Capítulo 5 - Lembranças e Confrontos

Maeve

Eu não conseguia dormir. As palavras da mãe de Ricardo ecoavam na minha mente como um disco quebrado, repetindo sem parar. "Surpresa... refinada... sofisticada." Elas me rasgavam por dentro, expondo todas as inseguranças que eu já sabia que tinha. Talvez ela tivesse razão. Talvez eu realmente não pertencesse àquele mundo.

Sentada na beira da cama, olhei para o meu pé enfaixado. O curativo agora parecia mais uma metáfora para minha vida. Eu estava remendada, tentando seguir em frente, mas me sentia prestes a desmoronar a qualquer momento. As lembranças da minha avó no hospital também não ajudavam.

O silêncio no quarto era sufocante, e eu sabia que, a qualquer momento, as lágrimas viriam. Minha avó, aquela que sempre esteve ao meu lado, agora estava em uma cama de hospital, frágil e doente. E eu? Estava aqui, fingindo ser algo que não era para garantir que ela pudesse ter pelo menos um pouco mais de tempo.

Antes que pudesse me afundar ainda mais nos meus pensamentos, ouvi uma leve batida na porta. Não precisei perguntar quem era.

— Posso entrar? — Ricardo perguntou, sua voz abafada pelo som da madeira.

— Pode... — minha resposta saiu em um sussurro.

Ele entrou no quarto, sua expressão mais suave do que eu costumava ver. Havia algo diferente nele naquela noite. Algo menos arrogante. Ele fechou a porta atrás de si e se aproximou, observando meu estado.

— Você está bem? — Sua voz estava cheia de uma preocupação genuína, o que me pegou de surpresa.

Eu queria dizer que sim. Queria fingir que tudo estava sob controle, como sempre fazia. Mas naquele momento, não consegui. Então, apenas balancei a cabeça.

— Não — admiti, minha voz falhando um pouco. — Não estou.

Ricardo se sentou ao meu lado, seus olhos me observando atentamente. Ele não disse nada por um momento, apenas esperou.

— Eu sei que isso tudo é uma farsa — continuei, minha voz mais firme agora. — Mas eu não imaginava que fosse tão difícil. Não imaginava que... ouvir aquelas coisas me faria sentir tão... insignificante.

Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos, claramente desconfortável com a situação.

— Minha mãe tem essa... mania de achar que todo mundo precisa se encaixar nas expectativas dela. Não é sobre você, Maeve. É sobre ela.

— Mas, Ricardo... você acha que eu sou assim também? Que não sou... o suficiente?

Ele me olhou, os olhos verdes brilhando sob a luz fraca do quarto. Por um momento, achei que ele fosse desviar o olhar, mudar de assunto como sempre fazia. Mas então, algo mudou em sua expressão.

— Não — ele disse, sua voz firme. — Não acho. Você é muito mais do que ela pode imaginar. E... eu sinto muito por tudo isso.

Aquelas palavras, vindas dele, me pegaram completamente de surpresa. Ricardo Kurtz, o homem que eu sempre vi como arrogante e distante, estava se desculpando. E, pela primeira vez, parecia estar sendo sincero.

— É difícil para mim, sabe? — ele continuou, sua voz mais baixa. — Eu... não costumo lidar com esse tipo de coisa. Sentimentos, ligações reais. Eu sempre fui bom em... manter distância. Mas você... está me fazendo questionar isso.

Fiquei em silêncio, sem saber o que responder. As palavras dele me atingiram de uma forma que eu não esperava. Havia algo ali, algo que eu nunca havia percebido antes. Um lado de Ricardo que ele escondia muito bem, mas que, de alguma forma, estava começando a emergir.

Ricardo

As palavras saíram antes que eu pudesse controlá-las. O que eu estava fazendo? Eu nunca fui o tipo de homem que expunha suas fraquezas, muito menos para alguém como Maeve. Mas havia algo nela, algo naquela noite, que me fez abaixar a guarda.

Eu sabia que minha mãe havia ido longe demais. Eu sabia que Maeve não merecia aquilo. Mas o que mais me incomodava era o fato de que eu estava me importando mais do que deveria.

— Olha, eu sei que isso é difícil — eu disse, tentando encontrar as palavras certas. — E sei que não ajuda você ouvir minha mãe falando aquelas coisas. Mas eu preciso que você saiba que... eu estou aqui. E que isso, por mais que pareça um negócio, importa para mim.

Maeve olhou para mim, seus olhos cheios de dúvida. Eu sabia que ela não confiava completamente em mim, e com razão. Afinal, eu havia sido o chefe que sempre a tratou como uma engrenagem em uma máquina. Mas algo estava mudando.

— Importa? — ela perguntou, a descrença clara em sua voz.

Eu assenti, sentindo uma estranha urgência de fazê-la entender.

— Sim, importa. E não é só sobre o acordo. Não é só sobre fingir para minha mãe. Tem algo mais aqui... e eu sei que você também sente.

Ela ficou em silêncio por um longo momento, seu olhar fixo no meu. Eu podia ver a batalha interna que ela estava travando, tentando entender o que tudo isso significava. E, para ser honesto, eu também estava tentando.

— Ricardo... — ela começou, mas foi interrompida pelo som do meu telefone tocando.

Peguei o aparelho e olhei para a tela. Era minha mãe. Suspirei e atendi, me afastando um pouco.

— Sim, mãe?

— Ricardo, querido — a voz dela era animada do outro lado da linha. — Eu estava pensando no jantar de amanhã. Mal posso esperar para mostrar sua noiva para todos. E, claro, estou tão feliz que você tenha encontrado alguém que combine com nossa família. Afinal, ela parece... uma ótima pessoa.

Eu fechei os olhos, sentindo uma pontada de irritação.

— Sim, mãe. Já te falei sobre o acidente, e ela está descansando. Vamos ver como ela estará amanhã, mas...

— Ah, querido, não se preocupe com isso. Ela vai estar bem. Afinal, ela é sua noiva, não é? Tenho certeza de que fará tudo para garantir que as coisas corram bem.

Olhei para Maeve, que estava observando cada movimento meu, e senti o peso da situação cair sobre mim. Eu havia iniciado essa farsa, e agora, estava preso nela mais do que jamais imaginei.

— Certo, mãe. A gente se fala amanhã. Boa noite.

Desliguei o telefone e voltei minha atenção para Maeve. Ela ainda estava me observando, com uma mistura de curiosidade e algo mais.

— Então... — ela disse suavemente. — O que fazemos agora?

Eu respirei fundo e, pela primeira vez, não tinha uma resposta clara. Tudo que sabia era que, de alguma forma, eu precisava continuar com isso. Não só pelo acordo, mas por algo que eu ainda não conseguia explicar.

— A gente continua — respondi, tentando manter a voz firme. — E vamos ver até onde isso nos leva.

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