“Os dias correm com voracidade. Mal posso crer que se passaram dias desde o desaparecimento de Anna. A viscondessa Anneth permanece tão estarrecida com os acontecimentos, que nada que passou horas a fio chorando na capela real, buscando consolo divino para sua dor. Sei que não posso comparar a dor de ambas as perdas que tivemos, mas hoje posso compreender o que é perder alguém que se ama tanto. O que mais me traz indignação é uma mãe não ter o direito de enterrar sua própria filha. Todos já constataram a morte dela, alegando ser quase impossível que esteja viva, após dezesseis dias de procura, mas que mãe desistiria facilmente? Estes assassinatos estão ficando cada vez piores, temo que um motim se forme diante deste caos.” — Charlotte, abril de 1648.
O som da chuva, contido pelas paredes das masmorras da abadia, compunham a melodia
Caterina sentia o tafetá de seu vestido friccionar e causar ruídos enquanto ela erguia, movia e balançava o braço, de um canto a outro, indicando as diversas direções, posições e ângulos em que os quadros, vasos e tecidos deveriam ser posicionados para causar maior impacto. O colarinho côncavo de renda em seu vestido, circundando seu pescoço, causava um impacto e contrastava com as cores verde escuro de seu vestido longo e bufante. A estomaqueira de renda branca criava um padrão de flores e ondas sutis, que faziam o busto ereto e cintura afinada da rainha soar mais fino que o habitual. Caterina se sentia mais bela que o de costume para seus dias, o que a fez ousar mais na maquiagem que trazia o calor e ressaltava a sua típica beleza italiana.Os empregados, por vezes tropeçando em seus próprios passos, levavam os objetos de uma ponta a outra de maneira quase calculada, torce
Caterina deixou o salão pouco antes de Charlotte dizer qualquer coisa. Mas isso não significou que ela tivesse sido deixada sozinha. Poucos segundos depois, Henry cruza a entrada do salão, sua mão ocupada manuseando um chicote de equitação. O príncipe percorreu o lugar se aproximando de Charlotte com certa empolgação, mas não demorou para que ele notasse que aquele não era o melhor momento para sorrir.— O que houve para te deixar com a cara tão enrugada? — perguntou franzindo a testa.— Caterina tratou de adiantar nosso casamento...— Como assim, Charlie? E o seu período de luto? Sua mãe está apressando você?— Não foi minha mãe quem adiantou, foi Caterina — alegou cruzando os pulsos sobre a saia do vestido, as rugas de seu rosto se desfazendo junto de sua paciência.&m
“Hoje vi a morte de perto. Diferente do que pesava que seria, a morte se apresentou à mim não em trajes negros, mas em um longo e suntuoso manto de cristais e veludo vermelho. Sua mão, ao invés da temida foice, segurava a espada longa talhada com os dizeres “in ore iustitiae et misericordiae”, que quer dizer “Na boca da justiça e misericórdia”. Engraçado ele usar tais palavras quando nada nele é misericordioso ou justo...” — Charlotte, Abril de 1648.A festa planejada por Caterina havia saído melhor que o esperado. Como ela já sabia, poucos seriam os que se preocupariam com assuntos tristes ou polêmicos quando se há comida, bebida e riquezas para lhe entreter. Henry e Charlotte ficaram responsáveis por posar como bom casal e agirem como se estivessem prestes a ascender ao trono, como Caterina havia sugerido. Mas o poder da
Enquanto o palácio permanecia em caos com os últimos acontecimentos, Charlotte sentia a sola de seus pés doerem por sustentarem-na por tanto tempo. De cócoras agarrada ao seu joelho, a jovem de cabelos negros que se misturavam à escuridão da cela, permanecia em silêncio, tentando engolir seu medo. Lugares escuros, molhados e fedidos assim causavam nela a pior das sensações. O calcário mal polido, sujo e úmido causava nela a repulsa que só aumentava com o tempo. O odor de podridão a fazia ter ânsia a cada vez que tentava respirar para conter seu nervosismo.Ela procurou gritar para chamar a atenção dos guardas que logo trataram de ignora-la. Ela detestava aquele lugar com todas as suas forças e queria fugir dali o mais depressa possível, por isso tentou fechar seus olhos e pensar em outra coisa, como os campos verdes e montanhas colossais de Glen Coe, no
