Já nem se lembrava quantas vezes precisou tomar antibióticos para as mais diversas doenças que adquiriu servindo aqueles homens. Nada importava, nada mesmo.
— Está aqui o seu dinheiro, agora some volta para o salão e escolhe outra menina.
O homem saiu satisfeito, tinha provado a joia da casa e teria dinheiro para usufruir de pelo menos outras quatro garotas, se quisesse.
— Com ciúme, Visão?
Jane perguntou sorrindo para Omar, não imaginava o que estava por trás daquela reação exagerada do seu benfeitor.
Ela era a única que tinha um quarto no último andar, a cama de casal enfeitada, banho quente e comida fresca. O dono da atual casa em que estava trabalhando representava proteção e ela fazia questão de pagar por isso.
Beijou o pescoço de Omar e colocou uma das pernas na cintura masculina.
— Quer brincar com a sua Priya?
Era assim que ele a chamava quando estava tomado pela lascívia.
— Tem um cliente novo, vai gostar dele.
— Não quero atender seus amigos, Omar. Temos um acordo.
Jane se recusava a atender os árabes que frequentavam a casa 64, eram eles que forneciam as meninas que passariam a trabalhar para Omar. Ela ajudou muitas delas a lidar com os primeiros dias, ensinava o que fazer para que terminasse mais rápido e como sonhar, Jane dizia que tudo o que não podiam deixar de ver eram os sonhos, os delas e os dos outros.
— Eles não estão procurando satisfação, estão buscando carinho. Precisam ser grandes em algum lugar e só se sentem assim quando podem realmente dominar alguém. Então elogie, fale de amor, diga que são os melhores e que nunca vai conseguir esquecer. Os sonhos precisam existir, mesmo que não sejam reais.
Jane ajudava, mas depois corria para o quarto e chorava por horas, se enxergava em cada uma daquelas meninas, algumas ainda mais novas e ingênuas do que ela era quando foi arrancada do seu sonho mais bonito.
— Não é nenhum amigo meu, é um cliente novo. Jovem e limpo, está pagando muito bem. Vai poder escolher um perfume novo e posso até te levar ao cinema.
Ela amava cinema, achava lindo, a tela imensa a sua frente fazia parecer que ela estava lá.
— Posso ver quem é, Visão?
— Vem, você vai gostar.
Nick apesar da barba sem fazer e das roupas sem cuidado ainda era um homem bonito, quando começou a frequentar a casa de Omar, várias meninas tentaram conquistar a atenção do rapaz, mas ele nunca aceitou. Não estava ali em busca de companhia, ao menos não aquele tipo.
Jane foi levada para perto de um balcão onde serviam bebidas aos clientes e Omar apontou para o rapaz que esperava olhando impaciente para o corredor por onde o dono do bordel tinha entrado.
A menina começou a chorar, a pele ficou fria ao toque, sentiu como se o mundo fosse desaparecer sob seus pés. Os soluços chamaram a atenção do benfeitor e quando ela quase desmaiou ele a amparou.
— O que foi, Jane? Você está bem?
— Ele não, por favor. Ele não! Qualquer um, atendo quantos clientes quiser até conseguir o dinheiro que ele vai pagar, mas não me obriga a ficar com ele.
— Vocês se conhecem?
— Não, não mais e eu não quero que ele veja o que me tornei. Por favor!
Jane chorava de uma forma tão dolorida que as lágrimas da menina caiam como se fosse ácido no coração de Omar, já tinha visto uma garota chorar daquela forma.
Priya correu atrás do carro que ele estava, ainda se lembrava da forma como os cabelos negros balançavam no ar enquanto a menina segurava a saia para conseguir ir mais rápido.
— OMAR! ME LEVA COM VOCÊ
Ela repetia o pedido que já tinha feito quando o noivo chegou na casa dos seus pais dizendo que não se casariam. Ele era jovem demais e a ambição falou muito mais alto do que o amor, depois de um tempo descobriu que Priya foi morta no dia do próprio casamento.
Ela não era mais virgem, não puderam esperar, mas quem pagou o preço pelo desejo de ambos foi a menina que correu atrás do carro de Omar com lágrimas marcando a terra vermelha assim como Jane fazia agora em seus braços.
— Calma, está tudo bem. Não vai ser obrigada a ficar com ninguém. Eu me acerto com o americano.
Jane se lembrou dos beijos e das conversas, tudo tinha sido tão perfeito que ela gostava de contar para as outras meninas o significado de amar.
— A primeira vez que ele me beijou foi como ser tomada por um tsunami, nada mais tinha importância, só a gente. A voz dele parecia mesmo um trovão e estava tão perto que eu só consegui olhar a boca dele. Nunca quis tanto alguma coisa como eu queria aquele beijo, mas ele pediu. Os Deuses não tomam nada a força, eles querem receber o amor, mesmo que possam pegar o que quiserem.
