Não sabia muito bem por onde começar nem como, mas ao menos sabia que deveria falar sobre aquilo com alguém. Então enviei mensagem a Carolina perguntando se podíamos conversar. Seria difícil, eu estava constrangida, me sentindo culpada e a pessoa mais estúpida, porém só havia uma pessoa em que confiava. Sabia que ela não me julgaria, mas também sabia que ficaria um pouco exaltada demais ao descobrir toda a verdade.
Nem lembrava que dia da semana era. Não até que ela disse que tinha reunião na escola e que só poderíamos conversar no dia seguinte, me deixando sozinha com meus pensamentos horríveis.
O pior de não conseguir esperar, era fingir que estava tudo bem, mesmo ela insistindo em saber logo do que se tratava. Ainda pior era não conseguir colocar nada no estômago, em parte porque estava muito nervosa, em parte porque tinha a sensação de que tudo que entrasse tentaria sair imediatamente, como realmente aconteceu.
Estava me negando a aceitar que haveria uma coisinha crescendo dentro de mim. E que essa coisinha viraria um bebê em algum momento. E que aquele bebê nasceria em oito meses e teria não só meus genes como os de Henrique. E que teria que conviver com ele por todo o resto de minha vida.
Levaria muito tempo para que as coisas parecessem normais e aceitáveis na minha mente.
Minha imaginação me levava longe. Lembrava de todas as brigas que tivera com Henrique na vida, de suas expressões de raiva que me deixavam louca, de suas poucas palavras, mas sempre certeiras. Ele sempre levara muito tempo para responder às minhas grosserias, porém quando fazia, sempre conseguia me atingir. Então já imaginava que a minha situação não seria fácil, muito menos agradável.
Estava pagando por todos os meus pecados. E em vida.
Tinha certeza de que ele teria um ataque do coração quando descobrisse. Ou que tentaria me assassinar. Não queria ficar pensando em sua reação, mas era impossível. Não conseguia parar de lembrar de sua demonstração de ódio naquele domingo de manhã após eu me mostrar com nojo do que fizéramos.
Passei a noite de um pesadelo a outro. Lembro de um em que revelava a Henrique sobre a gravidez e ele me obrigava a abortar. Parecia muito a cara dele dizer algo do tipo, porque sabia que aquilo me afetaria.
Nem tinha pensado nessa possibilidade até o aquele momento. Eu defendia a liberação do aborto há anos, indo a passeatas e coisas do gênero. Mas agora que estava do outro lado, parecia tão horrível. Não tinha coragem de fazer algo assim. Achava que a situação de cada mulher fazia diferença nessa questão e eu não estava do lado mais fraco, das mães pobres e sem nenhuma ajuda do parceiro. Mesmo que o pai do bebê não quisesse assumir, o que era pouco provável devido às nossas circunstâncias, era um risco que eu podia assumir. Não seria fácil nem barato, no entanto eu tinha meus pais e avós para ajudarem. Até Carolina e Igor se precisasse.
Em outro sonho, todo mundo ria e me apontava: lá vai a Andressa, tão jovem, sozinha e carregando um filho de sabe-se lá quem. A mãe solteira, tão mal vista! Era um pensamento ridículo, mas não podia evitá-lo. Meu subconsciente era pior que adolescente, cheio de dramas.
Pela manhã, estava praticamente morta. Quando me olhei no espelho, parecia um fantasma: branca e com olheiras fundas e escuras. Não consegui trabalhar nada. Fiquei até às três da tarde na cama, um pouco assistindo televisão, um pouco dormindo.
Tentei colocar comida para dentro, porém tudo que consegui comer foi bolacha cream cracker, sem gosto e quase sem nenhum cheiro. Estava tão fraca que fui até o apartamento de Igor e Carolina de Uber, com medo que pudesse causar algum acidente com meu carro.
Assim que minha amiga abriu a porta e viu minha expressão de defunta sabia que alguma coisa muito ruim havia acontecido. Ela correu pra me fazer uma água com açúcar enquanto eu sentava no sofá, já com lágrimas rolando por meu rosto. Será que não conseguiria mais parar de chorar?
— O que foi, Dêssa? O que aconteceu, amiga?
Como não respondi, ela me abraçou, bem apertado, um daqueles abraços que só alguém que se importa consegue dar, um abraço que suga toda nossa tristeza e nos deixa melhores. Pensei que não conseguiria abrir a boca, porém, depois de alguns minutos de muitos soluções e falta de ar, parecia mais calma.
— A-acho... q-que.... tô... grávida — revelei, no meio de seus cabelos.
Ela se afastou rápido, me encarando com seus enormes olhos castanho-esverdeados.
— Juro que começaria a rir desesperadamente com a sua piada — brincou. — Mas sua cara me diz que isso é sério.
