Maeve
Eu não conseguia dormir. As palavras da mãe de Ricardo ecoavam na minha mente como um disco quebrado, repetindo sem parar. "Surpresa... refinada... sofisticada." Elas me rasgavam por dentro, expondo todas as inseguranças que eu já sabia que tinha. Talvez ela tivesse razão. Talvez eu realmente não pertencesse àquele mundo. Sentada na beira da cama, olhei para o meu pé enfaixado. O curativo agora parecia mais uma metáfora para minha vida. Eu estava remendada, tentando seguir em frente, mas me sentia prestes a desmoronar a qualquer momento. As lembranças da minha avó no hospital também não ajudavam. O silêncio no quarto era sufocante, e eu sabia que, a qualquer momento, as lágrimas viriam. Minha avó, aquela que sempre esteve ao meu lado, agora estava em uma cama de hospital, frágil e doente. E eu? Estava aqui, fingindo ser algo que não era para garantir que ela pudesse ter pelo menos um pouco mais de tempo. Antes que pudesse me afundar ainda mais nos meus pensamentos, ouvi uma leve batida na porta. Não precisei perguntar quem era. — Posso entrar? — Ricardo perguntou, sua voz abafada pelo som da madeira. — Pode... — minha resposta saiu em um sussurro. Ele entrou no quarto, sua expressão mais suave do que eu costumava ver. Havia algo diferente nele naquela noite. Algo menos arrogante. Ele fechou a porta atrás de si e se aproximou, observando meu estado. — Você está bem? — Sua voz estava cheia de uma preocupação genuína, o que me pegou de surpresa. Eu queria dizer que sim. Queria fingir que tudo estava sob controle, como sempre fazia. Mas naquele momento, não consegui. Então, apenas balancei a cabeça. — Não — admiti, minha voz falhando um pouco. — Não estou. Ricardo se sentou ao meu lado, seus olhos me observando atentamente. Ele não disse nada por um momento, apenas esperou. — Eu sei que isso tudo é uma farsa — continuei, minha voz mais firme agora. — Mas eu não imaginava que fosse tão difícil. Não imaginava que... ouvir aquelas coisas me faria sentir tão... insignificante. Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos, claramente desconfortável com a situação. — Minha mãe tem essa... mania de achar que todo mundo precisa se encaixar nas expectativas dela. Não é sobre você, Maeve. É sobre ela. — Mas, Ricardo... você acha que eu sou assim também? Que não sou... o suficiente? Ele me olhou, os olhos verdes brilhando sob a luz fraca do quarto. Por um momento, achei que ele fosse desviar o olhar, mudar de assunto como sempre fazia. Mas então, algo mudou em sua expressão. — Não — ele disse, sua voz firme. — Não acho. Você é muito mais do que ela pode imaginar. E... eu sinto muito por tudo isso. Aquelas palavras, vindas dele, me pegaram completamente de surpresa. Ricardo Kurtz, o homem que eu sempre vi como arrogante e distante, estava se desculpando. E, pela primeira vez, parecia estar sendo sincero. — É difícil para mim, sabe? — ele continuou, sua voz mais baixa. — Eu... não costumo lidar com esse tipo de coisa. Sentimentos, ligações reais. Eu sempre fui bom em... manter distância. Mas você... está me fazendo questionar isso. Fiquei em silêncio, sem saber o que responder. As palavras dele me atingiram de uma forma que eu não esperava. Havia algo ali, algo que eu nunca havia percebido antes. Um lado de Ricardo que ele escondia muito bem, mas que, de alguma forma, estava começando a emergir. Ricardo As palavras saíram antes que eu pudesse controlá-las. O que eu estava fazendo? Eu nunca fui o tipo de homem que expunha suas fraquezas, muito menos para alguém como Maeve. Mas havia algo nela, algo naquela noite, que me fez abaixar a guarda. Eu sabia que minha mãe havia ido longe demais. Eu sabia que Maeve não merecia aquilo. Mas o que mais me incomodava era o fato de que eu estava me importando mais do que deveria. — Olha, eu sei que isso é difícil — eu disse, tentando encontrar as palavras certas. — E sei que não ajuda você ouvir minha mãe falando aquelas coisas. Mas eu preciso que você saiba que... eu estou aqui. E que isso, por mais que pareça um negócio, importa para mim. Maeve olhou para mim, seus olhos cheios de dúvida. Eu sabia que ela não confiava completamente em mim, e com razão. Afinal, eu havia sido o chefe que sempre a tratou como uma engrenagem em uma máquina. Mas algo estava mudando. — Importa? — ela perguntou, a descrença clara em sua voz. Eu assenti, sentindo uma estranha urgência de fazê-la entender. — Sim, importa. E não é só sobre o acordo. Não é só sobre fingir para minha mãe. Tem algo mais aqui... e eu sei que você também sente. Ela ficou em silêncio por um longo momento, seu olhar fixo no meu. Eu podia ver a batalha interna que ela estava travando, tentando entender o que tudo isso significava. E, para ser honesto, eu também estava