“Não que tivesse esperanças de conseguir me livrar disso, apenas não faço ideia de como viver com isso. Sinto dor e decepção ao saber que a pessoa que acreditava poder confiar e amar é tão fraca, covarde e odiosa. Embora ainda sinta amor em relação a ele, tenho fé que Deus irá arrancar de mim qualquer sinal de afeto que me impeça de fazer o que é certo.” — Charlotte, abril de 1648.Enquanto subia as escadarias, os pés úmidos dentro do sapato de couro, Charlotte inspirava profundamente buscando consolo e calmaria em seus pensamentos. Os corredores vazios era sinal uma já esperada surpresa. Só se ouvia seus passos ecoando pelas paredes geladas daquele palácio que agora mais do que antes parecia como um terrível mausoléu assombrado sobre um monte distante da civilidade e racionalidade. Naquele
Bess não conseguia conter o sorriso, seu coração saltitando dentro do peito como coelhos em uma caçada. O sorriso em seu lábio surgia sempre que uma ideia nova lhe surgia à mente. Em seus devaneios, a criada repetia a si mesma que sua senhora ficaria extremamente feliz e exultante ao saber das novidades. Uma rainha escocesa morta? Seria seu arco-íris após a chuva, contudo, ela não esperou que Caterina reagisse de forma tão emotiva.Os seus olhos se estreitaram suavemente enquanto ela encarava a grama molhada da chuva. As janelas lavadas davam visão clara do lado de fora, quase tão frio quanto o lado de dentro. Sua mente girou tantas vezes que ela não conseguiu reagir brevemente, precisou que Bess lhe tocasse o ombro para que finalmente Caterina desviasse os seus olhos para ela.— Ele vai matar a todos... Como eu pude deixar isso chegar tão
Naquela noite, o palácio estava quieto como o de costume. Todos os nobres em seus quartos recusavam-se serem vistos pelo rei, até mesmo Simon fluiu na onda social e manteve-se quieto ao lado de seu irmão, temendo ser descoberto, ou pior, morto. Contudo, havia uma única pessoa naquele palácio que ansiava mais do que tudo estar na presença do rei, sua esposa, Caterina.Ao contrário do que se pode pensar, seus desejos eram puramente reflexos de sua ambição. O nojo que Caterina nutria pelo corpo de George era sufocado pelos benefícios que ela enxergava por sob a pele enrugada e peluda do marido. Já em seus aposentos, Caterina preparou tudo com flores, perfumes e aperitivos que o rei apreciava. Aquela era seu último ato antes do clímax e ela havia decidido que o faria da forma mais teatral o possível. Focada, a rainha inglesa trajou-se para dormir e dispensou Bess antes
“Talvez um dia ele me agradeça pelo que fiz, e ao menos talvez eu tenha coragem de perdoa-lo por todo o mal que ele já causou ao povo. No entanto, hoje, o máximo de compaixão que consigo lhe prestar é ser benevolente quanto à sua perda... Antes de monarca e sua noiva eu sou uma filha de Deus com falhas e sentimentos... Não irei vender minha integridade e colocar o futuro do meu povo nas mãos de um assassino!” — Charlotte, Abril de 1468. O sol já havia saído naquela manhã e todos se perguntavam o que havia acontecido com sua majestade. Como o rei havia morrido? Por que tão de repente? A rainha recusou-se responder, ela estava aparentemente abalada demais para dizer qualquer coisa, mas quando os nobres questionaram quando seria a coroação de Henry, Caterina não se conteve. Ela respirou fundo e convocou uma reunião de imediato, todos os nobres homens presentes na corte foram conduzidos pelos guardas até a corte dos nobres, onde Caterina sentou-se na cadeira que per