Maeve
Quando entrei na sala, me senti imediatamente fora de lugar. O ambiente era imaculado, o luxo transbordava de cada canto: desde os móveis finos até os quadros pendurados nas paredes. E então, havia eu, com meu vestido simples, nada de grife, nada que chamasse a atenção. Meu pé imobilizado apenas tornava tudo ainda mais constrangedor. Eu podia sentir os olhos da mãe de Ricardo me analisando de cima a baixo, cada detalhe das minhas roupas. Ela sorriu, mas havia algo em seu olhar. — Então, Maeve... — sua voz era doce, mas carregada de curiosidade, como se estivesse esperando uma explicação para o que via. — Ricardo me contou sobre o acidente. Uma pena. Mas... devo dizer que estou surpresa. Não esperava que minha futura nora fosse... tão simples. Ricardo, ao meu lado, percebeu o tom imediatamente. Ele olhou para mim de soslaio, sem saber como eu reagiria. — Ah, eu... — comecei, sentindo o calor subir ao meu rosto. — Eu realmente não tive muito tempo para me arrumar adequadamente depois de tudo o que aconteceu. — Entendo, querida — ela respondeu, com aquele mesmo sorriso que não alcançava os olhos. — Só imaginei que... como noiva de um Kurtz, você seria um pouco mais... refinada. Afinal, você está entrando para uma família de certa... importância. Meu estômago revirou. Eu sabia que não era o tipo de mulher que ela esperava para o filho. Meus vestidos não eram de estilistas famosos, e meu estilo certamente não se comparava ao de mulheres que provavelmente estavam acostumadas a circular nesse ambiente. Mas ouvir aquilo, mesmo de forma tão educada, doeu. — Mamãe — Ricardo interveio, com um tom calmo, mas firme. — Já conversamos sobre isso. Não é hora de ficar focando nesses detalhes. Sua mãe riu suavemente, balançando a cabeça. — Claro, claro, Ricardo. Mas você sabe como sou. Sempre imaginei que você acabaria com uma mulher... sofisticada. Alguém que pudesse combinar com o estilo da nossa família. Ela me olhou de cima a baixo de novo, e eu me senti pequena. Ridícula. Meus sapatos baratos, o vestido de algodão sem qualquer detalhe de luxo. E então, o curativo no meu pé, que parecia destacar ainda mais o quanto eu não pertencia ali. Ricardo Eu sabia que minha mãe não ia deixar passar. Desde o momento em que coloquei os olhos em Maeve com aquele vestido simples e a imobilização no pé, percebi que ela não era o tipo de mulher que minha mãe esperava. Mas isso só me fez querer defendê-la ainda mais. — Maeve está aqui porque é uma mulher incrível, mãe. Não por causa das roupas que usa. — Minha voz saiu mais dura do que pretendia, mas era necessário. Eu a conhecia o suficiente para saber que, se não cortasse logo o comentário, ela continuaria. Minha mãe olhou para mim com surpresa, mas não recuou. — Claro, querido. Eu só fiquei... surpresa. Você sabe como a aparência é importante, especialmente em eventos da nossa família. Todos os olhos estarão em vocês. Olhei para Maeve e vi a tensão em seus ombros. Ela estava desconfortável, e com razão. Eu estava começando a me irritar com a situação. Afinal, esse era um jogo que eu havia iniciado, e agora era minha responsabilidade garantir que Maeve não se sentisse humilhada. — Vamos subir e descansar, mãe. Maeve precisa repousar o pé, e eu preciso conversar com ela sobre algumas coisas do evento de amanhã. Antes que minha mãe pudesse responder, segurei Maeve pela cintura, mais para dar apoio ao seu pé machucado do que qualquer outra coisa, e a guiei até as escadas. Enquanto subíamos, pude sentir o olhar dela sobre nós. Não disse nada, mas estava claro que minha mãe estava longe de estar satisfeita com a escolha que fiz para minha "noiva". No quarto, assim que fechei a porta, Maeve soltou um longo suspiro e se apoiou contra a parede. Seus olhos estavam cansados, e havia uma expressão magoada em seu rosto. — Eu sabia que ela não gostava de mim, mas... não pensei que fosse tão óbvio. Eu a olhei, sentindo uma pontada de culpa. — Ela é assim com todo mundo, Maeve. Não leve para o lado pessoal. — Me aproximei, tocando de leve o braço dela. — Ela não te conhece. Só está julgando o que vê na superfície. — E o que ela vê não é exatamente uma mulher rica e sofisticada, certo? — Ela riu sem humor, olhando para suas roupas. — Ela vê uma mulher forte, que está