Algumas garotas achavam lindas as histórias que Jane contava, outras, não acreditavam.
— Tá e quer que a gente acredite que um Deus se apaixonou por você?
— Não, às vezes nem eu acredito.
Agora o coração batia tão rápido que sentia como se estivesse morta durante todo aquele tempo e de repente, como só um Deus pode fazer, a vida pulsava forte outra vez, a promessa de felicidade, de um amor épico e eterno, exatamente igual ao do cinema.
Mas a vida não é um sonho, nem um filme escrito pelos dedos sonhadores de um roteirista talentoso. Não! A realidade é dolorosa, crua e não premia os heróis do cotidiano, ao contrário, homens que lutam pelo sustento das suas famílias são vistos como fracos e incompetentes por não poderem levar seus filhos à Disney.
E mulheres como elas nunca seriam vistas com amor, ainda tinha nítido em sua mente as palavras de Nick sobre Olívia, a menina que não existia mais.— Acho que amo tudo em você, mas entre todas as coisas o que mais me fascina é que pura como um anjo.E Olívia realmente era pura, mas Jane não! Tinha se tornado mulher no chão, sentindo as costas serem cortadas pelas agulhas deixadas por usuários de heroína. Aquela foi a sua primeira vez, mas houve outras, tão dolorosas e desesperadoras quanto a primeira.Lembrava dos detalhes, do barulho da cama de ferro que rangia com o movimento do outro homem que usufruía do corpo de outra garota. No mesmo quarto sujo de dois por dois, três garotas foram oferecidas como pagamento de uma dívida de Ibrahim.O indiano estava negociando várias toneladas de haxixe e precisava pagar pelo transporte.Muitas rotas secundárias podiam ser usadas, contudo Dawood Ibrahim nunca foi conhecido por sua paciência, gostava de manter suas casas de diversão abastecidas c
Sentiu, sentiu muitas coisas, mas o que mais a feriu foi se deixar morrer. Demorou muito até entender que a morte de Olívia podia dar vida a outra pessoa, assim como a morte de Jane, trouxe a poderosa Thor.Assumiu esse nome e aceitou o destino exatamente como Jane aceitou o câncer, porque na verdade, tanto uma quanto a outra estavam condenadas a uma doença sem esperança de cura.Foram várias casas, vários homens, muitos corpos. Durante a noite era a Guerreira, durante o dia a faxineira. Era acordada com chutes para que pudesse lavar o chão e trocar os lençóis muitas vezes sujos de sangue, fezes e outras imundices humanas.Ainda assim, todas as manhãs olhava o sol e se enchia de esperança, a primeira vez que recebeu a visita de um médico foi quando bolhas estranhas se espalharam justamente na parte do corpo que era comercializada por aquelas casas. Já estava suportando a dor e a febre há meses quando um dos clientes apareceu para reclamar que tinha sido contaminado por ela.Foi espanca
Omar abraçou a garota e a levou de volta para o quarto, precisaria se justificar com o cliente que estava esperando, mas apesar disso, Jane tinha o dom de deixá-lo encantado, em alguns momentos ela era forte como Durga e em outros tão frágil e assustada que dono da casa 64 sentia vontade de protegê-la.— O que aconteceu, Jane? Preciso saber ou não posso te ajudar.Ela estava com a mão no pingente que ganhou, segurou com tanta força que a argola se desprendeu da coleira e Jane ficou com aquela pequena marreta na mão. As lágrimas caíram sobre o metal deixando um brilho diferente.Jane fechou a mão e segurou a única coisa que a lembrava da sensação de ser humana, de ter uma vida, do sonho que viveu e que foi tão lindo que, às vezes, ela sentia como se realmente tivesse sido beijada por um Deus.Os soluços da garota eram tão desesperados que Omar se assustou, Jane era forte, tão forte que ela cuidava das meninas que chegavam, as fazia entender que não era uma escolha e que lutar seria pior
Havia um homem, alguém que entre todos, Nick confiaria a sua vida, alguém que esteve com ele nos momentos mais dolorosos da sua vida, e como tal, também não o abandonou naquela noite.— Que você fez moleque?Sombra não era apenas o padrinho de Nick, ele era o início, a raiz da máfia americana. O homem que traiu o primeiro capô e se aliou a um desconhecido para criar uma era, onde o código realmente fosse seguido e eles pudessem esquecer o tempo em que o medo gritava antes da lealdade.O senhor de meia idade chegou até a casa 64 procurando pela menina que Nick chamava de ratinha, uma pista o levou até aquele lugar, não imaginou que o rapaz que foi treinado pelos melhores, agiria como uma criança.Os passos relaxados de Sombra não geraram desconfiança, mas a tentativa de entrar em um bordel, sim.— O que você quer aqui?— Não é conversar com você!O segurança da casa 64 avaliou cada um dos detalhes do homem que se aproximou, o conhecia! No submundo, todos se conhecem, mas ninguém fala so
