Henrique Gomes Gonçalves, mais conhecido como Henggo, é jornalista, artista plástico e escritor. Maranhense de São Luís, apaixonou-se pela literatura aos 12 anos, quando reescrevia os livros paradidáticos da escola para “dar mais emoção”. Amante do silêncio e das tardes sentado na areia da praia, envolto pela cultura quilombola da família, vive com os olhos voltados para as estrelas, um sentimento de curiosidade perante o mundo que permeia todos os seus textos. Acima de tudo, é um fiel defensor de histórias que mergulhem na brasilidade e na diversidade da sociedade. Afinal, há algo mais instigante do que a mente humana e suas problemáticas? Saiba mais sobre o autor em www.henggo.com.br
#pratodosverem | Descrição da capa: Ao fundo, vê-se a imagem de uma pessoa sentada diante de uma parede preta. A cabeça está coberta por um pano vermelho. As penas entrecruzadas à frente do corpo revelam parte das coxas e das nádegas. No alto da capa, em letras brancas, lê-se a apresentação “um thriller erótico de” seguido na linha abaixo pelo nome do autor em letras garrafais, “Henggo”. Em frente à imagem dessa pessoa, tem-se uma pergunta também em letras brancas: “Qual o limite da sua luxúria?”. Abaixo dessa frase, vê-se o título estilizado do livro. Em letras grandes, tem-se a palavra “Voo”. Dentro da última letra, o artigo “um” em vermelho. Abaixo desse conjunto, o complemento “na escuridão”. Assim, forma-se o título: “Um voo na escuridão”.
SENTIA-SE UM LIXO. Na terceira vez prometera parar e não conseguira. Protelou a decisão e, após dezenas de encontros, assumiu a culpa. Ao menos, agora reconhecia o erro. “A última vez. Dessa vez é pra valer...”, pensou.Jogou água no rosto, ajeitou a gravata e voltou para a mesa. O nervosismo era visível e os colegas o percebiam. Ele olhava para todos os lados, a tremedeira das mãos fazia os dedos sapatearem pelo teclado, os pés não paravam quietos. E ainda havia uma coceirinha a salpicar pelo corpo. Por fim, após quarenta minutos de agonia, a hora do almoço chegou e seus dois companheiros de sala saíram. Tomou ar. A sala pareceu inspirar junto com ele e prender o fôlego. A tensão maculava a brancura das paredes.Do porta-retrato ao lado do computador, ela o observou. Mesmo ali, em um emaranhado de tinta, cores e papel fotogr&aac
CLINT ACORDOU AINDA ENVOLTO PELA ESCURIDÃO. Fora a melhor noite de sua vida. Tateou pela cama em desespero até encontrar o corpo ao seu lado. A mão deslizou por aquela pele como se tocasse em veludo. As coxas, as curvas, o sexo, tudo parecia esculpido em uma perfeição digna dos grandes escultores. “Deus existe.”, Clint sorriu. Levou a mão ao rosto da mulher e, como o combinado, ela ainda estava com a máscara. Resistiu à tentação de a arrancar e dar-lhe um beijo. Pensou em ligar a luz para ver aquele corpo deitado ao lado e chegou mesmo a sentar na cama pronto para se levantar, quando um choque o atingiu.Não podia fazer isso. Se dissesse não ter pensado em Rita naquela noite estaria mentindo. Porém, diferente do previsto, a imagem da esposa surgiu mais como um símbolo d
A TERÇA-FEIRA CHEGOU E TROUXE NOTAS DE ESTRANHEZA DILUÍDAS PELO AR. Como de praxe, tremores passeavam pelo corpo dele e a ansiedade se misturava ao cheiro do perfume. Mas dessa vez sentia algo mais intenso, como um corredor que chega à maratona e sabe que estará no alto do pódio. Apenas sabe.Clint passou o final de semana imerso em planos para encontrar uma forma de descobrir quem era aquela mulher com quem marcara o encontro. Poderia oferecer uma boa quantia em dinheiro para ela se mostrar; poderia apenas ligar a luz e arrancar a droga da máscara. É, sim, poderia. Porém, Clint gostava do desafio; do instinto quase animalesco de se esgueirar pelas bordas para abocanhar a presa.— Eu te disse que isso não ia certo. – Ramon comentou enquanto conversavam no refeitório da empresa. O amigo acabara de lhe contar sobre o encontro misterioso ocorrido na sexta-feira e sobre os pl