— É sério, muito sério. — bebi um gole da água doce que ela me alcançara.
Ela engoliu em seco, com os olhos franzidos de desolação antes de perguntar:
— O Bernardo já sabe?
Balancei a cabeça, negando. Não porque ele não sabia, mas porque nem tinha por que saber.
— Quando ele vai saber?
— Provavelmente nunca — sugeri e ela arregalou os olhos. — Ele não tem nada a ver com isso!
Minha amiga riu, achando graça. Só que não era uma piada.
— Ele não é o pai.
Seus olhos se abriram ainda mais, o que era bastante assustador.
— Espera um pouquinho! — ela pôs uma mão espalmada a sua frente. — O que você andou fazendo no último mês que eu não tô sabendo? Você nem saiu de casa, como pode tá grávida? Você tá me zoando, é isso?
Foi minha vez de engolir em seco. Fechei os olhos por alguns segundos, tomando coragem para contar tudo desde o início. Carolina ia ter um surto quando entendesse tudo.
— Lembra o aniversário do Igor?
— Claro —ela disse. — Você tinha acabado de terminar com o Bernardo e bebeu todas aquela noite. Inclusive, quando fui embora, você ainda estava lá. Ou não, na verdade nem lembro direito.
Gemi, a história chegando perto.
— Naquela noite, não fui a única que bebeu todas — contei, sem encará-la. — Uma outra pessoa que estava lá também bebeu. E nós acabamos indo pro meu apartamento. Juntos. Não sei exatamente como. Sei apenas que acordei com um cara deitado na minha cama. Não foi preciso muito para juntar as peças.
— Certo. E quem é essa outra pessoa? Um amigo do Igor? Um colega?
— De certa forma.
— Fala logo, mulher!! Com quem você dormiu?
Coloquei as duas mãos em frente ao rosto, me escondendo, com vergonha, respirei fundo uma, duas vezes é soltei, baixinho, junto com mais umas quantas lágrimas:
— Com o Henrique.
Senti o sofá se mexer assim que Carolina pulou, ficando de pé. Sua expressão demonstrava a mais assombrada das compreensões. Então ela começou a rir.
— Que Henrique? O meu Henrique? Meu primo? Henrique Altermann?
— Simmmm... — resmunguei, tentando respirar.
— Ai, para, Andressa. Que piada sem graça. Você vem até aqui me pregar essa depois que já passou mais de um mês do dia primeiro de abril. É retaliação pela piada que eu fiz?
Aquela boba tinha me ligado chorando, pedindo que eu fosse até a delegacia porque tinha sido presa com maconha. Dizia que teria pegado de um aluno e que não quisera que ele se desse mal, mas que no fim tinha esquecido dentro do bolso e fora revistada em uma batida de carro. Por um segundo realmente acreditei. Contudo, como era Carolina e ela adorava me tirar para besta, achei melhor dar uma de esperta antes e disse que estava ocupada com um caso e que ela ligasse para seu pai, que também era advogado, embora não criminalista. Logo ela revelou ser mentira, como sempre.
— Quem dera. Não é uma piada. — E eu certamente não estava rindo.
— Parece uma. Uma de muito mal gosto, por sinal.
— Concordo em gênero, número e grau. Mas é a verdade.
— Não é não! — insistiu. — Isso nunca aconteceria. Vocês não se suportam! Isso não é possível. Você não aceitou nem trocar um beijinho com ele, imagina fazer mais ainda!
— Eu entendo a sua incredulidade, mas, outra vez, é a mais pura verdade.
Suas sobrancelhas se arquearam, finalmente parecendo aceitar os fatos. Então desabou no sofá ao meu lado, limpando o suor do rosto com as mãos, sem me encarar.
— Desde quando isso vem acontecendo?
— Isso não vem acontecendo — corrigi. — Foi apenas uma vez. E eu simplesmente não lembro de absolutamente nada. Nem ele. A gente acordou junto no meu apartamento e é isso.
Carolina sentou outra vez, com os olhos desfocados. Se eu mesma não acreditava, como ela poderia?
— Mas você não toma anticoncepcional? Vocês não usaram camisinha? Eu não entendo.
— Eu também não entendo, Cá. Havia um pacote de preservativo. Achei que fosse suficiente.
— Ai, meu Deus! Todos os meus sonhos de infância se realizaram! — ela riu, parecendo feliz.
Claro que sim. Minha amiga era tão insensata que só ela mesmo acharia aquela uma situação boa.
— Porque não são os seus sonhos de infância que estão indo pelo ralo junto com a sua dignidade! — quase gritei.
Ela sempre conseguia me tirar do sério com suas gracinhas. Será que não via o quão traumatizada estava?
