Acordei com o som suave de risadas e gorgolejos vindo do berço improvisado ao lado da minha cama. Ian, o pequeno enigma que havia virado minha vida de cabeça para baixo, estava acordado e pronto para enfrentar o dia. Sentei-me na cama, sentindo o cansaço das últimas noites mal dormidas, mas também uma onda de carinho ao ver seu rosto sorridente.
— Bom dia, pequeno — murmurei, pegando-o nos braços. Seus olhinhos curiosos me observaram enquanto eu o balançava levemente.
Jonas ainda estava dormindo no sofá da sala, exausto depois de tanto reclamar que Ian não parava de chorar e que não conseguia ficar no quarto com a gente. Tivemos uma breve briga na qual o mandei para casa, mas o sofá acabou sendo um bom meio termo. Levantei-me com cuidado para não o acordar e levei Ian para a cozinha. Precisávamos de um café da manhã reforçado.
Coloquei Ian no cercadinho que havia improvisado com almofadas no chão e comecei a preparar algo para nós. Ian me observava com seus olhos grandes, balbuciando palavras incompreensíveis que me faziam rir.
— Vamos ver se consigo fazer isso direito, pequeno — disse, colocando leite no fogão. Mas, antes que percebesse, o leite começou a ferver e transbordou, criando uma pequena bagunça.
— Ah, não! — exclamei, rindo da minha própria desorganização. Peguei um pano e limpei a bagunça rapidamente, enquanto Ian ria de mim.
Depois de preparar uma mamadeira para ele e um café para mim, sentei-me ao seu lado no chão. Um tanto desajeitada, o apoiei em mim e segurei a mamadeira para ele, que começou a mamar, me olhando de vez em quando com aqueles olhos que pareciam ver tudo.
Jonas apareceu na porta da cozinha, parecendo irritado e cansado.
— Alice, isso está ficando ridículo. Precisamos devolver esse bebê. Isso não é problema nosso.
Suspirei, sentindo a tensão crescer.
— Jonas, já falamos sobre isso. Não vou simplesmente devolver Ian. Ele precisa de mim.
Ele se aproximou, sua expressão severa.
— Ele está atrapalhando nossa vida, Alice. Sua carreira, nossa relação... tudo está sendo prejudicado por essa criança.
Levantei-me, segurando Ian no colo.
— Eu não vou simplesmente entregá-lo para um desconhecido qualquer! Pelo menos comigo eu sei que ele está sendo bem cuidado... Pelo menos... Pelo menos por enquanto.
Jonas balançou a cabeça, frustrado.
— Isso é loucura. Você está colocando tudo a perder por uma coisa que nem sabemos se é verdade.
Apertei Ian um pouco mais forte, sentindo a raiva crescer dentro de mim.
— E se for verdade? O que faremos, Jonas? Não posso ignorar isso.
Eu finalmente tinha contado a ele das minhas suspeitas com relação a clínica de fertilização a qual recorri há anos e como Bernardo também se encaixava nessa história. Mas ele tinha descartado a ideia tão facilmente quanto alguém descarta o papel de um chocolate antes de comê-lo, insistindo na ideia de que tudo não passava de uma piada de muito mal gosto.
Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo. E ignorando o que ele sabia que eu estava perguntando: ele iria fazer parte disso comigo? Iria querer Ian na vida dele como se fosse seu filho também? Porque se fossemos morar juntos, se fossemos ficar juntos, eu precisava dessas respostas que ele não estava disposto a me dar. Mas tudo o que Jonas fez foi murmurou algo, claramente irritado, e sair da cozinha.
Passei o resto da manhã tentando entender a dinâmica de cuidar de um bebê. Cada tarefa era um novo desafio. Assisti vários vídeos na internet tentando aprender coisas que provavelmente mães tinham nove meses para se preparar. Mas eu não tive. Tentei trocar a fralda de Ian, mas ele começou a se contorcer e, antes que eu percebesse, havia me dado um banho de xixi.
