caixa por alguns segundos, hesitante. Sabia que era algo de Ri
MaeveA tensão no quarto era palpável. Depois das palavras de Ricardo, algo mudou entre nós, uma linha invisível que separava o profissional do pessoal. Eu não sabia o que era, mas podia sentir o peso disso no ar.Eu observava enquanto ele se afastava para atender o telefonema da mãe. Ele parecia sempre tão seguro de si, tão impenetrável. Mas agora, havia algo diferente em seus olhos. Uma vulnerabilidade que ele não mostrava a ninguém. Pelo menos, não a mim.Quando ele desligou o telefone e voltou seu olhar para mim, senti meu coração acelerar. Era como se o Ricardo que eu conhecia estivesse se desfazendo diante de mim, revelando um homem que eu mal começava a entender.— Então, o que fazemos agora? — perguntei, tentando manter minha voz estável, mas falhando miseravelmente.Ele respirou fundo, caminhando até mim com passos lentos. Parecia que cada movimento seu carregava uma intenção que eu não conseguia decifrar. Ele se aproximou, parando a poucos centímetros de mim. O calor que ema
RicardoEu nunca fui o tipo de homem que se deixa levar por impulsos. Sempre fui calculista, controlado. Mas, ao sair daquele quarto, depois daquele beijo, me senti despedaçado. Maeve havia conseguido, de alguma forma, fazer com que eu perdesse o controle. E eu odiava isso tanto quanto desejava mais.Fechei a porta atrás de mim e me encostei na parede do corredor, tentando regular minha respiração. O gosto dela ainda estava nos meus lábios, e a sensação de sua pele macia ainda queimava em minhas mãos. Mas eu sabia que aquilo não era apenas sobre desejo. Havia algo mais profundo ali, algo que eu não queria admitir. Não ainda.Peguei meu celular e disquei o número de Gustavo. Precisava de uma distração, alguém com quem pudesse conversar e tentar colocar a cabeça no lugar. O telefone chamou uma vez antes de ele atender.— Ricardo, e aí? Como estão as coisas com a sua "noiva"? — O tom zombeteiro de Gustavo não ajudava.— Não tenho tempo para piadas agora, Gustavo — rosnei, passando a mão
MaeveA manhã seguinte veio como um soco. Quando abri os olhos, a luz suave do sol já filtrava pelas cortinas. A sensação do beijo de Ricardo ainda pairava no ar, como uma névoa que não conseguia dissipar. A cama ao meu lado estava vazia, e uma parte de mim sentiu um vazio maior do que eu gostaria de admitir.Sentei-me lentamente, tentando organizar meus pensamentos. O que aquilo significava? O beijo, as palavras não ditas, a tensão que parecia engolir tudo ao nosso redor? Eu não sabia como lidar com os sentimentos confusos que borbulhavam dentro de mim.— Bom dia. — A voz de Ricardo me tirou de meus pensamentos.Ele estava parado à porta, com uma bandeja de café da manhã nas mãos, parecendo surpreendentemente relaxado. Ele me olhou com aquele sorriso meio de lado, o tipo de sorriso que sempre me desarmava.— Café? — Ele colocou a bandeja na pequena mesa ao lado da cama e me olhou intensamente.A tensão ainda estava lá, latente no fundo, mas diferente do que eu esperava. Ricardo parec
MaeveEu estava diante do espelho, tentando encontrar alguma confiança no reflexo que me encarava. Era a segunda vez que eu veria a mãe de Ricardo, e, da última vez, eu tinha sido pega de surpresa. Agora, eu estava pronta para o julgamento inevitável.Mas pronta mesmo?— Maeve, você está bem? — Ricardo entrou no quarto, ajeitando a gravata, e me olhou de cima a baixo, com uma mistura de admiração e preocupação.— Eu estou... — murmurei, enquanto terminava de ajeitar o vestido. — Pelo menos, espero estar.Ricardo deu um passo à frente, seus olhos escaneando cada detalhe do meu visual. Seus dedos deslizaram pelo meu braço, causando um arrepio.— Você está linda — ele disse suavemente. — Minha mãe vai adorar.Revirei os olhos.— Ah, claro. Ela vai adorar julgar meu cabelo e dizer que o corte não combina com a "noiva de um Kurtz". — Tentei sorrir, mas sabia que aquilo estava me corroendo por dentro. Eu sabia que seria uma noite difícil, e ter que encarar a mãe de Ricardo de novo... bom, i
RicardoEu assisti Maeve correr para fora da joalheria, o vestido elegante balançando atrás dela, mas sua pressa não era por causa da festa. Era pela avó, e pela verdade que eu escondi. O gosto amargo do arrependimento subiu à minha garganta. Isabella ainda estava ao meu lado, falando sobre algo, mas já não importava.— Ricardo, o que está acontecendo? — ela perguntou, sua voz confusa, mas cheia de curiosidade.— Nada que você precise se preocupar — respondi secamente, sem paciência para discutir.Eu me afastei, passando a mão pelos cabelos, tentando descobrir uma maneira de consertar o desastre que eu havia causado. Ela já estava longe, e eu sabia que havia perdido a confiança de Maeve. A cada segundo que eu hesitava, ficava mais difícil recuperar o que estava desmoronando entre nós.Peguei meu celular e vi a mensagem de Gustavo. A piora da Sra. Emerson era drástica. Não havia mais tempo.MaeveCorri para o hospital como se minha vida dependesse disso. O que, de certa forma, dependia