(1978)
“Há esperança...”, disse-lhes o psiquiatra, o último de uma lista com doze nomes. Chegaram a se questionar se aquele sujeito sentado ali era de fato um psiquiatra ou algum pregador de autoajuda. “Há esperança” não é o tipo de frase que se aprende nos livros de Psicologia, pensou Nestor Tenner enquanto observava o médico. Ao seu lado, arrumada de modo a parecer “impecavelmente distinta, Nestor!”, a senhora Tenner torcia a alça da bolsa repetidas vezes. Podiam até não admitir, mas queriam aquela esperança.
Ao menos, uma gota dela.
O pequeno Clint chegara muito cedo. “Cedo demais”, eles confessariam anos mais tarde). Isa tinha apenas 15 anos, Nestor, 17. Não estavam preparados. Em tese, com essa idade, ninguém estaria. Para piorar, o jovem casal tinha alguns diferenciais: viviam em um
Adjetivos não seriam capazes de mensurar o tamanho e a beleza daquele pomar. O terreno se estendida por centenas de metros e descia até alcançar a beira de um riacho. Na parte de cima, mais próxima à casa, as árvores frutíferas brotavam em abundância: era um convite à um banquete para quem quisesse se fartar. Porém, à medida que se afastavam, a mata nativa dominava o terreno até o ponto de passarem a enxergar somente vultos. Para um grupo de adolescentes, não haveria lugar mais interessante. Teresa, Ana Lícia e mais três meninas seguiam na frente acompanhadas de perto pelo tal garoto, Yago, e mais atrás, absorto nos próprios pensamentos, Clint. Andaram por cerca de trinta minutos, cada vez mais afastados na casa principal. Vez por outra, o garoto Tenner se lembrava
LEONA SE ESPREGUIÇOU E SENTIU A ENERGIA FLUIR DOS PÉS À CABEÇA. J.W. ainda dormia ao seu lado, perdido nos sonhos. Ao contrário dele, ela se sentia desperta e pronta para trilhar o caminho rumo à realização do seu próprio objetivo: a presidência da Durlland&Co. Esperara muito por esse dia e quase morrera por ele. Estava na hora da virada de vida. Levantou-se, vestiu um roupão e puxou um cigarro da carteira sobre a cômoda. Acendeu-o e degustou aquela fumaça: até o tabaco parecia ter ganhado novos sabores naquela manhã.Havia um gosto de riqueza. Ao caminhar pelo quarto, viu o celular sobre o criado mudo e segurou a ansiedade de ligar para os sócios e perguntar se tudo estava bem. “Não seja apressada, Leona. Tudo correu como o planejado.
A MORTE TORNA AS PESSOAS HUMANAS. Ela puxa o indivíduo e faz com que ele se lembre do quanto a vida pode ser breve. Acima disso, congrega pessoas e põe fim aos conflitos. Por sua vez, a tragédia, uma de suas causadoras, não apenas leva ao choque como causa uma dor sentida por todos, afinal, morrer é algo da natureza, porém, o modo como se morre vai definir a intensidade da perda.A mulher se curvou sobre o corpo coberto com o lençol do necrotério. O nome do hospital espalhado por toda a extensão do tecido era uma daquelas ironias da vida. Friedrich Ernest Tromnan Durlland, bilionário, dono de grandes empresas, homem poderoso capaz de destruir políticos com apenas um telefonema, fora levado para um hospital público, hospital este sempre ajudado pelo empresário, mas nunca visitado apesar dos diretores enviarem convites quase todos os meses.Friedrich sempre dava um
EM FRENTE AOS ESCOMBROS DO TRIBUNA IMPARCIAL, JOHNN KÉLVI ACABARA DE CONCEDER A ÚLTIMA ENTREVISTA DAQUELE DIA. Há alguns metros, o chefe gesticulava em frente às câmeras e gritava impropérios contra as dezenas de políticos envolvidos no esquema da companhia siderúrgica. Horas antes, apesar de abalado pela explosão da casa, Johnn se encontrara com Ramon, tão desnorteado quanto ele, e recebera do senhor Sanmaris a caixa de Pandora. Os momentos antes de ter conhecimento sobre o atentado ao jornal haviam sido de reflexão. Sentado em uma espelunca com uma xícara de café à sua frente, o jornalista já fumara quase um maço de cigarro. Nunca havia fumado nessas quase quatro décadas de vida. Deliciou-se ao constatar como a beira do abismo e a iminência da morte trazem gost
A CAMPAINHA TOCOU E FOI ACOMPANHADA POR BATIDAS NA PORTA. Atordoadas, Beatriz e Milena correram para verificar quem era e tomaram um susto: ao abrirem a porta, depararam-se com vários carros da Polícia Federal, repórteres e curiosos com a movimentação. — Bom dia, senhoras. - um homem acompanhado de mais quatro de colete entregou um documento para as duas. — Nós buscamos pelo senhor Clint Tenner. Podemos entrar? — S-S-Sim... – Beatriz fechou o roupão com as mãos e acompanhou os policiais pela casa. Andaram por todos os aposentos em busca de Clint. Após quinze minutos de busca, agradeceram e fizeram menção de sair, mas Beatriz os interrompeu. —
O LOCUTOR DA RÁDIO ATUALIZAVA AS INFORMAÇÕES SOBRE O CASO DURLLAND DE MINUTO A MINUTO COM UMA ENTONAÇÃO À BEIRA DO ÊXTASE. A emissora nunca tivera tanta audiência quanto naquela manhã. Atrás do volante, a cabeça de Rita buscava encontrar encaixes entre os três objetivos: manter a calma enquanto dirigia, encontrar Clint e não surtar. Estava difícil. Vinte minutos antes, quando recebeu a ligação de Leona, ela pegou algumas economias e rumou para a delegacia. Muitos pensariam se tratar de um movimento de solidariedade e de altruísmo. Amizade. Estariam enganados. Rita temia ver o próprio nome e o da família ainda mais afundados na lama. A prisão de Leona Castri significava expor o acordo en
Êxtase.O pesadelo estava em êxtase. Sim, conseguira: ali estava o seu trunfo após todos aqueles anos, após toda aquela jornada. Mas nunca houvera outra... Não, não houvera. Era ela, sim. Só ela. A única recusa; a única ousada ao ponto de impedir o prazer. Rita... Tão parecida com a irmã... Mas não era ela...Não, não era.Nem os garotos e as garotas, homens, mulheres e travestis, Leona, Typhany, Jonas, Rita, Yago, Lima, Rafaela... Por quanto tempo buscou o gosto dela, da sua Beatriz?Jéssica...Não! Tentou afastar o pensamento...Não... ou sim?Sim! Acabaria sua refeição e buscaria a sobremesa. Esperava encontrar a filha em casa, mas apenas o prato principal se ofereceu pa
Dois anos depois. “LEVANTAR-SE É UM ATO DE CORAGEM”. Rita dizia isso para si mesma todos os dias, há mais de setecentos dias. Diferente de anos antes, agora ela não mais se apressava para acordar antes do sol nascer. No passado, sentia orgulho de acordar às três e meia da manhã, às vezes até mais cedo, para fazer os exercícios físicos do dia e adiantar algum trabalho. Antes, Rita não se importava com a escuridão das madrugadas. Antes, Rita tinha medos internos em nada comparados às possíveis ameaças ao redor. Antes, Rita vivia em um palco de teatro.&nbs