REDAÇÕES DE JORNAIS FERVILHAM, É UM FATO. A cada segundo, a cada minuto, os acontecimentos não param. Algo pode acontecer na esquina e, de repente, todas as pautas mudam, repórteres correm, telefones tocam, caixas de e-mail travam, celulares gritam e linhas e mais linhas de texto florescem com uma rapidez invejável. Johnn Kélvi, como sempre, corria de um lado para o outro. Já fizera duas entrevistas com estagiários, “Decepcionantes”, dissera aos colegas após o término das audições, realizara algumas dezenas de ligações e bebera muitos copinhos de café. Diga-se de passagem, café demais até para os padrões jornalísticos.
Há alguns meses, ele fora chamado na sala do diretor do jornal e recebeu uma missão: apurar uma série de denúncias relacionadas ao todo poderoso Friedrich Du
RAMON ESTAVA EM UMA CADEIRA LONGE DA JANELA, ENCOBERTA PELA ESCURIDÃO DO ANOITECER. À frente, na mesa de centro, aquele pequeno quadrado de plástico e metal o incomodava como se lançasse perguntas, dúvidas e seduções. Não sabia de onde tirara coragem para entrar na sala da presidência da Durlland&Co. e copiar os documentos do velho Durlland. Na verdade, pensava agora, aquilo tudo fora quase um milagre.Friedrich não era tolo ao ponto de deixar um HD externo daquele tipo no cofre da empresa. No entanto, sua precaução o deixou vulnerável: havia uma segunda mídia escondida em outro cofre embutido atrás da parede de troféus de Durlland. Ciente do perigo de um ataque à qualquer momento, a raposa velha queria garantir a divulgação dos dados, uma vingança post mortem. Contudo, raposas com fome de poder t&eci
CLINT SONHAVA SONHOS DE SUA INFÂNCIA. Era algo relacionado à uma briga; memórias deixadas em um baú, largadas para serem corroídas pelo envelhecimento. Não deveriam ter saído dali. Porque o fizeram, ele não conseguia se lembrar. Virou-se na cama e abraçou o travesseiro. Resmungou pedidos de socorro e cobriu a cabeça com o lençol. “Não, por favor...”, sussurrou para o tecido. “Eu não posso...”. Tentou afastar algo com as mãos. Começou a chutar, esmurrar e jogar coisas contra o invisível. Ainda de olhos fechados, sentou-se na cama, rosnou para frente e gritou ao ponto de acordar com o próprio grito.Levantou-se num susto como se houvesse pregos no colchão. Observou a escuridão em torno e passou a mão pela nuca. Suas costas doíam. Tateou o corpo na altura das costelas e sentiu
A CASA ESTAVA ÀS ESCURAS QUANDO O GRUPO SURGIU. Vinham em dois carros pretos, sem placas, vidros escuros. Passaram pela residência e pararam mais adiante, sob as árvores da praça em frente. Para garantir o silêncio na madrugada, cuidaram de agarrar o vigia da rua e prendê-lo no porta malas de um dos carros. O apito dele desapareceu em alguma sarjeta.Os seis encapuzados se aproximaram do portão de número 43 e conseguiram abrir a fechadura sem causar qualquer barulho. Chegaram a pensar se não haveria algum alarme. A sorte é que a classe emergente tem a mania de achar que muros altos, cercas elétricas e guardas com apitos são suficientes. Nunca o são, não é mesmo?Carregaram galões para dentro e, ciente dos parcos itens de segurança daquelas casas, deram a volta pela varanda em direção ao quintal. O cachorro latiu e veio ao en
