“Hoje vi a morte de perto. Diferente do que pesava que seria, a morte se apresentou à mim não em trajes negros, mas em um longo e suntuoso manto de cristais e veludo vermelho. Sua mão, ao invés da temida foice, segurava a espada longa talhada com os dizeres “in ore iustitiae et misericordiae”, que quer dizer “Na boca da justiça e misericórdia”. Engraçado ele usar tais palavras quando nada nele é misericordioso ou justo...” — Charlotte, Abril de 1648.
A festa planejada por Caterina havia saído melhor que o esperado. Como ela já sabia, poucos seriam os que se preocupariam com assuntos tristes ou polêmicos quando se há comida, bebida e riquezas para lhe entreter. Henry e Charlotte ficaram responsáveis por posar como bom casal e agirem como se estivessem prestes a ascender ao trono, como Caterina havia sugerido. Mas o poder da
Enquanto o palácio permanecia em caos com os últimos acontecimentos, Charlotte sentia a sola de seus pés doerem por sustentarem-na por tanto tempo. De cócoras agarrada ao seu joelho, a jovem de cabelos negros que se misturavam à escuridão da cela, permanecia em silêncio, tentando engolir seu medo. Lugares escuros, molhados e fedidos assim causavam nela a pior das sensações. O calcário mal polido, sujo e úmido causava nela a repulsa que só aumentava com o tempo. O odor de podridão a fazia ter ânsia a cada vez que tentava respirar para conter seu nervosismo.Ela procurou gritar para chamar a atenção dos guardas que logo trataram de ignora-la. Ela detestava aquele lugar com todas as suas forças e queria fugir dali o mais depressa possível, por isso tentou fechar seus olhos e pensar em outra coisa, como os campos verdes e montanhas colossais de Glen Coe, no
“Não que tivesse esperanças de conseguir me livrar disso, apenas não faço ideia de como viver com isso. Sinto dor e decepção ao saber que a pessoa que acreditava poder confiar e amar é tão fraca, covarde e odiosa. Embora ainda sinta amor em relação a ele, tenho fé que Deus irá arrancar de mim qualquer sinal de afeto que me impeça de fazer o que é certo.” — Charlotte, abril de 1648.Enquanto subia as escadarias, os pés úmidos dentro do sapato de couro, Charlotte inspirava profundamente buscando consolo e calmaria em seus pensamentos. Os corredores vazios era sinal uma já esperada surpresa. Só se ouvia seus passos ecoando pelas paredes geladas daquele palácio que agora mais do que antes parecia como um terrível mausoléu assombrado sobre um monte distante da civilidade e racionalidade. Naquele
Bess não conseguia conter o sorriso, seu coração saltitando dentro do peito como coelhos em uma caçada. O sorriso em seu lábio surgia sempre que uma ideia nova lhe surgia à mente. Em seus devaneios, a criada repetia a si mesma que sua senhora ficaria extremamente feliz e exultante ao saber das novidades. Uma rainha escocesa morta? Seria seu arco-íris após a chuva, contudo, ela não esperou que Caterina reagisse de forma tão emotiva.Os seus olhos se estreitaram suavemente enquanto ela encarava a grama molhada da chuva. As janelas lavadas davam visão clara do lado de fora, quase tão frio quanto o lado de dentro. Sua mente girou tantas vezes que ela não conseguiu reagir brevemente, precisou que Bess lhe tocasse o ombro para que finalmente Caterina desviasse os seus olhos para ela.— Ele vai matar a todos... Como eu pude deixar isso chegar tão
Naquela noite, o palácio estava quieto como o de costume. Todos os nobres em seus quartos recusavam-se serem vistos pelo rei, até mesmo Simon fluiu na onda social e manteve-se quieto ao lado de seu irmão, temendo ser descoberto, ou pior, morto. Contudo, havia uma única pessoa naquele palácio que ansiava mais do que tudo estar na presença do rei, sua esposa, Caterina.Ao contrário do que se pode pensar, seus desejos eram puramente reflexos de sua ambição. O nojo que Caterina nutria pelo corpo de George era sufocado pelos benefícios que ela enxergava por sob a pele enrugada e peluda do marido. Já em seus aposentos, Caterina preparou tudo com flores, perfumes e aperitivos que o rei apreciava. Aquela era seu último ato antes do clímax e ela havia decidido que o faria da forma mais teatral o possível. Focada, a rainha inglesa trajou-se para dormir e dispensou Bess antes
