Maeve
A manhã seguinte chegou como um peso inevitável. As palavras de Ricardo, sua sinceridade incomum na noite anterior, deixaram uma marca em mim. Eu ainda não sabia o que pensar, mas sabia que havia algo se movendo sob a superfície dessa farsa. E eu não sabia se queria ou podia lidar com isso. Ricardo havia saído cedo para lidar com algum assunto de trabalho, e eu fiquei no quarto, pensando no jantar que a mãe dele mencionara na ligação. Seria um evento grande, algo que eu nunca havia experimentado. Um baile de máscaras em uma mansão. Pelo que ouvi, as expectativas estavam nas alturas, e eu teria que cumprir meu papel impecavelmente. Enquanto estava perdida em pensamentos, alguém bateu na porta. Uma das empregadas entrou, carregando uma caixa grande e preta, com um laço dourado no topo. — Isso chegou para a senhorita Maeve — ela disse com um sorriso discreto antes de deixar a caixa ao lado da cama. Fiquei olhando para a caixa por alguns segundos, hesitante. Sabia que era algo de Ricardo. Abri o laço devagar, revelando um vestido longo e de seda azul, com detalhes em prata. Era deslumbrante, sofisticado e… assustador. A ideia de me misturar com aquele tipo de gente, escondendo minhas inseguranças atrás de um vestido caro e uma máscara, me fazia sentir uma impostora. Eu estava prestes a fechar a caixa quando uma mensagem de Ricardo chegou ao meu celular: “Nos vemos no jantar. Não se atrase.” Ele sabia ser direto e breve, mas, dessa vez, havia uma pitada de algo a mais. Talvez estivesse tentando garantir que eu realmente fosse. Suspirei e, relutante, comecei a me preparar para o evento. Ricardo O baile de máscaras seria mais do que apenas uma noite social. Seria o palco onde as aparências prevaleceriam. Minha mãe estava empolgada para apresentar Maeve, a "noiva perfeita" que ela tanto sonhava. Eu, por outro lado, estava preocupado com os riscos que essa mentira estava gerando. Quanto mais o tempo passava, mais eu me via envolvido nisso de uma forma que nunca imaginei. Cheguei ao salão antes de Maeve. A sala estava iluminada por candelabros enormes e decorada com cortinas de veludo vermelho. As máscaras douradas brilhavam sobre as faces dos convidados. Era uma celebração do poder, do status. Tudo que minha família representava. Vi minha mãe do outro lado do salão, sorrindo e cumprimentando os convidados como a matriarca que sempre fora. Para ela, esse evento era crucial. E, como sempre, ela queria tudo perfeito. Eu sabia que Maeve estaria nervosa. Mas ela era forte. Eu sabia que ela conseguiria se segurar até o final da noite. De repente, o salão silenciou. Todos os olhares se voltaram para a entrada, e lá estava ela. Maeve. Ela estava magnífica no vestido azul que escolhi. Sua máscara prateada apenas ressaltava seus olhos profundos e a maneira como ela andava com confiança, mesmo que eu soubesse que por dentro, ela estava em pedaços. Eu me aproximei devagar, sem tirar os olhos dela. — Você está... incrível — murmurei, parando à sua frente. — Obrigada — ela respondeu, a voz baixa, mas firme. — Mas não vou mentir. Estou nervosa. Sorri, estendendo o braço para ela. — Você vai se sair bem. É só uma noite. Finja que somos perfeitos... pelo menos até o baile acabar. Ela soltou um suspiro, aceitando o braço que ofereci. — Isso é o que fazemos de melhor, não é? Fingir. Conduzi Maeve pelo salão, apresentando-a a alguns dos convidados mais importantes. Cada palavra, cada gesto, cada olhar, fazia parte do teatro que havíamos criado. E quanto mais a noite avançava, mais eu sentia que algo estava mudando entre nós. Maeve O salão estava lotado, e a música suave preenchia o ambiente, misturando-se com as risadas e conversas abafadas dos convidados. Eu me sentia como uma peça de um quebra-cabeça que não se encaixava. Mas, ao mesmo tempo, havia algo libertador em estar atrás de uma máscara. Era como se, por algumas horas, eu pudesse ser alguém diferente. Alguém confiante. Alguém que não se importava com as expectativas dos outros. A mão de Ricardo permaneceu firme sobre a minha, como se estivesse me lembrando que estávamos nisso juntos. Era reconfortante, mesmo que fosse uma farsa. — Quem diria que você sabia dançar tão bem? — ele sussurrou enquanto me girava pela pista de dança. — Eu tenho meus segredos — respondi, tentando parecer descontraída. Os olhos dele brilharam por trás da máscara dourada, e por um breve momento, esqueci de todo o caos ao nosso redor. Mas a realidade logo nos alcançou. Enquanto Ricardo e eu girávamos pela pista de dança, senti um par de olhos me observando. Olhei ao redor e, do outro lado