fazendo o possível em uma situação difícil. — Inclinei-me para mais perto, minha voz ficando mais suave. — E é isso que importa, Maeve. Eu te escolhi por ser quem você é, e não por roupas ou status. Ela me olhou, surpresa com o que eu disse. Talvez até comovida. E eu, pela primeira vez, senti algo mexer dentro de mim que ia além do acordo. Algo mais genuíno. — Vamos descansar. Amanhã é outro dia — completei, dando um leve sorriso, tentando aliviar a tensão. Mas eu sabia que, de agora em diante, as coisas estavam começando a mudar. Tanto para mim quanto para ela.MaeveEu não conseguia dormir. As palavras da mãe de Ricardo ecoavam na minha mente como um disco quebrado, repetindo sem parar. "Surpresa... refinada... sofisticada." Elas me rasgavam por dentro, expondo todas as inseguranças que eu já sabia que tinha. Talvez ela tivesse razão. Talvez eu realmente não pertencesse àquele mundo.Sentada na beira da cama, olhei para o meu pé enfaixado. O curativo agora parecia mais uma metáfora para minha vida. Eu estava remendada, tentando seguir em frente, mas me sentia prestes a desmoronar a qualquer momento. As lembranças da minha avó no hospital também não ajudavam.O silêncio no quarto era sufocante, e eu sabia que, a qualquer momento, as lágrimas viriam. Minha avó, aquela que sempre esteve ao meu lado, agora estava em uma cama de hospital, frágil e doente. E eu? Estava aqui, fingindo ser algo que não era para garantir que ela pudesse ter pelo menos um pouco mais de tempo.Antes que pudesse me afundar ainda mais nos meus pensamentos, ouvi uma leve
MaeveA manhã seguinte chegou como um peso inevitável. As palavras de Ricardo, sua sinceridade incomum na noite anterior, deixaram uma marca em mim. Eu ainda não sabia o que pensar, mas sabia que havia algo se movendo sob a superfície dessa farsa. E eu não sabia se queria ou podia lidar com isso.Ricardo havia saído cedo para lidar com algum assunto de trabalho, e eu fiquei no quarto, pensando no jantar que a mãe dele mencionara na ligação. Seria um evento grande, algo que eu nunca havia experimentado. Um baile de máscaras em uma mansão. Pelo que ouvi, as expectativas estavam nas alturas, e eu teria que cumprir meu papel impecavelmente.Enquanto estava perdida em pensamentos, alguém bateu na porta. Uma das empregadas entrou, carregando uma caixa grande e preta, com um laço dourado no topo.— Isso chegou para a senhorita Maeve — ela disse com um sorriso discreto antes de deixar a caixa ao lado da cama.Fiquei olhando para a caixa por alguns segundos, hesitante. Sabia que era algo de Ri
MaeveA tensão no quarto era palpável. Depois das palavras de Ricardo, algo mudou entre nós, uma linha invisível que separava o profissional do pessoal. Eu não sabia o que era, mas podia sentir o peso disso no ar.Eu observava enquanto ele se afastava para atender o telefonema da mãe. Ele parecia sempre tão seguro de si, tão impenetrável. Mas agora, havia algo diferente em seus olhos. Uma vulnerabilidade que ele não mostrava a ninguém. Pelo menos, não a mim.Quando ele desligou o telefone e voltou seu olhar para mim, senti meu coração acelerar. Era como se o Ricardo que eu conhecia estivesse se desfazendo diante de mim, revelando um homem que eu mal começava a entender.— Então, o que fazemos agora? — perguntei, tentando manter minha voz estável, mas falhando miseravelmente.Ele respirou fundo, caminhando até mim com passos lentos. Parecia que cada movimento seu carregava uma intenção que eu não conseguia decifrar. Ele se aproximou, parando a poucos centímetros de mim. O calor que ema
RicardoEu nunca fui o tipo de homem que se deixa levar por impulsos. Sempre fui calculista, controlado. Mas, ao sair daquele quarto, depois daquele beijo, me senti despedaçado. Maeve havia conseguido, de alguma forma, fazer com que eu perdesse o controle. E eu odiava isso tanto quanto desejava mais.Fechei a porta atrás de mim e me encostei na parede do corredor, tentando regular minha respiração. O gosto dela ainda estava nos meus lábios, e a sensação de sua pele macia ainda queimava em minhas mãos. Mas eu sabia que aquilo não era apenas sobre desejo. Havia algo mais profundo ali, algo que eu não queria admitir. Não ainda.Peguei meu celular e disquei o número de Gustavo. Precisava de uma distração, alguém com quem pudesse conversar e tentar colocar a cabeça no lugar. O telefone chamou uma vez antes de ele atender.— Ricardo, e aí? Como estão as coisas com a sua "noiva"? — O tom zombeteiro de Gustavo não ajudava.— Não tenho tempo para piadas agora, Gustavo — rosnei, passando a mão