CLINT CAMBALEAVA PELO CORREDOR COMO SE ESTIVESSE BÊBADO. Batia-se pelas paredes, escorava-se nas portas e mal conseguia se manter em uma linha reta. O pé esquerdo, cortado pelos cacos de vidro do espelho, era arrastado pelo chão feito um fardo. Atrás dele, deixava um rastro de umidade pelo carpete do motel. Certas portas chegaram a abrir, olhos a espiar pelas frestas, mas, diante da imagem medonha, logo voltavam à segurança de suas luxúrias. Alguns hóspedes chegaram a ligar para reclamar da confusão e de fato o telefone da direção do Columbia tocou algumas dezenas de vezes. Ninguém atendeu. Leona dera ordens para “encaminharem” o senhor Tenner sem interferir no espetáculo. Ameaçou até mesmo demitir quem ousasse desobedecer às suas coordenadas. Portanto, só restou aos funcionários assistirem ao show pelas câmeras de s
(1978)“Há esperança...”, disse-lhes o psiquiatra, o último de uma lista com doze nomes. Chegaram a se questionar se aquele sujeito sentado ali era de fato um psiquiatra ou algum pregador de autoajuda. “Há esperança” não é o tipo de frase que se aprende nos livros de Psicologia, pensou Nestor Tenner enquanto observava o médico. Ao seu lado, arrumada de modo a parecer “impecavelmente distinta, Nestor!”, a senhora Tenner torcia a alça da bolsa repetidas vezes. Podiam até não admitir, mas queriam aquela esperança.Ao menos, uma gota dela.O pequeno Clint chegara muito cedo. “Cedo demais”, eles confessariam anos mais tarde). Isa tinha apenas 15 anos, Nestor, 17. Não estavam preparados. Em tese, com essa idade, ninguém estaria. Para piorar, o jovem casal tinha alguns diferenciais: viviam em um
Adjetivos não seriam capazes de mensurar o tamanho e a beleza daquele pomar. O terreno se estendida por centenas de metros e descia até alcançar a beira de um riacho. Na parte de cima, mais próxima à casa, as árvores frutíferas brotavam em abundância: era um convite à um banquete para quem quisesse se fartar. Porém, à medida que se afastavam, a mata nativa dominava o terreno até o ponto de passarem a enxergar somente vultos. Para um grupo de adolescentes, não haveria lugar mais interessante. Teresa, Ana Lícia e mais três meninas seguiam na frente acompanhadas de perto pelo tal garoto, Yago, e mais atrás, absorto nos próprios pensamentos, Clint. Andaram por cerca de trinta minutos, cada vez mais afastados na casa principal. Vez por outra, o garoto Tenner se lembrava
LEONA SE ESPREGUIÇOU E SENTIU A ENERGIA FLUIR DOS PÉS À CABEÇA. J.W. ainda dormia ao seu lado, perdido nos sonhos. Ao contrário dele, ela se sentia desperta e pronta para trilhar o caminho rumo à realização do seu próprio objetivo: a presidência da Durlland&Co. Esperara muito por esse dia e quase morrera por ele. Estava na hora da virada de vida. Levantou-se, vestiu um roupão e puxou um cigarro da carteira sobre a cômoda. Acendeu-o e degustou aquela fumaça: até o tabaco parecia ter ganhado novos sabores naquela manhã.Havia um gosto de riqueza. Ao caminhar pelo quarto, viu o celular sobre o criado mudo e segurou a ansiedade de ligar para os sócios e perguntar se tudo estava bem. “Não seja apressada, Leona. Tudo correu como o planejado.
A MORTE TORNA AS PESSOAS HUMANAS. Ela puxa o indivíduo e faz com que ele se lembre do quanto a vida pode ser breve. Acima disso, congrega pessoas e põe fim aos conflitos. Por sua vez, a tragédia, uma de suas causadoras, não apenas leva ao choque como causa uma dor sentida por todos, afinal, morrer é algo da natureza, porém, o modo como se morre vai definir a intensidade da perda.A mulher se curvou sobre o corpo coberto com o lençol do necrotério. O nome do hospital espalhado por toda a extensão do tecido era uma daquelas ironias da vida. Friedrich Ernest Tromnan Durlland, bilionário, dono de grandes empresas, homem poderoso capaz de destruir políticos com apenas um telefonema, fora levado para um hospital público, hospital este sempre ajudado pelo empresário, mas nunca visitado apesar dos diretores enviarem convites quase todos os meses.Friedrich sempre dava um