— Me perdoa, Dêssa! — pediu, sincera. — Fiquei meio exaltada. Nem consigo acreditar ainda. Grávida! Do Henrique!!! Ele já sabe?
— Claro que não. Acho que nunca vou conseguir contar.
— Você já foi ao médico? — ela quis saber.
— Nem ao menos fiz um teste de farmácia. Porque acha que tô aqui?
— Sua doida, e eu aqui tendo esperanças enquanto você pode estar apenas com a menstruação atrasada! — ela gritou, me puxando pela mão até a porta.
— Acho que duas semanas tá longe de ser apenas um atraso.
— Ainda tem uma chance de não ser isso. Você sabe que pode ser apenas estresse, não? Você tá trabalhando muito, não tem mais o Bê pra ajudar. Meu Deus, o Bernardo vai ficar louco quando descobrir o que aconteceu!
...
Quinze minutos depois, havíamos ido até a farmácia mais próxima e tínhamos não apenas uma, mas duas caixinhas contendo testes de gravidez diferentes. Queria ter certeza absoluta de qual seria o resultado. E ainda tinha esperanças de ser tudo um falso alarme.
Contudo, assim que fiz xixi no potinho e enfiei o primeiro teste lá dentro, imediatamente apareceram dois tracinhos. Como dizia que levava três minutos para aparecer o resultado, achamos que poderia estar estragado. Então tentei outra vez.
Na segunda tentativa, demorou um pouco mais para aparecer o segundo tracinho.
— Merda, deu positivo outra vez! — gritou Carolina, segurando o palitinho no ar sem nem se preocupar com meus fluidos corporais.
Naquele exato momento, no entanto, Igor entrava na porta no apartamento. Nós duas olhamos assustadas para onde se encontrava, pois não estávamos pensando em contar a ele nada do que havia acontecido. Ele era a pior pessoa quando se tratava em guardar segredo. E ainda por cima era amigo de Henrique.
Em alguns poucos passos largos conseguiu chegar até nós, que, de tão surpresas, nem conseguíamos falar.
— Eu vou ganhar uma princesinha? — ele perguntou, parecendo muito mais feliz do que se podia imaginar.
Eu e minha amiga apenas nos olhamos com os olhos arregalados de surpresa, sem saber o que fazer, eu com o copinho de urina e ela com o teste.
Não era segredo que Igor queria ter filhos. Ele falava isso aos quatro ventos. Minha amiga, pelo contrário, como eu, ainda não se sentia pronta para tanto. Sem contar que havia acabado de conseguir emprego em uma escola particular.
Então a situação mais inimaginável (porém muito a cara de Igor) aconteceu. Ele se abaixou, pegando a mão vazia de Carolina e, olhando-a nos olhos, disse:
— Princesa, vamos nos casar?
Ela, boba como era, desatou a rir, não sei se achando realmente engraçada da situação ou se de nervoso, sabendo que a proposta tinha a ver apenas com a gravidez inexistente.
— Não tô grávida, Prim — falou, entre risos, chamando-o pelo diminutivo de seu apelido, Príncipe (embora, de príncipe mesmo ele não tivesse nada, exceto os cabelos escuros e ondulados até os ombros).
Então me lançou um olhar de súplica, pedindo para que revelasse tudo e desfizesse aquele mal-entendido.
— Mas se você não... — antes que conseguisse terminar a frase, Igor pareceu entender quem realmente seria a mãe naquele quarto. — Mas... como?...
— Acho que você sabe como! — minha amiga proferiu.
Só então, percebendo o engano, é que se levantou.
— E o Bernardo já sabe? — perguntou, baixinho, como se alguém pudesse ouvir e sair espalhando.
Revirei os olhos e suspirei, pensando em quantas vezes teria que escutar aquilo.
— Não é do Bernardo. — Carolina explicou, levando o teste para o banheiro e lavando as mãos.
— Você não sabe quem é o pai? — Igor perguntou, sussurrando.
— Igor!!!! — xingou ela. — É claro que ela sabe! É do Henrique!
Meu amigo também arregalou os olhos, surpreso, assim como a namorada fizera ao descobrir. Ela poderia ter sido um pouco mais sutil ao contar aquela parte da história. Mas sutileza era algo que Carolina desconhecia. Especialmente depois de conhecer o namorado.
— E quando é que você vai contar pro pai? — ele perguntou.
Estava grata por Igor nem sempre levar tudo na brincadeira e conseguir não ficar curioso demais em saber de toda a história (ainda que possivelmente sua namorada contaria tudo assim que eu fosse embora).
Sentei na cama, sentindo todo o redemoinho de emoções voltar, assim como minhas lágrimas.
