Antes mesmo de abrir meus olhos, já senti duas coisas estranhas ao acordar no domingo de manhã. A primeira foi que estava de ressaca. Uma terrível dor martelava atrás de meus olhos e uma sensação ruim se passava em meu estômago, além de um gosto horrível dominar minha boca.
A segunda foi que alguém mais estava dividindo a cama comigo. Um calor incomum atravessava minha pele em toda a parte esquerda do corpo.
Eu estava dormindo de barriga para cima, tapada até o pescoço com o edredom azul que ganhara de meu avô no último aniversário. Parecia um pouco frio, porém, dentro de meu quarto, a sensação era de abafamento.
Tentei buscar na memória quem diabos estava ali comigo, mas a dor de cabeça me impedia de conseguir pensar por muito tempo. Cada vez que fazia um esforço, o latejar aumentava. Será que alguma amiga havia dormido lá? Não conseguia lembrar nem que dia era.
Pensei em voltar a dormir e tentar esquecer que havia alguém ali, mas estava com muita sede e com uma enorme vontade de ir ao banheiro. Além disso, não era algo usual que alguma amiga passasse a noite ali comigo, porque Bernardo sempre acabava ocupando todo o espaço de minha vida, seja para ir a qualquer lugar, seja para dormir em meu apartamento. Estando agora solteira, talvez tivesse voltado a socializar com alguma de minhas amigas e ela poderia ter ficado por lá.
Então lembrei que na noite anterior havia apenas ido ao aniversário de Igor, o que significava que a única amiga que estaria lá era Carolina. Mas porque infernos minha melhor amiga teria dormido em minha casa se nunca sequer brigava com o namorado? Sim, porque eles pareciam perfeitos um para o outro, já que nunca levavam nada a sério e todas as brigas acabavam com risadas. Vai entender!
Além disso, se fosse para dormir fora, talvez ela preferisse ir para o apartamento da mãe. Ou dos avós. Ou da irmã. Sei lá!
Havia muitas possibilidades. A pior delas seria a presença de Bernardo.
Será que havia caído na burrada de ligar para meu ex?
Tinha muita cara de que eu houvesse feito isso. Oh, Céus!
Seria bem possível que fizesse algo assim ao não ter minha racionalidade tão intacta por causa do álcool. Era só nesse tipo de eventualidade que eu me despia de todas as regras e convenções sociais ou de minha teimosia. Em dias normais, não faria nem a besteira de responder a suas mensagens. Como não atendi a nenhuma de suas ligações nas últimas quase duas semanas e ainda o bloqueara no W******p e nas redes sociais, mesmo sabendo que isso poderia me custar alguns clientes.
Precisaria deixar a raiva passar antes de voltar a falar com ele. E isso poderia levar mais um mês ainda. Porque eu sabia que mais cedo ou mais tarde o perdoaria e voltaríamos a ser amigos e colegas de trabalho. Lamentavelmente eu não guardava rancor de ex-namorados.
Não voltaríamos a namorar, que fique claro. Essa parte de nossa relação nunca mais seria a mesma e eu definitivamente não seria tola de acreditar em suas mentiras outra vez.
Cansada de tentar sem sucesso buscar uma resposta para aquele dilema, decidi enfrentar meu companheiro ou companheira abrindo os olhos bem devagarinho. Primeiro encarei o teto branco e o ventilador, depois a janela e a cortina escura à minha direita, focando minha visão para o que viria a seguir. Só então virei a cabeça para o lado esquerdo, lentamente.
Era um ele, definitivamente.
A pessoa estava deitada de bruços, com o rosto virado para a porta, então não saberia dizer quem ou como era. No entanto era, com toda certeza, homem. O fino edredom cobria seu corpo aparentemente nu até um pouco acima da cintura. O braço ao meu lado se mantinha coberto (e provavelmente era de onde vinha todo aquele calor) e o outro parecia dobrado acima da cabeça por cima do travesseiro.