— Ai, Ian! — exclamei, rindo enquanto limpava a bagunça. — Você realmente sabe como se divertir, não é?
Apesar dos pequenos desastres, estava gostando de cada momento. Era como se Ian estivesse trazendo de volta para minha vida um tipo de alegria que eu tinha perdido a muito tempo.
— Você é um presentinho, sabia? — murmurei, segurando Ian em meus braços. Seus olhinhos brilhavam de curiosidade, e ele balbuciava sons adoráveis que aqueciam meu coração.
Sentei-me no tapete da sala com Ian e comecei a conversar com ele, mesmo sabendo que ele não entendia exatamente o que eu estava dizendo. Era reconfortante falar e sentir que, de alguma forma, ele estava me ouvindo.
— Ian, hoje vamos conhecer seu possível papai — comecei, sorrindo para ele. — Não me entenda mal, viu, não é como se eu não soubesse quem é o seu pai porque estava ficando com mais de um cara enquanto namoro o Jonas — ri. — Bernardo é um homem muito inteligente, sabia? Ele é muito importante no mundo da tecnologia. Fez coisas incríveis, que eu nem consigo entender direito.
Ian me olhou com aqueles grandes olhos curiosos, balbuciando algo que soou como uma risada. Isso me fez rir também.
— E sabe, ele também é muito bonito — continuei, tocando levemente no nariz de Ian. — Ele tem olhos bonitos como os seus e um sorriso encantador. Você vai gostar dele, eu acho.
Ian gargalhou, balançando os bracinhos, como se entendesse cada palavra. O som de sua risada encheu a sala e meu coração de alegria.
— Sei lá, é tudo tão louco. Mas ele parecia empolgado em te conhecer. Talvez ele possa ser um bom pai para você. Quem sabe ele não acabe sendo um bom amigo para mim também? — brinquei, sentindo meu rosto aquecer com a possibilidade.
Estava tão envolvida na conversa que não percebi quando Jonas voltou à sala. Ele só pegaria mais tarde no hospital, então tinha aproveitado para dormir mais um pouco. Jonas parou na porta, olhando para nós com uma expressão indecifrável.
— Parece que você está bem animada para encontrar o Orsini — disse ele, a voz carregada de uma leve irritação.
Senti meu rosto corar de vergonha ao perceber que ele poderia ter ouvido minha empolgação.
— Eu estava só conversando com Ian. Tentando me preparar para o que está por vir.
— Como se ele entendesse... — Ele balançou a cabeça e revirou os olhos. — Não demore muito com o Orsini. Quero jantar com você hoje à noite, a gente precisa de um momento. Dê um jeito de deixar o bebê com alguém.
Suspirei, sentindo a frustração crescer dentro de mim.
— Claro, vou ver o que posso fazer.
Jonas saiu da sala, deixando um clima pesado no ar. Fiquei olhando para Ian, tentando absorver tudo. Estava começando a questionar se Jonas realmente fazia sentido na nova fase da minha vida. Ele não parecia entender a importância de Ian para mim e estava cada vez mais irritado.
Peguei Ian nos braços novamente e dei um beijo em sua testa.
— Vamos lá, pequeno. Vamos descobrir como fazer tudo isso funcionar. Vamos conhecer seu papai.
