Os raios de sol que cruzam a janela de vidro começam a atingir a pele de Charlotte aos poucos. Conforme ela se distanciava de seu apartamento¹ e tomava espaço pelos corredores, a luz do dia dançava pela superfície de seda e cetim de seu vestido vermelho e dourado. Do lado da saia de seu vestido uma pequena bolsa de perfume feita em veludo branco e com babados de linho deixava o cheiro de jasmim, rosas e canela permearem o ar em torno da rainha escocesa. Em sua mão, Charlotte carregava um livro de salmos e um terço enrolado em seu pulso. O som de vozes e conversas ao redor era quase que habitual, portanto ela apenas ignorou e continuou andando a caminho da capela real.
Sua dama de companhia, Effie, permanecia ao seu lado em silêncio. Diferentemente de Nimue, ela era calma e contida e não se abria com Charlotte sobre seus pensamentos e sentimentos. Por muitas vezes Charlotte se incomodou
Embora a corte permanecesse eufórica, Simon pode chegar até o corredor dos escritórios reais sem maiores problemas, todavia, nenhum acesso à porta era dado para que ele tivesse a chance de ouvir o que se passava na sala. Os guardar pareciam ansiosos, ao mesmo passo que sérios e irredutíveis. Não que Simon não houvesse tentado dissuadi-los, mas era naturalmente uma tarefa complexa tentar convencer dois guardas de permitirem um nobre a ouvir por detrás da porta.Decidido, Simon retornou para a entrada daquela ala após ser novamente barrado. Frio e totalmente dotado de sua criatividade, o jovem farsante não poupou seus dons de atuação ao apontar freneticamente para os jardins, através das janelas entreabertas e gritar a todos ao redor a frase “Vejam! Há um homem com uma adaga ensanguentada nos jardins!”. Não que suas habilidades em lu
“...Naquele momento, percebi que aqueles dois pequenos anjos inocentes eram os que nos prendiam ao que somos hoje. Não posso culpar Henry por se sentir assim, quando eu mesma não sou tão diferente dele. Todavia, eu havia mudado para algo que hoje vejo ser o mais distante possível daquele amor que se constrói quando tudo o que é empregado a você é a juventude. Agora eu amava algo mais do que a ele, e seria capaz de morrer por isso!” — Charlotte, março de 1648.Sentia o ar faltar à medida que apressava mais meus passos atrás de Henry, a tal ponto que o que antes era uma caminhada pelos corredores tornou-se uma corrida pelos jardins. Havíamos percorrido o palácio com tanta voracidade à fim de despistar as criadas, que nem mesmo tínhamos notado quão distante havíamos ido. Só notei de fato quando senti a grama a
“Os dias correm com voracidade. Mal posso crer que se passaram dias desde o desaparecimento de Anna. A viscondessa Anneth permanece tão estarrecida com os acontecimentos, que nada que passou horas a fio chorando na capela real, buscando consolo divino para sua dor. Sei que não posso comparar a dor de ambas as perdas que tivemos, mas hoje posso compreender o que é perder alguém que se ama tanto. O que mais me traz indignação é uma mãe não ter o direito de enterrar sua própria filha. Todos já constataram a morte dela, alegando ser quase impossível que esteja viva, após dezesseis dias de procura, mas que mãe desistiria facilmente? Estes assassinatos estão ficando cada vez piores, temo que um motim se forme diante deste caos.” — Charlotte, abril de 1648.O som da chuva, contido pelas paredes das masmorras da abadia, compunham a melodia