da sala, vi a mãe dele. Seu olhar era afiado, quase como se estivesse analisando cada detalhe, esperando por um deslize. — Sua mãe está nos observando — sussurrei, tentando esconder o desconforto. Ricardo apenas sorriu, como se aquilo não o incomodasse. — Deixe ela observar. Estamos fazendo exatamente o que ela espera. Finjamos que estamos perdidamente apaixonados. Aquelas palavras, ditas de forma tão casual, causaram um arrepio em mim. Eu sabia que ele estava certo. Mas a linha entre o real e o fingimento estava ficando cada vez mais difícil de distinguir. Antes que eu pudesse responder, uma figura se aproximou de nós. Um homem alto, de terno preto, com uma máscara prateada. — Posso roubar a dama para uma dança? — ele perguntou a Ricardo, a voz cheia de charme. Ricardo olhou para mim, e por um momento, vi algo estranho em seus olhos. Hesitação? Ciúmes? — Claro — ele respondeu, soltando minha mão com relutância. O homem me guiou para longe de Ricardo, e enquanto dançávamos, senti que havia algo de familiar nele. Seus movimentos, sua postura. E então, como um choque, percebi quem ele era. Gustavo. Meu coração disparou. O melhor amigo de Ricardo. O médico que cuidava da minha avó.MaeveA tensão no quarto era palpável. Depois das palavras de Ricardo, algo mudou entre nós, uma linha invisível que separava o profissional do pessoal. Eu não sabia o que era, mas podia sentir o peso disso no ar.Eu observava enquanto ele se afastava para atender o telefonema da mãe. Ele parecia sempre tão seguro de si, tão impenetrável. Mas agora, havia algo diferente em seus olhos. Uma vulnerabilidade que ele não mostrava a ninguém. Pelo menos, não a mim.Quando ele desligou o telefone e voltou seu olhar para mim, senti meu coração acelerar. Era como se o Ricardo que eu conhecia estivesse se desfazendo diante de mim, revelando um homem que eu mal começava a entender.— Então, o que fazemos agora? — perguntei, tentando manter minha voz estável, mas falhando miseravelmente.Ele respirou fundo, caminhando até mim com passos lentos. Parecia que cada movimento seu carregava uma intenção que eu não conseguia decifrar. Ele se aproximou, parando a poucos centímetros de mim. O calor que ema
RicardoEu nunca fui o tipo de homem que se deixa levar por impulsos. Sempre fui calculista, controlado. Mas, ao sair daquele quarto, depois daquele beijo, me senti despedaçado. Maeve havia conseguido, de alguma forma, fazer com que eu perdesse o controle. E eu odiava isso tanto quanto desejava mais.Fechei a porta atrás de mim e me encostei na parede do corredor, tentando regular minha respiração. O gosto dela ainda estava nos meus lábios, e a sensação de sua pele macia ainda queimava em minhas mãos. Mas eu sabia que aquilo não era apenas sobre desejo. Havia algo mais profundo ali, algo que eu não queria admitir. Não ainda.Peguei meu celular e disquei o número de Gustavo. Precisava de uma distração, alguém com quem pudesse conversar e tentar colocar a cabeça no lugar. O telefone chamou uma vez antes de ele atender.— Ricardo, e aí? Como estão as coisas com a sua "noiva"? — O tom zombeteiro de Gustavo não ajudava.— Não tenho tempo para piadas agora, Gustavo — rosnei, passando a mão
MaeveA manhã seguinte veio como um soco. Quando abri os olhos, a luz suave do sol já filtrava pelas cortinas. A sensação do beijo de Ricardo ainda pairava no ar, como uma névoa que não conseguia dissipar. A cama ao meu lado estava vazia, e uma parte de mim sentiu um vazio maior do que eu gostaria de admitir.Sentei-me lentamente, tentando organizar meus pensamentos. O que aquilo significava? O beijo, as palavras não ditas, a tensão que parecia engolir tudo ao nosso redor? Eu não sabia como lidar com os sentimentos confusos que borbulhavam dentro de mim.— Bom dia. — A voz de Ricardo me tirou de meus pensamentos.Ele estava parado à porta, com uma bandeja de café da manhã nas mãos, parecendo surpreendentemente relaxado. Ele me olhou com aquele sorriso meio de lado, o tipo de sorriso que sempre me desarmava.— Café? — Ele colocou a bandeja na pequena mesa ao lado da cama e me olhou intensamente.A tensão ainda estava lá, latente no fundo, mas diferente do que eu esperava. Ricardo parec