RITA ACORDOU, VIROU-SE NA CAMA E O CORAÇÃO DISPAROU. Clint sorria para ela sentado na poltrona no canto do quarto.— O q-que você faz aqui? Fora. FORA! – gritou e puxou os lençóis para cobrir o busto.O sorriso dele murchou e deu lugar ao desprezo. Contudo, quando falou foi em um tom de voz pacificador.— Rita, calma. Eu preciso muito falar com você. Por favor, eu...— SAI DO MEU QUARTO, CLINT!— Rita, por favor. Por favor, me escuta!Ele nunca foi disso, Rita lembrou. Os níveis de urgência de Clint podiam ser medidos pelo lugar escolhido para uma conversa importante. Se fosse na cama, logo ao amanhecer, era algo trivial, coisas do dia-a-dia. Conversas à mesa do café-da-manhã significavam algo de importância mediana. Quando esperava por ela sentado no sofá da sala até tarde da noite, a
AO VER OS FAROIS DO CARRO DE CLINT ENTRANDO NA GARAGEM, RITA SE PREPAROU PARA O MAIOR PASSO DE SUA VIDA. Não estava acostumada a ter aquele tipo de conversa, ainda mais uma que envolvia interesses tão delicados e o manejo de ofertas. De fato, sentia-se em um jogo de xadrez. A vantagem era que o rei estava em suas mãos.O difícil era não deixar o amor da rainha estragar tudo.Horas antes, a possibilidade de fazer um jantar para os dois lhe passou pela mente, mas desistiu ao perceber o quanto seria ridículo. Aquela conversa não seria uma reconciliação; não teriam um reencontro seis anos depois. “Você está em guerra, sua tola!”, a voz lhe alertou. Largou o livro de receitas sobre a bancada da cozinha e foi para a sala, o lugar onde, três horas depois, Clint a encontrou ao abrir a porta.Rita esperou ele se acomodar na poltrona de frente par
FRIEDRICH DURLLAND SE LEVANTOU DA CAMA COM DISPOSIÇÃO PARA CORRER E ASSIM O FEZ. O dia parecia decidido a colaborar com o humor dele e, ele assim previu ao acordar, o sol daquela manhã seria o indicativo de paz e harmonia. Voltou para casa, tomou café junto com os funcionários da residência e depois recolheu-se ao escritório para preservar o hábito de ler as notícias. Deu “olá” para o retrato da esposa, acomodou-se em uma poltrona, pôs os pés em uma banqueta e pegou o tablet. Sorria enquanto observava notas sobre a trivialidade dos famosos e continuou de bom humor diante das colunas sobre política. Deslizou mais algumas telas até uma certa imagem chamar sua atenção.Analisou-a e arregalou os olhos.Atualizou a página um par de vezes como se isso fosse fazer os pixels sumirem e desfazem o estrago na vida real. “Ele n
A SEGUNDA-FEIRA DESPERTOU VESTIDA COM FRIAGEM E NÉVOA. Muitos demoraram a sair da cama e poucos carros circulavam pela cidade. Enregelado, Ramon era um dos poucos com disposição para caminhar pelas ruas àquela hora da manhã. Preferiria ficar mais algumas horas na cama, mas a enrolada em que se envolvera o obrigava a enfrentar o frio rumo ao prédio da Durlland&Co. Enfiou as mãos no casaco e apertou o passo. A friagem não arrefeceu. “Onde é que eu fui me meter, meu Deus?”. Ao passar pela vitrine de uma loja de roupas masculinas, ele estancou. Um dos manequins trajava um terno de centenas de reais e usava um chapéu que fazia sombras sobre o rosto do boneco. Lembrou-se das palavras do pai ditas muitos anos atrás, pouco antes de o filho começar a trabalhar na companhia siderúrgica.“O trabalho é um bom lugar para conhecer amigos