Não lembrava quem era o dito cujo, porém fiquei contente por alguns segundos por saber que não fizera a besteira de ligar para meu ex-namorado. Teria sido muito constrangedor lidar com esse problema. Bernardo certamente pensaria que havia alguma chance de voltarmos e eu não gostaria de tê-lo novamente em minha vida. Como já disse, não sou de dar segundas chances a esse tipo de atitude.
Ao que tudo indicava, havia dormido com um desconhecido qualquer que encontrara na noite anterior, depois de beber todas. E devia ter bebido mesmo muito além de minha capacidade, pois não era alguém que transava com desconhecidos. Quer dizer, eu era mais do tipo que se envolvia de corpo e alma. Do tipo que já estaria apaixonada no segundo encontro. Do tipo que se apaixonava antes mesmo de beijar na boca.
Que foi exatamente o que aconteceu quando conheci Bernardo em uma aula do oitavo semestre de Direito. Ele entrara meia hora atrasado na sala, escondendo-se para não chamar atenção da professora, que falava sem parar.
Não éramos da mesma turma. Nem semestre. Ele estava adiantado, mas tinha trancado aquela disciplina para não acabar rodando por faltas. Era um aluno que adorava matar aulas.
Como eu estava sentada ao fundo, ele foi justamente sentar na cadeira vazia ao meu lado, já me deixando bastante nervosa. Porque, sabe, ele era um cara extremamente atraente e era difícil não olhar e ficar de boca aberta. Tentei fingir que não o tinha notado, que estava prestando atenção no que dizia a professora, o que era pura mentira, já que eu tinha parado de entender assim que ele passara pela porta aberta da sala.
Ele, no entanto, me viu e não se fez de rogado. Começou perguntando coisas sobre a aula, quem era a professora, que nem era a mesma do semestre anterior, quando havia trancado a disciplina. No fim das contas, descobri que também gostava de Direito Penal e que queria ser delegado. E não ouvi mais nada da aula.
Na semana seguinte, para minha surpresa, Bernardo chegou na hora e, mesmo com muitas cadeiras vagas, foi sentar ao meu lado outra vez. Aquilo já era um indício de que eu morreria de amores por ele. Que foi o que aconteceu, embora ele só tenha percebido isso meses depois.
Pois bem, o caso é que era alguém que nunca havia feito sexo casual com desconhecidos. Até porque levar um desconhecido para a casa de meus pais não era algo que eu faria.
Mas tudo tem uma primeira vez!
Ao menos aquele desconhecido ao meu lado parecia ser bastante atraente. Não dava para ver toda a extensão de suas qualidades, mas, levantando um pouco a cabeça do travesseiro, vi que era magro, mas não demais, com ombros largos e braços até um pouco fortes, embora certamente não frequentasse a academia tanto como meu ex.
Seus cabelos eram castanhos, de um tom claro, como mel. Eram bem curtos, então seria impossível defini-los como lisos ou crespos. Sua pele era tão lisa e clarinha, parecia tão macia que faziam meus dedos coçarem de vontade de tocá-lo, o que certamente era alguém efeito tardio do álcool. E sem dúvidas podia dizer que exalava um perfume delicioso e masculino.
Mentalmente me dei um high-five pela bela escolha! Afinal, se era para fazer algo do tipo, que deixasse uma boa impressão.
Só me faltava descobrir quem era o homem deitado ao meu lado.
Além disso, tinha o fato de que, ao que tudo indicava, estávamos completamente nus (o que parecia não ter percebido até aquele momento). E olha que eu não era uma pessoa que dormia sem colocar um pijama.
Varrendo meu quarto com os olhos ao me levantar pelos cotovelos, tentando não me mover muito rápido, vi que nossas roupas pareciam jogadas por todos os cantos. Minha calça jeans, a blusa branca completamente amassada. Minha lingerie pousava em cima da televisão. Havia também um jeans masculino com cinto preto, uma camisa clara listrada e um tênis vermelho.