Respirei fundo antes de entrar no suntuoso Hotel Milani. Nunca me senti tão deslocada na minha vida. Cada detalhe, desde o lustre de cristal até os funcionários impecavelmente vestidos, exalava uma elegância que parecia um mundo à parte do meu. Os lustres pendiam do teto como cascatas de diamantes, refletindo a luz de maneira encantadora. Sentindo o peso do olhar curioso de alguns hóspedes, empurrei o carrinho de Ian, tentando ignorar o desconforto que crescia dentro de mim.Cada passo que eu dava parecia ecoar nos corredores decorados com mármore polido e tapetes exuberantes. A grandiosidade do lugar me fazia sentir ainda mais fora de contexto. Os olhares dos funcionários impecavelmente vestidos eram educados, mas inevitavelmente curiosos, como se não conseguissem entender o que uma pessoa como eu fazia ali. Ou talvez fosse só impressão. Dirigi-me à recepção, onde uma recepcionista sorriu de maneira educada.— Boa tarde. Tenho uma reunião marcada com o senhor Bernardo Orsini.Ela ass
O hospital escolhido por Bernardo era um dos mais renomados da cidade. Ao entrar, fiquei impressionada com a modernidade e a eficiência do lugar. Era claro que ele não tinha medido esforços para garantir que o exame de DNA fosse realizado nas melhores condições possíveis. As paredes de mármore brilhavam com um luxo que parecia inatingível, e tudo ao redor exalava uma atmosfera de perfeição clínica. Eu teria preferido ter feito o exame no hospital onde trabalhava, mas também não queria dar motivos para Bernardo desconfiar que eu poderia manipular o resultado de alguma forma, devido aos meus contatos.Jonas tinha se oferecido para me acompanhar, mas antes eu não tivesse aceitado. Ele estava visivelmente tenso e agitado, seus passos rápidos e gestos nervosos revelando sua irritação. Podia sentir o calor de seu desconforto irradiar.— Eu ainda não acredito que você está levando isso a sério, Alice — disse, tentando manter a voz baixa, mas o tom de desdém era inconfundível. — Já deveríamos
Normalmente os dias no hospital eram bem intensos, mas hoje estava particularmente agitado. Aparentemente tinha acontecido um acidente de trânsito grave perto dali, o que resultou em corredores repletos de pacientes, médicos e enfermeiras se movendo de um lado para o outro. Eu mal tive tempo de respirar entre um atendimento e outro. Cada segundo contava, e a pressão era constante. Estava no meio de uma avaliação de um paciente quando o alarme do pronto-socorro soou, indicando mais um caso urgente.— Alice, precisamos de você na sala de emergência! — gritou uma das enfermeiras.Corri até lá, colocando minha máscara e luvas rapidamente. Uma mulher idosa estava tendo uma crise respiratória grave. A equipe já estava a postos, esperando por mim. Trabalhamos juntos para estabilizá-la, administrando medicamentos e monitorando seus sinais vitais. Após um período tenso, finalmente conseguimos estabilizá-la.— Bom trabalho, pessoal — disse, sentindo o alívio misturado ao cansaço. — Vamos mantê-
Fiquei parada por alguns segundos, tentando processar as palavras de Bernardo. "Alice, vou providenciar para que você e Ian se mudem para o meu apartamento. E também vamos nos casar." Aquelas palavras ecoavam na minha mente, cada sílaba parecendo mais absurda que a anterior. Quando finalmente consegui me mover, vi Bernardo se afastando pelo corredor, suas costas retas e postura confiante.— Belas costas... — murmurei enquanto mordia o lábio inferior, me perdendo por um segundo. — Merda, foco Alice!O corredor parecia se estender infinitamente enquanto eu corria atrás dele, meu coração martelando no peito. As paredes brancas do hospital, os rostos desconhecidos e a iluminação fria criavam um ambiente surreal, quase opressivo. Cada passo que dava em direção a Bernardo parecia me afastar mais da realidade que conhecia.— Bernardo! — chamei, minha voz tremendo levemente. Quando ele finalmente parou e se virou para me olhar, sua expressão impassível e os olhos brilhando com determinação me
