CLINT SONHAVA SONHOS DE SUA INFÂNCIA. Era algo relacionado à uma briga; memórias deixadas em um baú, largadas para serem corroídas pelo envelhecimento. Não deveriam ter saído dali. Porque o fizeram, ele não conseguia se lembrar. Virou-se na cama e abraçou o travesseiro. Resmungou pedidos de socorro e cobriu a cabeça com o lençol. “Não, por favor...”, sussurrou para o tecido. “Eu não posso...”. Tentou afastar algo com as mãos. Começou a chutar, esmurrar e jogar coisas contra o invisível. Ainda de olhos fechados, sentou-se na cama, rosnou para frente e gritou ao ponto de acordar com o próprio grito.
Levantou-se num susto como se houvesse pregos no colchão. Observou a escuridão em torno e passou a mão pela nuca. Suas costas doíam. Tateou o corpo na altura das costelas e sentiu
A CASA ESTAVA ÀS ESCURAS QUANDO O GRUPO SURGIU. Vinham em dois carros pretos, sem placas, vidros escuros. Passaram pela residência e pararam mais adiante, sob as árvores da praça em frente. Para garantir o silêncio na madrugada, cuidaram de agarrar o vigia da rua e prendê-lo no porta malas de um dos carros. O apito dele desapareceu em alguma sarjeta.Os seis encapuzados se aproximaram do portão de número 43 e conseguiram abrir a fechadura sem causar qualquer barulho. Chegaram a pensar se não haveria algum alarme. A sorte é que a classe emergente tem a mania de achar que muros altos, cercas elétricas e guardas com apitos são suficientes. Nunca o são, não é mesmo?Carregaram galões para dentro e, ciente dos parcos itens de segurança daquelas casas, deram a volta pela varanda em direção ao quintal. O cachorro latiu e veio ao en
CLINT CAMBALEAVA PELO CORREDOR COMO SE ESTIVESSE BÊBADO. Batia-se pelas paredes, escorava-se nas portas e mal conseguia se manter em uma linha reta. O pé esquerdo, cortado pelos cacos de vidro do espelho, era arrastado pelo chão feito um fardo. Atrás dele, deixava um rastro de umidade pelo carpete do motel. Certas portas chegaram a abrir, olhos a espiar pelas frestas, mas, diante da imagem medonha, logo voltavam à segurança de suas luxúrias. Alguns hóspedes chegaram a ligar para reclamar da confusão e de fato o telefone da direção do Columbia tocou algumas dezenas de vezes. Ninguém atendeu. Leona dera ordens para “encaminharem” o senhor Tenner sem interferir no espetáculo. Ameaçou até mesmo demitir quem ousasse desobedecer às suas coordenadas. Portanto, só restou aos funcionários assistirem ao show pelas câmeras de s
(1978)“Há esperança...”, disse-lhes o psiquiatra, o último de uma lista com doze nomes. Chegaram a se questionar se aquele sujeito sentado ali era de fato um psiquiatra ou algum pregador de autoajuda. “Há esperança” não é o tipo de frase que se aprende nos livros de Psicologia, pensou Nestor Tenner enquanto observava o médico. Ao seu lado, arrumada de modo a parecer “impecavelmente distinta, Nestor!”, a senhora Tenner torcia a alça da bolsa repetidas vezes. Podiam até não admitir, mas queriam aquela esperança.Ao menos, uma gota dela.O pequeno Clint chegara muito cedo. “Cedo demais”, eles confessariam anos mais tarde). Isa tinha apenas 15 anos, Nestor, 17. Não estavam preparados. Em tese, com essa idade, ninguém estaria. Para piorar, o jovem casal tinha alguns diferenciais: viviam em um