Tênis vermelho? Tinha uma vaga lembrança de ver alguém com tênis dessa cor na noite anterior, no aniversário de Igor.
Teria dormido com um amigo dele? Oh, não! Que desgraça! Ele usaria essa informação para me atormentar com suas piadinhas por muitos meses. Anos até!
Deitei a cabeça novamente no travesseiro com as duas mãos no rosto. Isso não podia estar acontecendo!
O movimento sem planejamento fez com que o cara acordasse. Ele usou a mão que descansava do lado oposto a mim para limpar os olhos, provavelmente tentando lembrar onde estava. Encarei a cena petrificada.
Sequer lembrava o nome do cara! Que constrangedor! Não sabia como reagir.
Ele finalmente percebeu que não estava no próprio quarto e resolveu se virar para o meu lado.
Sua expressão era a de quem não sabia onde estava e o que fazia ali. Contudo, também era a de quem me reconhecia. A de quem me conhecia há anos.
— Henrique! — gritei, pulando da cama e puxando o edredom para me cobrir o máximo possível (o que era ridículo, pois claramente ele já havia visto tudo e muito mais).
Ao fazer isso, no entanto, deixei seu corpo totalmente descoberto. Nem consegui virar o rosto ou fechar os olhos para a cena de seu traseiro redondo e branco. Um belo traseiro, diga-se de passagem! Mas o traseiro de Henrique! Que vergonha! Eca! O primo de minha melhor amiga, quem me conhecia desde os cinco anos de idade!
Foi sua vez de pular da cama, sentando-se de barriga para cima no colchão e usando meu travesseiro para cobrir suas partes íntimas. Suas bochechas tinham adquirido um tom bastante avermelhado.
As minhas provavelmente estavam da mesma cor.
E eu pensava apenas sobre em que momento de nossas vidas Henrique tinha ficado tão gostoso! E por que diabos eu estava pensando nisso! Eca! Talvez fosse pelo fato de que estivesse encarando seu peito nu coberto com alguns pelos claros com olhos arregalados de susto e vergonha.
— O q-que foi q-que aconteceu aqui? — gaguejei.
Talvez ele se lembrasse melhor do que eu. Porque não havia como aquilo ter acontecido. De forma alguma!
— Não sei — respondeu, sem me olhar. — Mas tenho alguma ideia.
Baixei os olhos, ainda mais envergonhada por entender todo o sentido daquela frase. Eu tinha transado com o primo de minha melhor amiga! Tinha dormido com o cara com quem discutira e brigara um zilhão de vezes na infância e adolescência! E o pior era que ele não parecia nem um pouco incomodado com isso.
Parabéns, Andressa! Dessa vez você se superou!
— Talvez... — hesitei. — Talvez não tenha sido exatamente como você tá pensando. Talvez... talvez a gente tenha ficado com calor!
Henrique soltou uma risada e se remexeu na cama, fazendo o travesseiro revelar um pouco mais de pelos do que eu gostaria de ter visto. E agora eu era que estava com bastante calor.
— Mas como foi que viemos parar aqui? — perguntei, tentando acessar as informações em meu cérebro, sem sucesso. — Estávamos no bar e então todos foram embora...
— Foi quando você me convenceu a ir a uma balada para que “encontrássemos alguém que nos fizesse sair da fossa”. — me interrompeu. — Suas palavras, não minhas.
Tinha uma vaga lembrança disso. Só a Andressa bêbada faria esse tipo de convite a um cara com quem não tinha a mínima intimidade. Porém, definitivamente não era esse Henrique que eu lembrava de ter conversado na noite anterior. Era como se fosse um estranho qualquer.
— E como foi que chegamos aqui? E juntos?
