Capítulo 04

Eu fiquei pensando sobre aquilo, eu não podia simplesmente deixá-lo entrar assim. Eu era uma furada e todos que me conheciam sabiam disso. Ele não estava sendo coerente, como assim ajudar uma desconhecida? Mas, ele parecia ser tão sincero, ele me fazia querer ser ajudada. Aquilo reacendia uma pequena chama de esperança dentro do meu coração, o medo de que aquilo fosse me derrubar me afetou. Eu só queria sair correndo dali e voltar para minha vida de merda até o dia em que eu não aguentasse mais. Mas... Eu não sei. Algo me dizia que ele não iria desistir tão fácil assim.

— Emily. — Falei quando ele se levantou.

— Como? — Ele disse virando-se novamente para mim.

— Emily, é o meu nome de batismo. — Falei abrindo um sorriso sem graça.

— É um prazer conhecer você Emily, já é um bom começo. — Ele sorriu. — Vou preparar o nosso almoço, descanse e não faça besteiras. — Ele falou virando as costas e saindo do quarto.

    Aquilo me fez sorrir, ninguém além dele sabia, mas ouvir alguém me chamar por meu verdadeiro nome realmente me fez chorar. Coloquei o travesseiro sobre meu rosto tentando abafar o soluço.

“— Emily, o almoço está pronto. — Emília Falava no pé da escada...

— Eu já vou mamãe. — Falei aparecendo no topo da escada toda sorridente.

— O que está fazendo filha? — Minha mãe (Emília) perguntou completamente carinhosa. — Eu e o papai estamos lhe preparando uma surpresa, mas é uma surpresa. — Falei com cara de sapeca.

— Agora eu estou curiosa! — Minha mãe falou me carregando no colo após eu descer as escadas correndo.

— Tenha calma mamãe, você vai amar! — Falei animada a abraçando.

— Você é muito esperta para uma menina de quase cinco anos, eu sei que vou amar Emy. — Ela falou me chamando pelo meu apelido e logo depois me dando um beijo na testa. — Mas vamos almoçar primeiro...”

    Meu coração se apertou ao lembrar daquilo, da minha mãe, dos meus pais. Que saudade! Não estar sozinha, ter alguém mesmo que desconhecido trouxe uma coisa estranha dentro de mim, um sentimento de segurança que só a minha família havia sido capaz de trazer. Aquela foi a última vez em que alguém preparou o meu almoço, foi a última vez em que meus pais me prepararam algo!

                                                                   ...

Eu estava ficando cansada de ficar deitada naquela cama, haviam se passado uns vinte minutos desde que o David havia dito que prepararia o almoço. Eu me levantei e resolvi sair do quarto e conhecer um pouco do ambiente onde estava. Não havia notado que eu estava vestida com uma camisa de homem, uma calcinha e short. Sai do quarto com um pouco mais de esforço, realmente eu parecia ter quebrado algumas costelas, às vezes me faltava um pouco de ar ao andar. Então fui andando devagar e notei que eu estava no segundo andar, segui por um pequeno corredor que havia mais duas portas, então desci com um pouco de esforço as escadas. Depois de respirar por alguns segundos, segui conhecendo a casa na qual eu estava hospedada. A sala era linda, um pouco ampla e com paredes de vidro que mostravam um lindo jardim.  Sorri; meu príncipe encantado tinha um jardim, a sala tinha um sofá imenso em forma de L e uma tevê de cinema. Do outro lado, uma cozinha enorme com um David usando fones de ouvidos, completamente concentrado no fogão enquanto cantava algo. E "pasme", ele tinha uma voz incrível. Sentei-me no balcão e fiquei encarando aquela cena, ele me fazia rir com as imitações. Ele se virou entretido na música e quando me viu tomou um susto, o que me fez gargalhar.

— Ops. — Falei ainda rindo.

— Você quer me matar de susto? — Ele falou com um sorriso descontraído no rosto.

— Não era a minha intenção, mas você canta muito bem. Temos que eliminar a concorrência. — Eu falei dando uma piscadela.

— Então você também canta? — Ele falou se apoiando no balcão.

— Claro que canto! Sou uma estrela, meu bem. — Falei com um sorriso descontraído.