tentando. — Ricardo... — ela começou, mas foi interrompida pelo som do meu telefone tocando. Peguei o aparelho e olhei para a tela. Era minha mãe. Suspirei e atendi, me afastando um pouco. — Sim, mãe? — Ricardo, querido — a voz dela era animada do outro lado da linha. — Eu estava pensando no jantar de amanhã. Mal posso esperar para mostrar sua noiva para todos. E, claro, estou tão feliz que você tenha encontrado alguém que combine com nossa família. Afinal, ela parece... uma ótima pessoa. Eu fechei os olhos, sentindo uma pontada de irritação. — Sim, mãe. Já te falei sobre o acidente, e ela está descansando. Vamos ver como ela estará amanhã, mas... — Ah, querido, não se preocupe com isso. Ela vai estar bem. Afinal, ela é sua noiva, não é? Tenho certeza de que fará tudo para garantir que as coisas corram bem. Olhei para Maeve, que estava observando cada movimento meu, e senti o peso da situação cair sobre mim. Eu havia iniciado essa farsa, e agora, estava preso nela mais do que jamais imaginei. — Certo, mãe. A gente se fala amanhã. Boa noite. Desliguei o telefone e voltei minha atenção para Maeve. Ela ainda estava me observando, com uma mistura de curiosidade e algo mais. — Então... — ela disse suavemente. — O que fazemos agora? Eu respirei fundo e, pela primeira vez, não tinha uma resposta clara. Tudo que sabia era que, de alguma forma, eu precisava continuar com isso. Não só pelo acordo, mas por algo que eu ainda não conseguia explicar. — A gente continua — respondi, tentando manter a voz firme. — E vamos ver até onde isso nos leva.MaeveA manhã seguinte chegou como um peso inevitável. As palavras de Ricardo, sua sinceridade incomum na noite anterior, deixaram uma marca em mim. Eu ainda não sabia o que pensar, mas sabia que havia algo se movendo sob a superfície dessa farsa. E eu não sabia se queria ou podia lidar com isso.Ricardo havia saído cedo para lidar com algum assunto de trabalho, e eu fiquei no quarto, pensando no jantar que a mãe dele mencionara na ligação. Seria um evento grande, algo que eu nunca havia experimentado. Um baile de máscaras em uma mansão. Pelo que ouvi, as expectativas estavam nas alturas, e eu teria que cumprir meu papel impecavelmente.Enquanto estava perdida em pensamentos, alguém bateu na porta. Uma das empregadas entrou, carregando uma caixa grande e preta, com um laço dourado no topo.— Isso chegou para a senhorita Maeve — ela disse com um sorriso discreto antes de deixar a caixa ao lado da cama.Fiquei olhando para a caixa por alguns segundos, hesitante. Sabia que era algo de Ri
MaeveA tensão no quarto era palpável. Depois das palavras de Ricardo, algo mudou entre nós, uma linha invisível que separava o profissional do pessoal. Eu não sabia o que era, mas podia sentir o peso disso no ar.Eu observava enquanto ele se afastava para atender o telefonema da mãe. Ele parecia sempre tão seguro de si, tão impenetrável. Mas agora, havia algo diferente em seus olhos. Uma vulnerabilidade que ele não mostrava a ninguém. Pelo menos, não a mim.Quando ele desligou o telefone e voltou seu olhar para mim, senti meu coração acelerar. Era como se o Ricardo que eu conhecia estivesse se desfazendo diante de mim, revelando um homem que eu mal começava a entender.— Então, o que fazemos agora? — perguntei, tentando manter minha voz estável, mas falhando miseravelmente.Ele respirou fundo, caminhando até mim com passos lentos. Parecia que cada movimento seu carregava uma intenção que eu não conseguia decifrar. Ele se aproximou, parando a poucos centímetros de mim. O calor que ema
RicardoEu nunca fui o tipo de homem que se deixa levar por impulsos. Sempre fui calculista, controlado. Mas, ao sair daquele quarto, depois daquele beijo, me senti despedaçado. Maeve havia conseguido, de alguma forma, fazer com que eu perdesse o controle. E eu odiava isso tanto quanto desejava mais.Fechei a porta atrás de mim e me encostei na parede do corredor, tentando regular minha respiração. O gosto dela ainda estava nos meus lábios, e a sensação de sua pele macia ainda queimava em minhas mãos. Mas eu sabia que aquilo não era apenas sobre desejo. Havia algo mais profundo ali, algo que eu não queria admitir. Não ainda.Peguei meu celular e disquei o número de Gustavo. Precisava de uma distração, alguém com quem pudesse conversar e tentar colocar a cabeça no lugar. O telefone chamou uma vez antes de ele atender.— Ricardo, e aí? Como estão as coisas com a sua "noiva"? — O tom zombeteiro de Gustavo não ajudava.— Não tenho tempo para piadas agora, Gustavo — rosnei, passando a mão