— Você chamou um Uber — falou, fazendo uma careta de quem está tentando recordar de cada detalhe. — Mas ao invés de colocar o endereço do lugar, colocou o da sua casa.
Ele deu uma risadinha debochada nessa parte.
— Só percebemos quando estacionamos aqui na frente.
— Sério? — falei, sentando na cama, sem acreditar. — Não lembro de nada. E por que você subiu?
— Bem... você disse que estava com fome e eu também. Então você sugeriu que subíssemos porque tinha ganhado de Páscoa um ovo de colher da sua mãe.
Meu ovo! Não acredito que eu tenha sugerido algo assim! Não dividia minha comida com ninguém, ainda mais quando se tratava de chocolate!
— Não tenho nem ideia do que aconteceu depois disso. E tenho uma leve lembrança de você dizer que tinha umas bebidas no armário...
Minhas bebidas também? Aquilo era só de enfeite. Não oferecia para ninguém!
Passei a mão livre pelo rosto novamente tentando recordar de mais alguma coisa, sem sucesso algum.
— Até aí não temos nenhuma prova de que rolou alguma coisa a mais entre nós — eu disse, depois de suspirar. — Estávamos tão bêbados a ponto de não lembrar de nada, o que significa que estávamos bêbados o suficiente para não conseguir fazer nada, certo?
De repente Henrique se inclinou para frente, deixando cair um braço para fora da cama para alcançar algo no chão. Virei o rosto para não acabar encarando sua bunda. Ele levantou, voltando à mesma posição de antes, porém, dessa vez, havia uma cueca boxer preta nos dedos.
— Bem, aqui tá a prova! — respondeu, parecendo triunfante.
No meio de sua roupa íntima jazia a prova do crime: um pacote de camisinha aberto e vazio.
— Pelo menos fomos prudentes — ele riu, como se fosse uma espécie de piada, ainda que parecesse mais uma risada de alívio.
Que tão sorridente era aquele novo Henrique? Por que é que ele não estava furioso e irritado comigo?
Suspirei alto e gemi, tapando o rosto com as mãos, derrotada e completamente envergonhada pelo que tinha acontecido.
— Caramba, mas é tão ruim assim a ideia de transar comigo? — Henrique perguntou, de repente parecendo irritado.
Ele já estava em pé e havia vestido a cueca quando me virei para encará-lo. Eu não queria ficar olhando diretamente para sua pele descoberta, então tentei focar apenas em seu rosto incomodado.
— Não é isso! — me defendi, sem querer irritá-lo mais. — É que é muito esquisito. Como se fosse proibido, tipo incesto.
Nós somos quase parentes!
— Andressa, nós não somos primos. Não temos nenhuma relação de sangue, que me lembre!
— Certo, mas passamos a vida toda juntos. É quase como se fosse assim.
Foi a sua vez de suspirar, ainda que parecesse mais um rosnado. Então se abaixou e juntou a calça jeans.
— Não, não é. E se isso aconteceu, tenho certeza que você permitiu. Então agora não venha com essa conversinha...
Ele começou a vestir a calça enquanto falava naquele tom insuportável que me dava vontade de arrancar todos seus dentes com um alicate.
— Ah, Henrique, me poupe! — vociferei, levantando da cama, ainda coberta pelo edredom. — Só mesmo muito bêbada para eu ter permitido que algo assim acontecesse. Você se aproveitou da minha fragilidade.
Ele já havia alcançado a camisa e o tênis enquanto eu falava.
— Melhor eu ir embora. Não vou ficar aqui ouvindo o quanto você se arrepende de algo que nem lembra como aconteceu.
Fiquei apenas observando enquanto ele juntava e vestia suas roupas, pensando com que cara nos veríamos da próxima vez em que nos encontrássemos.
— Melhor esquecer que isso um dia aconteceu, certo? — ele disse, depois de terminar de abotoar a camisa, agora toda amassada.
Como se eu lembrasse de alguma coisa!