Nick estava sentado no banco do passageiro, não sentia doer, ao menos não os cortes e hematomas. A incerteza é muito mais dolorida do que qualquer surra.Entrou na hospedagem sem olhar para os lados, sem se incomodar com nada. Passou na frente de Sombra, olhou para o lugar precário, tudo naquele país parecia ser um encontro bizarro de extremos, os pobres não tinham nada e os ricos tinham muito mais do que precisavam.Uns, tomavam banho com água suja que escoava dos telhados, outros em banheiras de hidromassagem e usavam tantas joias que chegava a ser difícil erguer os braços.Nick foi até um móvel de madeira entalhada, pegou uma garrafa de destilado e virou na boca.Gargarejou, jogou o líquido de um lado para o outro sentindo o álcool queimar os cortes. Cuspiu no chão como se já fizesse parte daquele universo sem alma. Virou a garrafa de novo e dessa vez engoliu o líquido que se misturou ao sangue.Se sentou no pequeno sofá ainda segurando a garrada, justamente ele que nunca poderia te
O rapaz saiu do banho ainda zonzo, desde que Olívia foi levada, Nick nunca mais tomou os remédios, nem se preocupou com a alimentação ou qualquer outra coisa que não fosse a culpa que sentia. Estava fraco, sabia disso!Parou em frente ao espelho, a dor o lembrava do que encontraria ali, no banho, a cada vez que tentava se limpar, mais a água se tingia de um vermelho vivo.Olhou, mas não se reconheceu, nada naquele reflexo se parecia com ele, os olhos estavam escondidos o inchaço o fazia parecer outra pessoa.Colocou a mão no canto da boca, tentou abrir, mexer o maxilar para os lados, mas a dor o fez parar e quando franziu o rosto, tudo latejou.Pensou que a sua Ratinha teria ouvido, se fosse ela naquele palco ela teria ido, Olívia nunca o deixaria sozinho, sabia disso, mesmo antes de se conhecerem direito, ela havia o salvado.Dia após dia, por meses, ela o visitou.Nick conhecia as regras da máfia, mas se deixou vencer pelo ódio, cometeu um erro e foi punido com a morte. Não uma ex
O estrondo trouxe Nick de volta para a realidade, mas os pensamentos se misturaram e ele chamou por Olívia. Lembrou do dia em que a conheceu.Ela havia caído das escadas, uma queda boba, mas o barulho o acordou, estava dormindo do sofá da casa da irmã quando a garota tropeçou.O barulho, o mesmo barulho que o apresentou a sua ratinha, o fez chamar por ela.— Olíe!Bode entrou e quando Nick o olhou não conseguiu nem mesmo me mover antes do chute que o jogou no chão.— Parece que gosta mesmo de apanhar. Vou levar a sua cabeça para o chefe!O rapaz tentou se levantar, mas Bode usou todo o peso do corpo ao se ajoelhar sobre o peito de Nick.— Quietinho, valentão! O chefe quer você inteiro.O americano não conseguiu responder, sentia o pulmão ser esmagado, mas o que realmente o impediu de falar era uma dor muito maior. Estava cansado, um ano procurando por alguém que parecia ter se desintegrado, não eram homens comuns, não deveria ser difícil daquela forma, mas estava impossível!Pensou em
Sombra deixou Nick sozinho porque sentia que aquela ação os levaria a uma guerra, precisava estar pronto, tinha pessoas a quem queria proteger, não podia perder mais ninguém, principalmente depois do que viu na boate.Organizou tudo o que pode, no começo pensou que saírem da índia fosse o melhor caminho, por fim, terminou sendo convencido a ficar.— Teimosa como uma mula!Falou sozinho enquanto pensava sobre Lara, a mulher era um verdadeiro furacão e dos mais perigosos. As filhas da máfia, diferente do que o mundo acreditava, costumam ser doces e gentis, na maioria das vezes, mulheres que frequentavam a alta sociedade com uma elegância que despertava a inveja de muitos, mas Lara não, ela era diferente.Incontrolável, a palavra que mais se encaixava aquela mulher, não foi a primeira vez que Lara enfrentou Sombra e ele sabia, não seria a última. Principalmente se a ordem dada fosse para que se afastasse de Muralha. O marido não era apenas um homem de confiança, as habilidades dele seria