MaeveA manhã seguinte veio como um soco. Quando abri os olhos, a luz suave do sol já filtrava pelas cortinas. A sensação do beijo de Ricardo ainda pairava no ar, como uma névoa que não conseguia dissipar. A cama ao meu lado estava vazia, e uma parte de mim sentiu um vazio maior do que eu gostaria de admitir.Sentei-me lentamente, tentando organizar meus pensamentos. O que aquilo significava? O beijo, as palavras não ditas, a tensão que parecia engolir tudo ao nosso redor? Eu não sabia como lidar com os sentimentos confusos que borbulhavam dentro de mim.— Bom dia. — A voz de Ricardo me tirou de meus pensamentos.Ele estava parado à porta, com uma bandeja de café da manhã nas mãos, parecendo surpreendentemente relaxado. Ele me olhou com aquele sorriso meio de lado, o tipo de sorriso que sempre me desarmava.— Café? — Ele colocou a bandeja na pequena mesa ao lado da cama e me olhou intensamente.A tensão ainda estava lá, latente no fundo, mas diferente do que eu esperava. Ricardo parec
MaeveEu estava diante do espelho, tentando encontrar alguma confiança no reflexo que me encarava. Era a segunda vez que eu veria a mãe de Ricardo, e, da última vez, eu tinha sido pega de surpresa. Agora, eu estava pronta para o julgamento inevitável.Mas pronta mesmo?— Maeve, você está bem? — Ricardo entrou no quarto, ajeitando a gravata, e me olhou de cima a baixo, com uma mistura de admiração e preocupação.— Eu estou... — murmurei, enquanto terminava de ajeitar o vestido. — Pelo menos, espero estar.Ricardo deu um passo à frente, seus olhos escaneando cada detalhe do meu visual. Seus dedos deslizaram pelo meu braço, causando um arrepio.— Você está linda — ele disse suavemente. — Minha mãe vai adorar.Revirei os olhos.— Ah, claro. Ela vai adorar julgar meu cabelo e dizer que o corte não combina com a "noiva de um Kurtz". — Tentei sorrir, mas sabia que aquilo estava me corroendo por dentro. Eu sabia que seria uma noite difícil, e ter que encarar a mãe de Ricardo de novo... bom, i
RicardoEu assisti Maeve correr para fora da joalheria, o vestido elegante balançando atrás dela, mas sua pressa não era por causa da festa. Era pela avó, e pela verdade que eu escondi. O gosto amargo do arrependimento subiu à minha garganta. Isabella ainda estava ao meu lado, falando sobre algo, mas já não importava.— Ricardo, o que está acontecendo? — ela perguntou, sua voz confusa, mas cheia de curiosidade.— Nada que você precise se preocupar — respondi secamente, sem paciência para discutir.Eu me afastei, passando a mão pelos cabelos, tentando descobrir uma maneira de consertar o desastre que eu havia causado. Ela já estava longe, e eu sabia que havia perdido a confiança de Maeve. A cada segundo que eu hesitava, ficava mais difícil recuperar o que estava desmoronando entre nós.Peguei meu celular e vi a mensagem de Gustavo. A piora da Sra. Emerson era drástica. Não havia mais tempo.MaeveCorri para o hospital como se minha vida dependesse disso. O que, de certa forma, dependia
MaeveAs palavras ainda ecoavam na minha cabeça: "Eu vou continuar fingindo até sua mãe ir embora." Nunca pensei que chegaria a esse ponto, de ter que me segurar para manter uma mentira de pé. Mas, no momento em que Ricardo abriu a boca para se desculpar, não pude evitar sentir uma onda de amargura tomar conta de mim.Ele estava ali, de pé, como se tivesse o direito de tentar me consolar. Como se eu não tivesse acabado de perder a pessoa mais importante da minha vida. Como se ele não tivesse quebrado minha confiança.— Maeve... — Ricardo começou novamente, com a voz baixa, como se estivesse tentando me alcançar.Eu levantei a mão, cortando-o no meio da frase.— Não. Não quero ouvir mais desculpas suas — minha voz saiu mais afiada do que eu esperava, mas eu não podia me controlar. — Eu disse que ia continuar com o acordo até sua mãe ir embora, e vou fazer isso. Mas entre nós... acabou.O silêncio que se seguiu foi quase sufocante. Eu podia sentir a tensão no ar, o peso de tudo o que nã