— Ah não, agora eu terei que lhe desafiar! — Ele falou apontando uma colher de pau para mim.

— Não, não quero humilhar você, mas canto desde os meus quatro aninhos. — Falei abrindo um sorriso desafiador.

— Não! — Ele disse rindo. — Uma menina prodígio na minha casa.

— Pois é, que privilégio! — Eu disse dando uma piscadela descontraída.

— Está feito, estou lhe desafiando. — Ele disse com um olhar sério e um sorriso de canto.

    Ele se virou para mexer o que estava no fogo, e aquilo mexeu comigo, aquele olhar, aquele momento. Eu não tinha um momento como aquele desde os meus cinco anos.

— Bom... — Ele disse me tirando dos meus devaneios. — Não me diga que sabe cozinhar também, porque aí eu terei que lhe vencer em duas coisas ao mesmo tempo. E, acredito que você não aguente.

— Oh minha nossa, como você é humilde. Eu não cozinho! — Falei levantando as mãos em sinal de rendição.

— Bom... Eu sou a humildade em pessoa, e você a teimosia. — Ele disse colocando nossos pratos.

— Eu não sou teimosa. — Falei rindo.

— Ah não? Eu lhe carreguei para que não precisasse ir ao banheiro sozinha e você simplesmente me desafiou vindo do quarto até aqui. — Ele me encarou com um sorriso. — Você é a teimosia em pessoa.

— Obrigada pelo elogio. — Retribui o sorriso.

    Ele riu me encarando por um tempo e depois voltou a colocar nossa comida. Ele me deixava sem graça de uma forma que eu não estava acostumada.  Ele nos serviu e sentou à minha frente para comer.

— Nossa... — Falei, estava realmente delicioso. Era um tipo de bife à milanesa.

— Eu sei, poupe os elogios. Sou um cozinheiro de mãos cheias. — Ele deu de ombros com um sorriso vitorioso no rosto.

— Eu ia dizer que está comestível, mas... — Falei dando de ombros e o olhando de soslaio.

— Como se ousa a dizer isso de um chefe como eu? — Ele falou fingindo estar ofendido enquanto comia.

— Ah então você é um chefe? — Falei rindo.

— É um hobby. — Ele disse dando de ombros. — Amo fazer muitas coisas e uma delas é cozinhar.

— Hum... Interessante! — Falei pensativa enquanto comia.

    Ficamos calados saboreando por um tempo a comida deliciosa.

— Então... Você quem me vestiu! — Falei pensativa, aquilo soou engraçado.

— Bom, um trabalho árduo. Eu tinha que fazer, você estava desacordada e... Enfim... — Ele falou meio sem graça.

— Um trabalho árduo? — Eu falei rindo daquilo. — Minha nossa...

— Não me leve a mal. — Ele disse rindo e me encarando. — No meu antigo trabalho eu já tive que vestir muitas mulheres, mas agora é diferente... — Ele ia falar algo, mas logo voltou a comer.

— Eu não vou cometer a garfe de lhe perguntar se você já foi garoto de programa. — Falei ainda sem pensar.

— Nesse caso; eu teria que despir e não vestir, não? — Ele me perguntou com um olhar extrovertido.

— É... — Falei achando graça daquilo. — Do que você trabalhava?

— Bom, vamos fazer assim... Um dia, eu te conto. — Ele piscou para mim pegando nossos pratos e levando para pia.

— É injusto. Você sabe onde eu trabalho. — Falei o encarando, de costas ele era tão lindo quanto de frente.

— Ué, tudo bem. Eu trabalho agora no ramo de fotografia. — Ele falou dando de ombros enquanto lavava os pratos.

— Você é muito espertinho, David. — Eu disse sorrindo, ele de fato me pegou. Aproximei-me com um pouco de esforço, pegando um pano de prato para enxugar os pratos.

— O que você está fazendo Senhorita Emily? — Ele me encarou por um minuto.

— Te ajudando a secar os pratos. — Falei dando de ombros.

— Nem pensar. — Ele disse tentando pegar o pano da minha mão.

— Me deixe te ajudar, querido. — Falei arqueando uma das sobrancelhas.

— Você me pegou. — Ele disse se rendendo.