“Talvez um dia ele me agradeça pelo que fiz, e ao menos talvez eu tenha coragem de perdoa-lo por todo o mal que ele já causou ao povo. No entanto, hoje, o máximo de compaixão que consigo lhe prestar é ser benevolente quanto à sua perda... Antes de monarca e sua noiva eu sou uma filha de Deus com falhas e sentimentos... Não irei vender minha integridade e colocar o futuro do meu povo nas mãos de um assassino!” — Charlotte, Abril de 1468. O sol já havia saído naquela manhã e todos se perguntavam o que havia acontecido com sua majestade. Como o rei havia morrido? Por que tão de repente? A rainha recusou-se responder, ela estava aparentemente abalada demais para dizer qualquer coisa, mas quando os nobres questionaram quando seria a coroação de Henry, Caterina não se conteve. Ela respirou fundo e convocou uma reunião de imediato, todos os nobres homens presentes na corte foram conduzidos pelos guardas até a corte dos nobres, onde Caterina sentou-se na cadeira que per
Sentada em sua escrivaninha, debruçada sobre a madeira fria sob a janela entreaberta do quarto, Charlotte segurou a pena e a deslizou pelo papel sem qualquer entusiasmo. No fundo ela sabia qual seria a resposta de sua mãe, todavia ela não descartava as esperanças de receber apoio daquela que lhe deu a vida. Talvez sua empatia tenha aumentado com a morte de seu pai e o seu apreço pela única filha tenha se fortalecido. Em todo caso, Charlotte reconhecia que, apesar dos desejos, ela teria de fazer o que lhe fosse mandado.“Minha mãe, espero que seu coração esteja mais acalentado neste momento. Com a perda de meu pai o mundo caiu sobre meus ombros, mas suportei o fardo da forma com a qual fui ensinada. Todavia, se te envio a carta hoje é por que este fardo se tornou maior do que tenho capacidade de suportar. Peço que seja misericordiosa e me permita retornar à Escóci
“Vejo-me novamente em um caminho sem saída. Diante de mim a forca, a guilhotina e o desespero. Qual eu deveria escolher? Percebo neste momento como sua sabedoria me faz falta, meu pai. Não sei se serei a brava rainha que você um dia você disse que seria, mas farei meu melhor para não o decepcionar... Mesmo que eu tenha de perder minha vida por isso, salvarei a Escócia e mostrarei a todos quem realmente sou.” — Charlotte, abril de 1648.Passaram-se uma semana desde o dia em que Charlotte havia enviado cartas à sua mãe e Charles. Naquele meio tempo, seus dias se resumiram a perder-se entre livros, conversas consigo mesma e admirar o mundo através das janelas. Vez ou outra, Caterina e seu bom humor resolviam visitar a rainha escocesa que era frequentemente incumbida a abandonar a Inglaterra com ameaças nas entrelinhas dos elogios e empatias de Caterina.
Os dias passaram-se sem que Charlotte se colocasse contra Caterina novamente. Mantendo sua pose de submissa aos desejos dela, Charlotte continuou em seus aposentos concentrando-se nos seus objetivos. De um lado havia sua mãe que lhe colocava muita pressão para casar-se com James, enquanto de outro Charles lhe respondia cortando-lhe todas as esperanças de uma saída fácil.Henry estava preso à masmorra e ela não tinha noticias alguma de uma mudança em sua situação. De fato, seus conhecimentos sobre qualquer coisa fora de seus aposentos era nulo. Sua rotina resumia-se a acordar, receber seu café da manhã às seis horas, escrever e ler cartas e seu diário até as oito horas, em seguida passar um tempo no tanque de banha ao lado de seu quarto, onde ela ficava horas apenas submersa na água quente até que o calor derretesse suas preocupaçõe