MaeveEu estava diante do espelho, tentando encontrar alguma confiança no reflexo que me encarava. Era a segunda vez que eu veria a mãe de Ricardo, e, da última vez, eu tinha sido pega de surpresa. Agora, eu estava pronta para o julgamento inevitável.Mas pronta mesmo?— Maeve, você está bem? — Ricardo entrou no quarto, ajeitando a gravata, e me olhou de cima a baixo, com uma mistura de admiração e preocupação.— Eu estou... — murmurei, enquanto terminava de ajeitar o vestido. — Pelo menos, espero estar.Ricardo deu um passo à frente, seus olhos escaneando cada detalhe do meu visual. Seus dedos deslizaram pelo meu braço, causando um arrepio.— Você está linda — ele disse suavemente. — Minha mãe vai adorar.Revirei os olhos.— Ah, claro. Ela vai adorar julgar meu cabelo e dizer que o corte não combina com a "noiva de um Kurtz". — Tentei sorrir, mas sabia que aquilo estava me corroendo por dentro. Eu sabia que seria uma noite difícil, e ter que encarar a mãe de Ricardo de novo... bom, i
RicardoEu assisti Maeve correr para fora da joalheria, o vestido elegante balançando atrás dela, mas sua pressa não era por causa da festa. Era pela avó, e pela verdade que eu escondi. O gosto amargo do arrependimento subiu à minha garganta. Isabella ainda estava ao meu lado, falando sobre algo, mas já não importava.— Ricardo, o que está acontecendo? — ela perguntou, sua voz confusa, mas cheia de curiosidade.— Nada que você precise se preocupar — respondi secamente, sem paciência para discutir.Eu me afastei, passando a mão pelos cabelos, tentando descobrir uma maneira de consertar o desastre que eu havia causado. Ela já estava longe, e eu sabia que havia perdido a confiança de Maeve. A cada segundo que eu hesitava, ficava mais difícil recuperar o que estava desmoronando entre nós.Peguei meu celular e vi a mensagem de Gustavo. A piora da Sra. Emerson era drástica. Não havia mais tempo.MaeveCorri para o hospital como se minha vida dependesse disso. O que, de certa forma, dependia
MaeveAs palavras ainda ecoavam na minha cabeça: "Eu vou continuar fingindo até sua mãe ir embora." Nunca pensei que chegaria a esse ponto, de ter que me segurar para manter uma mentira de pé. Mas, no momento em que Ricardo abriu a boca para se desculpar, não pude evitar sentir uma onda de amargura tomar conta de mim.Ele estava ali, de pé, como se tivesse o direito de tentar me consolar. Como se eu não tivesse acabado de perder a pessoa mais importante da minha vida. Como se ele não tivesse quebrado minha confiança.— Maeve... — Ricardo começou novamente, com a voz baixa, como se estivesse tentando me alcançar.Eu levantei a mão, cortando-o no meio da frase.— Não. Não quero ouvir mais desculpas suas — minha voz saiu mais afiada do que eu esperava, mas eu não podia me controlar. — Eu disse que ia continuar com o acordo até sua mãe ir embora, e vou fazer isso. Mas entre nós... acabou.O silêncio que se seguiu foi quase sufocante. Eu podia sentir a tensão no ar, o peso de tudo o que nã
MaeveDepois que a Sra. Kurtz nos deixou sozinhos, o peso da última conversa com Ricardo ainda pendia no ar, sufocante. Eu estava cansada de mentiras, de esconder a verdade, de fingir que estava tudo bem quando meu coração estava em pedaços.Mas, ao mesmo tempo, havia algo em Ricardo... algo que eu não conseguia ignorar, por mais que tentasse. Cada vez que ele me olhava com aqueles olhos cheios de arrependimento, parte de mim queria ceder. Queria acreditar que ele realmente se importava, mesmo que tudo tivesse começado de forma tão calculada.Ele deu um passo hesitante na minha direção, seus olhos fixos nos meus, como se tentasse ler meus pensamentos.— Maeve... — ele começou, com a voz rouca, como se estivesse lutando para encontrar as palavras certas. — Eu sei que você não quer ouvir mais desculpas. E eu também sei que nada do que eu disser vai mudar o que aconteceu. Mas... por favor, me deixa tentar fazer as coisas certas.Eu o observei por alguns segundos, meu coração dividido ent
MaeveA manhã do funeral foi fria, como se o próprio tempo estivesse de luto junto comigo. O céu nublado refletia o que eu sentia por dentro, uma dor profunda e solitária. A avó sempre foi minha base, a pessoa que nunca me julgou e sempre esteve lá, mesmo quando o mundo parecia desmoronar ao meu redor.Agora, eu estava prestes a enterrá-la.Quando chegamos ao pequeno cemitério, percebi que apenas três pessoas estavam presentes: eu, Ricardo e o médico que havia cuidado dela nos últimos meses. Não houve flores, discursos comoventes ou multidão de parentes. Não houve sequer a presença de familiares, porque, afinal, ninguém nunca se importou com a minha avó além de mim.Ricardo estava em silêncio ao meu lado, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco. Seu olhar sombrio me dizia mais do que qualquer palavra. Ele entendia o vazio que eu sentia, embora nem sempre soubesse como expressar isso.O médico, que havia sido tão atencioso durante todo o processo, estava a alguns passos de distância, obs