Caterina sentia o tafetá de seu vestido friccionar e causar ruídos enquanto ela erguia, movia e balançava o braço, de um canto a outro, indicando as diversas direções, posições e ângulos em que os quadros, vasos e tecidos deveriam ser posicionados para causar maior impacto. O colarinho côncavo de renda em seu vestido, circundando seu pescoço, causava um impacto e contrastava com as cores verde escuro de seu vestido longo e bufante. A estomaqueira de renda branca criava um padrão de flores e ondas sutis, que faziam o busto ereto e cintura afinada da rainha soar mais fino que o habitual. Caterina se sentia mais bela que o de costume para seus dias, o que a fez ousar mais na maquiagem que trazia o calor e ressaltava a sua típica beleza italiana.Os empregados, por vezes tropeçando em seus próprios passos, levavam os objetos de uma ponta a outra de maneira quase calculada, torce
Caterina deixou o salão pouco antes de Charlotte dizer qualquer coisa. Mas isso não significou que ela tivesse sido deixada sozinha. Poucos segundos depois, Henry cruza a entrada do salão, sua mão ocupada manuseando um chicote de equitação. O príncipe percorreu o lugar se aproximando de Charlotte com certa empolgação, mas não demorou para que ele notasse que aquele não era o melhor momento para sorrir.— O que houve para te deixar com a cara tão enrugada? — perguntou franzindo a testa.— Caterina tratou de adiantar nosso casamento...— Como assim, Charlie? E o seu período de luto? Sua mãe está apressando você?— Não foi minha mãe quem adiantou, foi Caterina — alegou cruzando os pulsos sobre a saia do vestido, as rugas de seu rosto se desfazendo junto de sua paciência.&m
“Hoje vi a morte de perto. Diferente do que pesava que seria, a morte se apresentou à mim não em trajes negros, mas em um longo e suntuoso manto de cristais e veludo vermelho. Sua mão, ao invés da temida foice, segurava a espada longa talhada com os dizeres “in ore iustitiae et misericordiae”, que quer dizer “Na boca da justiça e misericórdia”. Engraçado ele usar tais palavras quando nada nele é misericordioso ou justo...” — Charlotte, Abril de 1648.A festa planejada por Caterina havia saído melhor que o esperado. Como ela já sabia, poucos seriam os que se preocupariam com assuntos tristes ou polêmicos quando se há comida, bebida e riquezas para lhe entreter. Henry e Charlotte ficaram responsáveis por posar como bom casal e agirem como se estivessem prestes a ascender ao trono, como Caterina havia sugerido. Mas o poder da
Enquanto o palácio permanecia em caos com os últimos acontecimentos, Charlotte sentia a sola de seus pés doerem por sustentarem-na por tanto tempo. De cócoras agarrada ao seu joelho, a jovem de cabelos negros que se misturavam à escuridão da cela, permanecia em silêncio, tentando engolir seu medo. Lugares escuros, molhados e fedidos assim causavam nela a pior das sensações. O calcário mal polido, sujo e úmido causava nela a repulsa que só aumentava com o tempo. O odor de podridão a fazia ter ânsia a cada vez que tentava respirar para conter seu nervosismo.Ela procurou gritar para chamar a atenção dos guardas que logo trataram de ignora-la. Ela detestava aquele lugar com todas as suas forças e queria fugir dali o mais depressa possível, por isso tentou fechar seus olhos e pensar em outra coisa, como os campos verdes e montanhas colossais de Glen Coe, no
“Não que tivesse esperanças de conseguir me livrar disso, apenas não faço ideia de como viver com isso. Sinto dor e decepção ao saber que a pessoa que acreditava poder confiar e amar é tão fraca, covarde e odiosa. Embora ainda sinta amor em relação a ele, tenho fé que Deus irá arrancar de mim qualquer sinal de afeto que me impeça de fazer o que é certo.” — Charlotte, abril de 1648.Enquanto subia as escadarias, os pés úmidos dentro do sapato de couro, Charlotte inspirava profundamente buscando consolo e calmaria em seus pensamentos. Os corredores vazios era sinal uma já esperada surpresa. Só se ouvia seus passos ecoando pelas paredes geladas daquele palácio que agora mais do que antes parecia como um terrível mausoléu assombrado sobre um monte distante da civilidade e racionalidade. Naquele