— E melhor que a Cacá não saiba disso, certo? — sugeri, alisando o tecido do edredom, sem conseguir olhá-lo.
— Se depender de mim, ninguém vai saber — concordou.
E nem esperou que me levantasse para sair. Ouvi apenas o barulho da porta se fechando na sala.
Dizem que existe amor à primeira vista. Particularmente, nunca experienciei esse tipo de sentimentos e nem tenho certeza se isso um dia possa acontecer comigo ou com qualquer pessoa. Acredito que o amor aconteça quando conhecemos a pessoa profundamente e que, à primeira vista, tudo o que pode haver é atração física (por isso certamente já passei muitas vezes, sobretudo com Bernardo). Isto é, como posso amar uma pessoa sem saber nada sobre ela, sem saber se gosta das mesmas coisas que eu, se torce para o time rival ou ronca à noite, se votou em certo candidato ou se não baixa a tampa do vaso?Esse tipo de conhecimento só se adquire mesmo com a convivência diária, em minha humilde opinião.Em contrapartida, acredito fielmente no que chamo de ódio à primeira vista. Foi assim com Henrique. Nossas almas não se bateram, éramos como almas rivais.
Meu aniversário de 27 anos passou completamente despercebido, sem nenhuma comemoração de minha parte. Estar próximo dos trinta me deixava muito nervosa.No dia 23, terça-feira, passei quase todo trabalhando, indo a foro, delegacia e até presídio para protocolar processos e tentar liberar um cliente que tinha sido pego com drogas. Eram poucas gramas e ninguém tinha provas se era para venda ou consumo próprio, então eu precisava me virar como dava para usar isso a meu favor. Ou a favor dele, no caso.Chegando em casa, não fiz nada além de sentar em meu confortável sofá retrátil acinzentado com o sushi pedido na telentrega e uma taça de vinho branco, sozinha e absolutamente cansada, sentindo uma leve cólica me incomodando que apenas me deixava alerta sobre eu estar ovulando ou próximo de menstruar. Depois do término, eu meio que tinha me lib
Uma parte de mim, aquela parte piegas, romântica e estupidamente boba que habitava meu ser, já me imaginava de vestido branco entrando em uma igreja ao som da marcha nupcial, acompanhada de meu pai, enquanto Bernardo me esperava no altar chorando de emoção ao me ver tão linda e feliz. É claro que ele estaria chorando. Se existia algum homem no mundo que chorasse mais que ele, eu desconhecia. Era só começarmos a brigar ou eu ameaçar terminar a relação para que seus olhos começassem a ficar molhados. Foi realmente incrível ele não ter feito isso naquele dia, no shopping. Acho que estava sem reação.Eu era, certamente, o homem daquela relação. Ao menos nesse quesito.Ainda bem, no entanto, que essa parte sentimental e sem sentido de meu subconsciente parecia estar adormecida naquele momento. Ou talvez tivesse falecido ao ser esfaqueada pela trai&cce
Duas semanas depois do ocorrido, achei que nunca mais veria meu dinheiro. Cassiani havia sido solto, mas ninguém me atendia no número que me deu. Às vezes só chamava, outras nem tinha sinal. E cada dia ficava mais preocupada de não receber meus honorários. Até porque já havíamos conversado e Cassiani prometera me entregar pessoalmente quando saísse.Naquele dia, precisava mais uma vez ir ao presídio pegar a assinatura de um garoto que havia sido preso com drogas e que outro preso havia me indicado. Nem o conhecia ainda, mas já havia conseguido encontrar todo o processo com os dados que me enviara pelo Whatsapp. Sim, porque eles conseguiam se comunicar com o lado de fora muito fácil atualmente. Provavelmente era mais fácil falar com alguém que estivesse lá dentro do que com Carolina, que era a rainha de me deixar no vácuo por horas.Entrei na sala e me