Sorri para Liz através da parede de vidro que nos separava, enquanto eu observada a sala calma, cheia de berços. Alguns deles com crianças tranquilas que pareciam aproveitar o momento para dormir. Eu tinha a sorte de minha irmã mais velha trabalhar como cuidadora em uma creche, assim ela havia conseguido uma vaga para Ian, sem problemas, e eu ainda tinha a segurança de ter a pessoa mais responsável do mundo cuidado dele enquanto eu estava trabalhando.Ela fez um sinal para que eu esperasse por um momento e trocou algumas palavras breves com uma das outras cuidadoras, saindo discretamente da sala logo em seguida. Seguimos juntas até a cozinha onde ela preparou duas canecas de café fumegante.— Então, Alice — começou Liz, servindo-nos com alguns biscoitos. — Quero ouvir essa história direito. Como assim você vai passar o fim de semana com o tal Bernardo?Suspirei, mexendo no café com a colher.— É uma longa história, Liz. Tudo começou quando recebi aquela cesta com Ian...Liz assentiu, j
Entrei no hospital, ainda sentindo o peso da conversa com Liz. Precisava falar com Jonas, esclarecer algumas coisas e tentar entender o que realmente sentia. Minha mente estava uma confusão de pensamentos, e o ar pesado do hospital parecia amplificar meu estado emocional.— Você viu o Jonas? — perguntei a uma das enfermeiras na recepção.Ela olhou para a tela do computador e assentiu.— Sim, ele está na salinha de descanso.Agradeci e caminhei em direção à sala. Minhas mãos estavam suadas, e meu coração batia mais rápido a cada passo que dava. Quando cheguei à porta, ouvi vozes abafadas. Puxei a maçaneta devagar, tentando não fazer barulho, e entreabri a porta.O que vi me deixou paralisada. Jonas estava sentado no sofá, e Clarice estava ao seu lado, rindo e tocando o braço dele de forma íntima. Em troca, ele acariciava seus cabelos. Não havia nada explícito, mas o jeito como ela olhava para ele e a proximidade dos dois me fez sentir uma pontada de traição. Senti meu estômago revirar.
Quando o fim de semana finalmente chegou, eu estava parada na entrada do prédio luxuoso onde Bernardo morava. O porteiro me cumprimentou com um sorriso formal e me indicou o caminho até o elevador privativo. Eu nunca tinha visto um lugar tão opulento. O mármore brilhante, os lustres de cristal e as obras de arte nas paredes davam ao lugar uma sensação de grandeza que me deixava desconfortável.Chegando ao andar do triplex, fui recebida por uma funcionária impecavelmente vestida, que se apresentou como Marta. Ela sorriu educadamente e nos levou até o interior do apartamento. Fiquei impressionada com cada detalhe. Era um triplex gigante e superchique, com uma vista panorâmica do mar que parecia tirada de um filme. As janelas do chão ao teto permitiam que a luz do sol iluminasse cada canto da sala de estar decorada com móveis de design.— Bem-vinda, senhorita Bianchi — disse Marta, com um sorriso suave. — Vou levá-la ao quarto.Seguimos Marta escadas acima, e um outro funcionário logo tra
Depois de deixar Ian no quarto com a babá, desci para encontrar Bernardo na sala de jantar. Quando entrei, fui recebida por uma visão que parecia saída de um filme. A mesa estava posta com uma elegância impecável, digna de um restaurante três estrelas Michelin. Havia velas acesas, flores frescas e uma seleção de pratos requintados que me deixaram sem palavras.— Uau — murmurei, sentindo-me um pouco deslocada naquele cenário de luxo. — Você realmente não poupou esforços.Bernardo sorriu, levantando-se para puxar a cadeira para mim.— Quero que se sinta à vontade aqui. E achei que um bom almoço poderia ajudar.Sentei-me, ainda deslumbrada com a atenção aos detalhes.— Bom, você definitivamente conseguiu causar uma impressão.Ele se sentou à minha frente, pegando uma taça de vinho e oferecendo uma para mim.— Saúde, Alice. A novas experiências e novas possibilidades.Toquei minha taça na dele, sorrindo.— Saúde.Rapidamente o silêncio se abateu sobre nós. Desconcertada, me peguei brincan