Adjetivos não seriam capazes de mensurar o tamanho e a beleza daquele pomar. O terreno se estendida por centenas de metros e descia até alcançar a beira de um riacho. Na parte de cima, mais próxima à casa, as árvores frutíferas brotavam em abundância: era um convite à um banquete para quem quisesse se fartar. Porém, à medida que se afastavam, a mata nativa dominava o terreno até o ponto de passarem a enxergar somente vultos. Para um grupo de adolescentes, não haveria lugar mais interessante. Teresa, Ana Lícia e mais três meninas seguiam na frente acompanhadas de perto pelo tal garoto, Yago, e mais atrás, absorto nos próprios pensamentos, Clint. Andaram por cerca de trinta minutos, cada vez mais afastados na casa principal. Vez por outra, o garoto Tenner se lembrava
LEONA SE ESPREGUIÇOU E SENTIU A ENERGIA FLUIR DOS PÉS À CABEÇA. J.W. ainda dormia ao seu lado, perdido nos sonhos. Ao contrário dele, ela se sentia desperta e pronta para trilhar o caminho rumo à realização do seu próprio objetivo: a presidência da Durlland&Co. Esperara muito por esse dia e quase morrera por ele. Estava na hora da virada de vida. Levantou-se, vestiu um roupão e puxou um cigarro da carteira sobre a cômoda. Acendeu-o e degustou aquela fumaça: até o tabaco parecia ter ganhado novos sabores naquela manhã.Havia um gosto de riqueza. Ao caminhar pelo quarto, viu o celular sobre o criado mudo e segurou a ansiedade de ligar para os sócios e perguntar se tudo estava bem. “Não seja apressada, Leona. Tudo correu como o planejado.
A MORTE TORNA AS PESSOAS HUMANAS. Ela puxa o indivíduo e faz com que ele se lembre do quanto a vida pode ser breve. Acima disso, congrega pessoas e põe fim aos conflitos. Por sua vez, a tragédia, uma de suas causadoras, não apenas leva ao choque como causa uma dor sentida por todos, afinal, morrer é algo da natureza, porém, o modo como se morre vai definir a intensidade da perda.A mulher se curvou sobre o corpo coberto com o lençol do necrotério. O nome do hospital espalhado por toda a extensão do tecido era uma daquelas ironias da vida. Friedrich Ernest Tromnan Durlland, bilionário, dono de grandes empresas, homem poderoso capaz de destruir políticos com apenas um telefonema, fora levado para um hospital público, hospital este sempre ajudado pelo empresário, mas nunca visitado apesar dos diretores enviarem convites quase todos os meses.Friedrich sempre dava um
EM FRENTE AOS ESCOMBROS DO TRIBUNA IMPARCIAL, JOHNN KÉLVI ACABARA DE CONCEDER A ÚLTIMA ENTREVISTA DAQUELE DIA. Há alguns metros, o chefe gesticulava em frente às câmeras e gritava impropérios contra as dezenas de políticos envolvidos no esquema da companhia siderúrgica. Horas antes, apesar de abalado pela explosão da casa, Johnn se encontrara com Ramon, tão desnorteado quanto ele, e recebera do senhor Sanmaris a caixa de Pandora. Os momentos antes de ter conhecimento sobre o atentado ao jornal haviam sido de reflexão. Sentado em uma espelunca com uma xícara de café à sua frente, o jornalista já fumara quase um maço de cigarro. Nunca havia fumado nessas quase quatro décadas de vida. Deliciou-se ao constatar como a beira do abismo e a iminência da morte trazem gost
A CAMPAINHA TOCOU E FOI ACOMPANHADA POR BATIDAS NA PORTA. Atordoadas, Beatriz e Milena correram para verificar quem era e tomaram um susto: ao abrirem a porta, depararam-se com vários carros da Polícia Federal, repórteres e curiosos com a movimentação. — Bom dia, senhoras. - um homem acompanhado de mais quatro de colete entregou um documento para as duas. — Nós buscamos pelo senhor Clint Tenner. Podemos entrar? — S-S-Sim... – Beatriz fechou o roupão com as mãos e acompanhou os policiais pela casa. Andaram por todos os aposentos em busca de Clint. Após quinze minutos de busca, agradeceram e fizeram menção de sair, mas Beatriz os interrompeu. —