Não sabia muito bem por onde começar nem como, mas ao menos sabia que deveria falar sobre aquilo com alguém. Então enviei mensagem a Carolina perguntando se podíamos conversar. Seria difícil, eu estava constrangida, me sentindo culpada e a pessoa mais estúpida, porém só havia uma pessoa em que confiava. Sabia que ela não me julgaria, mas também sabia que ficaria um pouco exaltada demais ao descobrir toda a verdade. Nem lembrava que dia da semana era. Não até que ela disse que tinha reunião na escola e que só poderíamos conversar no dia seguinte, me deixando sozinha com meus pensamentos horríveis. O pior de não conseguir esperar, era fingir que estava tudo bem, mesmo ela insistindo em saber logo do que se tratava. Ainda pior era não conseguir colocar nada no estômago, em parte porque estava muito nervosa, em parte porque tinha a sensação de que tudo que entrasse tentaria sair imediatamente, como realmente aconteceu. Estava me negando a aceitar que haveria uma
Foi o jantar mais esquisito da minha vida. E tenho certeza que Henrique concordava sobre o quão embaraçosa era aquela situação.Para começar, meus amigos nem chegaram a comentar o fato de que eu estaria presente em sua casa quando o convidaram. Logo, quando o primo de Carolina entrou no apartamento, sem ter ideia do que o esperava, e me viu sentada no sofá com provavelmente a cara mais estranha do mundo (e, posso até dizer, sentindo falta de ar e suando, mesmo estando quinze graus na rua), todo mundo percebeu seu choque. O sorriso com o que cumprimentou a prima morreu imediatamente. E a expressão que se formou em seu rosto, não sabia dizer se era vergonha, repulsa, confusão ou até mesmo curiosidade. Definitivamente não era alegria.Ele sabia que alguma coisa estava estranha. Sabia que não o chamariam no mesmo momento em que eu (a não ser que houvesse outras pessoas, o que
— Você achou tão ruim assim a ideia de ter um filho meu? — ele perguntou, depois de um tempo. Eu me afastei, limpando meu rosto com os dedos. Henrique parecia tão diferente, tão inofensivo com aquela expressão meio chateada, meio angustiada. Seus olhos estavam um pouco vermelhos e brilhantes, o que parecia significar que estava se segurando muito para aparentar estar calmo. Ele nunca demonstraria o quão abalado estava, porém eu sabia que o tinha chocado. — Não queria que o pai do meu filho me odiasse — falei, segurando o choro. Henrique sorriu. Era quase imperceptível, mas eu conhecia tão bem sua cara de mau humor constante, as sobrancelhas quase juntas e os lábios curvados para baixo que um leve arquear para cima era fácil de notar. — É claro que não odeio, Andressa — contestou. — A gente pode fazer isso funcionar, não pode? Balancei a cabeça, querendo acreditar que sim, que faríamos aquilo funcionar de alguma maneira. Então o barulho da chav
Em junho, no dia dos namorados, eu estava sozinha. Dois meses que estava solteira e sem nenhuma perspectiva de voltar a ter alguém. E sem nada para fazer porque todo mundo parecia acompanhado. Teria convidado alguma amiga para curtir aquela depressão ao meu lado, porém não sabia de ninguém que estivesse no mesmo barco. Bem, o meu barco provavelmente era único: sozinha, solteira e grávida no dia dos namorados. Certeza de que o nome desse barco era "Carma" e ele poderia afundar a qualquer instante nos mares profundos da minha solidão. Me achava no direito de estar tão depressiva depois de tudo que estava passando. Para piorar a situação, Bernardo passara o dia mandando mensagens e postando indiretas no Twitter sobre poder estar com a pessoa amada naquele dia e ter sido dispensado. Era tão ridículo que ele fizesse tanto drama se tinha sido tudo sua culpa pelo término do relacionamento. Poderíamos estar os dois juntinhos em algum lugar romântico para casais ou at