MaeveA manhã seguinte veio como um soco. Quando abri os olhos, a luz suave do sol já filtrava pelas cortinas. A sensação do beijo de Ricardo ainda pairava no ar, como uma névoa que não conseguia dissipar. A cama ao meu lado estava vazia, e uma parte de mim sentiu um vazio maior do que eu gostaria de admitir.Sentei-me lentamente, tentando organizar meus pensamentos. O que aquilo significava? O beijo, as palavras não ditas, a tensão que parecia engolir tudo ao nosso redor? Eu não sabia como lidar com os sentimentos confusos que borbulhavam dentro de mim.— Bom dia. — A voz de Ricardo me tirou de meus pensamentos.Ele estava parado à porta, com uma bandeja de café da manhã nas mãos, parecendo surpreendentemente relaxado. Ele me olhou com aquele sorriso meio de lado, o tipo de sorriso que sempre me desarmava.— Café? — Ele colocou a bandeja na pequena mesa ao lado da cama e me olhou intensamente.A tensão ainda estava lá, latente no fundo, mas diferente do que eu esperava. Ricardo parec
MaeveEu estava diante do espelho, tentando encontrar alguma confiança no reflexo que me encarava. Era a segunda vez que eu veria a mãe de Ricardo, e, da última vez, eu tinha sido pega de surpresa. Agora, eu estava pronta para o julgamento inevitável.Mas pronta mesmo?— Maeve, você está bem? — Ricardo entrou no quarto, ajeitando a gravata, e me olhou de cima a baixo, com uma mistura de admiração e preocupação.— Eu estou... — murmurei, enquanto terminava de ajeitar o vestido. — Pelo menos, espero estar.Ricardo deu um passo à frente, seus olhos escaneando cada detalhe do meu visual. Seus dedos deslizaram pelo meu braço, causando um arrepio.— Você está linda — ele disse suavemente. — Minha mãe vai adorar.Revirei os olhos.— Ah, claro. Ela vai adorar julgar meu cabelo e dizer que o corte não combina com a "noiva de um Kurtz". — Tentei sorrir, mas sabia que aquilo estava me corroendo por dentro. Eu sabia que seria uma noite difícil, e ter que encarar a mãe de Ricardo de novo... bom, i
RicardoEu assisti Maeve correr para fora da joalheria, o vestido elegante balançando atrás dela, mas sua pressa não era por causa da festa. Era pela avó, e pela verdade que eu escondi. O gosto amargo do arrependimento subiu à minha garganta. Isabella ainda estava ao meu lado, falando sobre algo, mas já não importava.— Ricardo, o que está acontecendo? — ela perguntou, sua voz confusa, mas cheia de curiosidade.— Nada que você precise se preocupar — respondi secamente, sem paciência para discutir.Eu me afastei, passando a mão pelos cabelos, tentando descobrir uma maneira de consertar o desastre que eu havia causado. Ela já estava longe, e eu sabia que havia perdido a confiança de Maeve. A cada segundo que eu hesitava, ficava mais difícil recuperar o que estava desmoronando entre nós.Peguei meu celular e vi a mensagem de Gustavo. A piora da Sra. Emerson era drástica. Não havia mais tempo.MaeveCorri para o hospital como se minha vida dependesse disso. O que, de certa forma, dependia
MaeveAs palavras ainda ecoavam na minha cabeça: "Eu vou continuar fingindo até sua mãe ir embora." Nunca pensei que chegaria a esse ponto, de ter que me segurar para manter uma mentira de pé. Mas, no momento em que Ricardo abriu a boca para se desculpar, não pude evitar sentir uma onda de amargura tomar conta de mim.Ele estava ali, de pé, como se tivesse o direito de tentar me consolar. Como se eu não tivesse acabado de perder a pessoa mais importante da minha vida. Como se ele não tivesse quebrado minha confiança.— Maeve... — Ricardo começou novamente, com a voz baixa, como se estivesse tentando me alcançar.Eu levantei a mão, cortando-o no meio da frase.— Não. Não quero ouvir mais desculpas suas — minha voz saiu mais afiada do que eu esperava, mas eu não podia me controlar. — Eu disse que ia continuar com o acordo até sua mãe ir embora, e vou fazer isso. Mas entre nós... acabou.O silêncio que se seguiu foi quase sufocante. Eu podia sentir a tensão no ar, o peso de tudo o que nã
MaeveDepois que a Sra. Kurtz nos deixou sozinhos, o peso da última conversa com Ricardo ainda pendia no ar, sufocante. Eu estava cansada de mentiras, de esconder a verdade, de fingir que estava tudo bem quando meu coração estava em pedaços.Mas, ao mesmo tempo, havia algo em Ricardo... algo que eu não conseguia ignorar, por mais que tentasse. Cada vez que ele me olhava com aqueles olhos cheios de arrependimento, parte de mim queria ceder. Queria acreditar que ele realmente se importava, mesmo que tudo tivesse começado de forma tão calculada.Ele deu um passo hesitante na minha direção, seus olhos fixos nos meus, como se tentasse ler meus pensamentos.— Maeve... — ele começou, com a voz rouca, como se estivesse lutando para encontrar as palavras certas. — Eu sei que você não quer ouvir mais desculpas. E eu também sei que nada do que eu disser vai mudar o que aconteceu. Mas... por favor, me deixa tentar fazer as coisas certas.Eu o observei por alguns segundos, meu coração dividido ent