CERCADO POR CAIXAS E CORREIRA, FRIEDRICH PREPARAVA SUA MUDANÇA. Com os documentos encaminhados, reuniões realizadas e chantagens reforçadas, a saída do país seria tranquila. Em dois dias, teria a festa de apresentação de Tenner como novo presidente, uma oportunidade perfeita para encantar a opinião pública e justificar seu afastamento da empresa.
Deixar a Durlland&Co. não foi tão fácil como previu. Não era como se livrar de livros velhos ou doar roupas usadas para outras pessoas. A Durlland era fruto de muito trabalho, muitas dores de cabeça e, não podia negar, milhões e milhões distribuídos para as “pessoas certas”. “Um mal necessário.”, ele justificava para si mesmo. Recebeu a empresa das mãos do pai
J.W. ABOTOAVA A CAMISA DE OLHO EM LEONA. Desde a assinatura de tudo e o anúncio oficial da mudança de presidente, a mulher, cujo nível de efusividade beirava o limite do bom senso, andava calada. — O que é que você tem, hein?! — Por quê? O olhar dela em direção à ele condizia com o seu nome. Iria atacar ao primeiro vestígio de fraqueza. — Não.... É que, sabe, você tá t-tão... calada. Tá esqui-quisita... Pela janela, Leona observou seus pensamentos correrem em dire&ccedi
DO OUTRO LADO DA CIDADE, RITA SE LEVANTOU DA CAMA COM DOR DE CABEÇA. Não gostava daquilo. Suas enxaquecas sempre vinham como o prenúncio de uma catástrofe. A última, duas semanas antes, despontara no dia da conversa com Clint sobre a tal festa da Durlland&Co. Ironia ou não, a dor decidira voltar um dia antes da comemoração, talvez para lhe chamar de “burra”. Mesmo após a briga com Clint, Rita decidiu ir à tal festa. Beatriz vociferou e gritou, chamou-a de “escrava de Clint”; de uma “mulher sem amor próprio”. Rita apenas ouviu sem nada dizer. Em sua consciência, ela pensava, devia essa última empreitada ao lado dele, afinal, havia um segredo, um último segredo. Se Clint agora chegava à presidência da empresa, o trunfo também era de
CLINT OLHOU PARA O LADO. Se lhe dissessem que acabara de despertar no inferno, ele não duvidaria. Havia pessoas por todo o canto daquele quarto, algumas pelo chão, outras no sofá e pelo menos umas cinco emboladas com ele na cama. Mulheres e homens nus como em um quadro medieval feito para representar o pecado. O cheiro de sexo poluía o aposento e era quase palpável, a luxúria a impregnar as roupas e os móveis. Era como se Calígula, De olhos bem fechados e Saló ou 120 dias de Sodoma fossem aglutinados para formarem um novo filme onde ele, senhor de todos os pecados, seria um deus dos prazeres.Tenner se sentou na cama e só então notou um detalhe: todos estavam sem máscaras. Sátiros, ninfas, mênades e príncipes cujas juventudes dos rostos estavam petrificadas pelo sono, todos vestidos apenas pela marca do Columbia: uma tatu
REDAÇÕES DE JORNAIS FERVILHAM, É UM FATO. A cada segundo, a cada minuto, os acontecimentos não param. Algo pode acontecer na esquina e, de repente, todas as pautas mudam, repórteres correm, telefones tocam, caixas de e-mail travam, celulares gritam e linhas e mais linhas de texto florescem com uma rapidez invejável. Johnn Kélvi, como sempre, corria de um lado para o outro. Já fizera duas entrevistas com estagiários, “Decepcionantes”, dissera aos colegas após o término das audições, realizara algumas dezenas de ligações e bebera muitos copinhos de café. Diga-se de passagem, café demais até para os padrões jornalísticos.Há alguns meses, ele fora chamado na sala do diretor do jornal e recebeu uma missão: apurar uma série de denúncias relacionadas ao todo poderoso Friedrich Du
RAMON ESTAVA EM UMA CADEIRA LONGE DA JANELA, ENCOBERTA PELA ESCURIDÃO DO ANOITECER. À frente, na mesa de centro, aquele pequeno quadrado de plástico e metal o incomodava como se lançasse perguntas, dúvidas e seduções. Não sabia de onde tirara coragem para entrar na sala da presidência da Durlland&Co. e copiar os documentos do velho Durlland. Na verdade, pensava agora, aquilo tudo fora quase um milagre.Friedrich não era tolo ao ponto de deixar um HD externo daquele tipo no cofre da empresa. No entanto, sua precaução o deixou vulnerável: havia uma segunda mídia escondida em outro cofre embutido atrás da parede de troféus de Durlland. Ciente do perigo de um ataque à qualquer momento, a raposa velha queria garantir a divulgação dos dados, uma vingança post mortem. Contudo, raposas com fome de poder t&eci
CLINT SONHAVA SONHOS DE SUA INFÂNCIA. Era algo relacionado à uma briga; memórias deixadas em um baú, largadas para serem corroídas pelo envelhecimento. Não deveriam ter saído dali. Porque o fizeram, ele não conseguia se lembrar. Virou-se na cama e abraçou o travesseiro. Resmungou pedidos de socorro e cobriu a cabeça com o lençol. “Não, por favor...”, sussurrou para o tecido. “Eu não posso...”. Tentou afastar algo com as mãos. Começou a chutar, esmurrar e jogar coisas contra o invisível. Ainda de olhos fechados, sentou-se na cama, rosnou para frente e gritou ao ponto de acordar com o próprio grito.Levantou-se num susto como se houvesse pregos no colchão. Observou a escuridão em torno e passou a mão pela nuca. Suas costas doíam. Tateou o corpo na altura das costelas e sentiu
A CASA ESTAVA ÀS ESCURAS QUANDO O GRUPO SURGIU. Vinham em dois carros pretos, sem placas, vidros escuros. Passaram pela residência e pararam mais adiante, sob as árvores da praça em frente. Para garantir o silêncio na madrugada, cuidaram de agarrar o vigia da rua e prendê-lo no porta malas de um dos carros. O apito dele desapareceu em alguma sarjeta.Os seis encapuzados se aproximaram do portão de número 43 e conseguiram abrir a fechadura sem causar qualquer barulho. Chegaram a pensar se não haveria algum alarme. A sorte é que a classe emergente tem a mania de achar que muros altos, cercas elétricas e guardas com apitos são suficientes. Nunca o são, não é mesmo?Carregaram galões para dentro e, ciente dos parcos itens de segurança daquelas casas, deram a volta pela varanda em direção ao quintal. O cachorro latiu e veio ao en
CLINT CAMBALEAVA PELO CORREDOR COMO SE ESTIVESSE BÊBADO. Batia-se pelas paredes, escorava-se nas portas e mal conseguia se manter em uma linha reta. O pé esquerdo, cortado pelos cacos de vidro do espelho, era arrastado pelo chão feito um fardo. Atrás dele, deixava um rastro de umidade pelo carpete do motel. Certas portas chegaram a abrir, olhos a espiar pelas frestas, mas, diante da imagem medonha, logo voltavam à segurança de suas luxúrias. Alguns hóspedes chegaram a ligar para reclamar da confusão e de fato o telefone da direção do Columbia tocou algumas dezenas de vezes. Ninguém atendeu. Leona dera ordens para “encaminharem” o senhor Tenner sem interferir no espetáculo. Ameaçou até mesmo demitir quem ousasse desobedecer às suas coordenadas. Portanto, só restou aos funcionários assistirem ao show pelas câmeras de s