RITA ACORDOU, VIROU-SE NA CAMA E O CORAÇÃO DISPAROU. Clint sorria para ela sentado na poltrona no canto do quarto.
— O q-que você faz aqui? Fora. FORA! – gritou e puxou os lençóis para cobrir o busto.
O sorriso dele murchou e deu lugar ao desprezo. Contudo, quando falou foi em um tom de voz pacificador.
— Rita, calma. Eu preciso muito falar com você. Por favor, eu...
— SAI DO MEU QUARTO, CLINT!
— Rita, por favor. Por favor, me escuta!
Ele nunca foi disso, Rita lembrou. Os níveis de urgência de Clint podiam ser medidos pelo lugar escolhido para uma conversa importante. Se fosse na cama, logo ao amanhecer, era algo trivial, coisas do dia-a-dia. Conversas à mesa do café-da-manhã significavam algo de importância mediana. Quando esperava por ela sentado no sofá da sala até tarde da noite, a
AO VER OS FAROIS DO CARRO DE CLINT ENTRANDO NA GARAGEM, RITA SE PREPAROU PARA O MAIOR PASSO DE SUA VIDA. Não estava acostumada a ter aquele tipo de conversa, ainda mais uma que envolvia interesses tão delicados e o manejo de ofertas. De fato, sentia-se em um jogo de xadrez. A vantagem era que o rei estava em suas mãos.O difícil era não deixar o amor da rainha estragar tudo.Horas antes, a possibilidade de fazer um jantar para os dois lhe passou pela mente, mas desistiu ao perceber o quanto seria ridículo. Aquela conversa não seria uma reconciliação; não teriam um reencontro seis anos depois. “Você está em guerra, sua tola!”, a voz lhe alertou. Largou o livro de receitas sobre a bancada da cozinha e foi para a sala, o lugar onde, três horas depois, Clint a encontrou ao abrir a porta.Rita esperou ele se acomodar na poltrona de frente par
FRIEDRICH DURLLAND SE LEVANTOU DA CAMA COM DISPOSIÇÃO PARA CORRER E ASSIM O FEZ. O dia parecia decidido a colaborar com o humor dele e, ele assim previu ao acordar, o sol daquela manhã seria o indicativo de paz e harmonia. Voltou para casa, tomou café junto com os funcionários da residência e depois recolheu-se ao escritório para preservar o hábito de ler as notícias. Deu “olá” para o retrato da esposa, acomodou-se em uma poltrona, pôs os pés em uma banqueta e pegou o tablet. Sorria enquanto observava notas sobre a trivialidade dos famosos e continuou de bom humor diante das colunas sobre política. Deslizou mais algumas telas até uma certa imagem chamar sua atenção.Analisou-a e arregalou os olhos.Atualizou a página um par de vezes como se isso fosse fazer os pixels sumirem e desfazem o estrago na vida real. “Ele n
A SEGUNDA-FEIRA DESPERTOU VESTIDA COM FRIAGEM E NÉVOA. Muitos demoraram a sair da cama e poucos carros circulavam pela cidade. Enregelado, Ramon era um dos poucos com disposição para caminhar pelas ruas àquela hora da manhã. Preferiria ficar mais algumas horas na cama, mas a enrolada em que se envolvera o obrigava a enfrentar o frio rumo ao prédio da Durlland&Co. Enfiou as mãos no casaco e apertou o passo. A friagem não arrefeceu. “Onde é que eu fui me meter, meu Deus?”. Ao passar pela vitrine de uma loja de roupas masculinas, ele estancou. Um dos manequins trajava um terno de centenas de reais e usava um chapéu que fazia sombras sobre o rosto do boneco. Lembrou-se das palavras do pai ditas muitos anos atrás, pouco antes de o filho começar a trabalhar na companhia siderúrgica.“O trabalho é um bom lugar para conhecer amigos
O QUARTO DE RAMON SANMARIS ERA UMA EXTENSÃO DA ORGANIZAÇÃO DO SEU DONO. O cinza das cobertas da cama se destacava ao centro ladeado pela palidez do guarda-roupas, algumas prateleiras da mesma cor e uma mesinha de cabeceira onde repousavam uma imagem de São José e um terço desgastado. Clint entrou naquele mosteiro e logo tratou de escancarar as cortinas e abrir a varanda. Se o amigo não tivesse um filho ou não estivesse enrolado em um processo de separação, juraria que ali era a morada de um padre. Preferia ter ficado em casa, mas o amigo insistiu em levá-lo para o apartamento ao ver o estado em que Clint ficara após a notícia sobre ser o novo presidente da companhia siderúrgica. Sentou-se na cama e encarou as paredes. A placidez quase divina do quarto estava replicada em todos os demais aposentos.
CLINT CHEGOU EM CASA E DEIXOU-SE DESPENCAR NO SOFÁ DA SALA. As paredes giraram e um gosto azedo lhe veio à boca em uma brincadeira de subir e descer pelo esôfago. Fez um esforço para engolir o desconforto e observou os móveis. Nem ele nem Rita tinham uma religião definida. Assim, não havia imagens, cruzes ou rosários espalhados pela casa dispostos a bater um papo com ele.Sentiu o celular vibrar no bolso da calça. Não teve coragem de atender. Queria desaparecer. Se o termo “diretor de projetos” já era pesado, imagine a palavra “presidente”. Como teria cabeça para assumir a Durlland&Co. e ao mesmo tempo lidar com toda a situação com Rita?Olhou para o teto. O zunido do motor da geladeira era uma música estranha. Nunca o notara antes. Mesmo com a cozinha a certa distância, o som chegava até ali
— E AÍ, NADA MESMO? – Beatriz terminava de arrumar a bolsa e já estava com a chave do carro nas mãos. — O Clint não é de recusar chamadas... Ainda mais a uma hora dessas da manhã. Eu o conheço, ele costuma acordar cedo... — O Clint que você conhecia, né, Rita? Porque, não sei se você percebeu, agora as coisas pioraram de vez. Não sei como você ainda consegue pensar em ligar pra ele... — Elas adoram o pai, Beatriz. Além disso... sabe... — Além disso o quê? – a irmã encarou a outra no esf
CERCADO POR CAIXAS E CORREIRA, FRIEDRICH PREPARAVA SUA MUDANÇA. Com os documentos encaminhados, reuniões realizadas e chantagens reforçadas, a saída do país seria tranquila. Em dois dias, teria a festa de apresentação de Tenner como novo presidente, uma oportunidade perfeita para encantar a opinião pública e justificar seu afastamento da empresa. Deixar a Durlland&Co. não foi tão fácil como previu. Não era como se livrar de livros velhos ou doar roupas usadas para outras pessoas. A Durlland era fruto de muito trabalho, muitas dores de cabeça e, não podia negar, milhões e milhões distribuídos para as “pessoas certas”. “Um mal necessário.”, ele justificava para si mesmo. Recebeu a empresa das mãos do pai
J.W. ABOTOAVA A CAMISA DE OLHO EM LEONA. Desde a assinatura de tudo e o anúncio oficial da mudança de presidente, a mulher, cujo nível de efusividade beirava o limite do bom senso, andava calada. — O que é que você tem, hein?! — Por quê? O olhar dela em direção à ele condizia com o seu nome. Iria atacar ao primeiro vestígio de fraqueza. — Não.... É que, sabe, você tá t-tão... calada. Tá esqui-quisita... Pela janela, Leona observou seus pensamentos correrem em dire&ccedi