    Ele lavou os pratos e eu fui enxugando e colocando na bancada para que ele pudesse guardar. Quando terminei fiquei na bancada esperando que ele terminasse de guardar os pratos.

— Iai. Quer assistir alguma coisa? — Ele me perguntou quando terminamos.

— Pode ser, sei lá. — Falei o acompanhando até a sala e me sentando no sofá.

— Que tipo de filme você gosta? — Ele me perguntou ligando a tevê na Netflix.

— Eu... Não sei. O que você achar melhor! — Falei meio sem graça.

— Não, vamos assistir o que você gosta. — Ele disse colocando na seção filmes.

— Eu não costumo assistir muitos filmes, não tenho tempo. — Falei começando a me sentir triste. Eu realmente não ligava muito para assistir filmes.

— E o que você faz nos tempos livres? — Ele perguntou me encarando.

— Eu não tenho muito tempo livre. — Eu disse suspirando.

— E o que você faz quando TEM tempo livre? — Ele continuou me encarando.

— Bom, eu durmo. Ou, danço. Às vezes pego uma condução e paro em algum lugar de frente para praia e leio um bom livro. — Falei perdida em pensamentos.

— Você dança? — Ele me encarou com um olhar mais divertido.

— Nem vem. — Falei rindo.

— O que? Foi você quem disse. — Ele falou rindo.

— Você escutou só isso? — Falei ainda rindo.

— Ué. Vamos voltar aos filmes então, pensa num filme que você gostaria muito de ver, sei lá. Tira do baú. — Ele falou agora sério.

— Qualquer um? — Falei pensativa.

— Qualquer um. — Ele assentiu.

— Você vai me achar uma idiota. — Falei dando de ombros agora séria.

— Não vou não. Vamos lá. — Ele disse sorrindo gentilmente agora.

— Barbie. — Falei automaticamente.

— Barbie? Mesmo? — Ele disse escondendo um sorriso.

— Eu falei que você iria me achar uma idiota. — Falei agora fazendo um biquinho de chateada.

— Não acho, acho até fofo. — Ele sorriu carinhosamente. — Vamos lá, qual das Barbies?

— Como assim? — Eu falei confusa ao vê-lo colocando o nome Barbie na aba de pesquisa e apareceram vários.

— Têm vários. — Ele disse olhando para a tela.

— Nossa... Eu só conhecia um. — Falei olhando para a tela. — Esse... — Falei ao vê-lo colocar a seta de pesquisa em um com o título “Barbie- Castelo de diamante.”.

— Mentira. — Ele disse. — Você só assistiu esse? — Ele disse me encarando por um momento e voltando a olhar para a tevê.

— Sim. Era o preferido da minha mãe e o meu. Assistíamos sem parar, então eu, ela e o papai, cantávamos juntos. — Falei rindo com aquela lembrança.

— Parece uma cena e tanta. — Ele disse com um sorriso fofo agora me encarando. — Qual a parte que vocês gostavam de cantar? A da dupla?

— Claro que não. Eu gostava da parte da bruxa! Era mais legal! — Falei rindo.

— Você parece mal mesmo. — Ele riu com aquilo. — Então tá, vamos assistir Barbie.

— Sério? — Eu perguntei ficando séria de repente.

— Não é o que você quer assistir? — Ele perguntou.

— É, mas... A gente não precisa assistir isso. — Eu falei meio que sem graça.

— Que besteira, eu gosto de Barbie. Gosto das mocinhas, mas até que a bruxa não é nada mal. — Ele abriu um sorriso divertido e colocou o filme.

Eu sorri com aquela frase dele, não falei mais nada só desviei o olhar para a tela e me senti hipnotizada pelo filme. Eu pude voltar ao meu passado, me lembrava de cada parte, de cada vez em que meus pais cantavam ao meu lado. Eles costumavam encenar os personagens, me faziam se divertir e gargalhar cada vez que assistíamos aos desenhos e por serem tão incríveis na interpretação da bruxa eu simplesmente escolhia aquele desenho sempre que podia. Me vi cantando baixinho algumas músicas do desenho e rindo em algumas cenas. Eu estava hipnotizada, quase podia sentir o cheiro de meus pais, podia ouvi-los cantando junto comigo... Eu me sentia bem de novo.           

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