Igor sentou ao meu lado e passou os braços ao meu redor, tentando me consolar. Deitei a cabeça em seu ombro e me deixei chorar sem culpa. Quem sabe as lágrimas acabassem e me sentisse melhor. Quem sabe as coisas se resolvessem mais facilmente.
— Ela precisa contar logo pra ele. — Ouvi Igor dizer, como se eu não estivesse mais ali.
— Você sabe que eles não se dão bem. — Carolina explicou. — Ela tá com medo.
— Tenho certeza de que ele vai entender. O Henrique é um cara legal.
— Ele vai. Conheço meu primo. Ele vai assumir isso sem problema.
Eu não tinha tanta certeza. Carolina não tinha ideia do tamanho de nosso ódio um pelo outro. Nem do tanto de vezes em que havíamos discutido longe dela.
— Ela não pode contar isso por telefone. — Igor falou.
— Não, também acho que deve ser pessoalmente — ela concordou, agora mais perto, afagando meus cabelos como se eu fosse uma criança.
Criança. Eu ainda me sentia como uma.
— E se a gente convidasse os dois para jantar aqui em casa no sábado? Você acha que ele viria? — Igor sugeriu.
— É bem mais possível do que se ela simplesmente o convidar para ir a sua casa.
— Ainda tô aqui, sabia? — murmurei.
— E o que você acha? — minha amiga perguntou, agora que a estava encarando.
Dei de ombros, sem saber exatamente o que pensar. Que outra opção teria? Se telefonasse, ele acharia estranho, talvez discutíssemos ali mesmo. Se o chamasse para me encontrar em algum lugar, seria esquisito. Se fosse a minha casa... bem, duvido muito que quisesse ir à minha casa sem que contasse o motivo. Será que pensaria que estava interessada em mais uma noite de sexo? Oh, Deus, era tão complicado.
Provavelmente a melhor opção era mesmo ter Igor e Carolina de cúmplices.
O que está achando da história? Será que o Henrique vai cair nessa?
Foi o jantar mais esquisito da minha vida. E tenho certeza que Henrique concordava sobre o quão embaraçosa era aquela situação.Para começar, meus amigos nem chegaram a comentar o fato de que eu estaria presente em sua casa quando o convidaram. Logo, quando o primo de Carolina entrou no apartamento, sem ter ideia do que o esperava, e me viu sentada no sofá com provavelmente a cara mais estranha do mundo (e, posso até dizer, sentindo falta de ar e suando, mesmo estando quinze graus na rua), todo mundo percebeu seu choque. O sorriso com o que cumprimentou a prima morreu imediatamente. E a expressão que se formou em seu rosto, não sabia dizer se era vergonha, repulsa, confusão ou até mesmo curiosidade. Definitivamente não era alegria.Ele sabia que alguma coisa estava estranha. Sabia que não o chamariam no mesmo momento em que eu (a não ser que houvesse outras pessoas, o que
— Você achou tão ruim assim a ideia de ter um filho meu? — ele perguntou, depois de um tempo. Eu me afastei, limpando meu rosto com os dedos. Henrique parecia tão diferente, tão inofensivo com aquela expressão meio chateada, meio angustiada. Seus olhos estavam um pouco vermelhos e brilhantes, o que parecia significar que estava se segurando muito para aparentar estar calmo. Ele nunca demonstraria o quão abalado estava, porém eu sabia que o tinha chocado. — Não queria que o pai do meu filho me odiasse — falei, segurando o choro. Henrique sorriu. Era quase imperceptível, mas eu conhecia tão bem sua cara de mau humor constante, as sobrancelhas quase juntas e os lábios curvados para baixo que um leve arquear para cima era fácil de notar. — É claro que não odeio, Andressa — contestou. — A gente pode fazer isso funcionar, não pode? Balancei a cabeça, querendo acreditar que sim, que faríamos aquilo funcionar de alguma maneira. Então o barulho da chav
Em junho, no dia dos namorados, eu estava sozinha. Dois meses que estava solteira e sem nenhuma perspectiva de voltar a ter alguém. E sem nada para fazer porque todo mundo parecia acompanhado. Teria convidado alguma amiga para curtir aquela depressão ao meu lado, porém não sabia de ninguém que estivesse no mesmo barco. Bem, o meu barco provavelmente era único: sozinha, solteira e grávida no dia dos namorados. Certeza de que o nome desse barco era "Carma" e ele poderia afundar a qualquer instante nos mares profundos da minha solidão. Me achava no direito de estar tão depressiva depois de tudo que estava passando. Para piorar a situação, Bernardo passara o dia mandando mensagens e postando indiretas no Twitter sobre poder estar com a pessoa amada naquele dia e ter sido dispensado. Era tão ridículo que ele fizesse tanto drama se tinha sido tudo sua culpa pelo término do relacionamento. Poderíamos estar os dois juntinhos em algum lugar romântico para casais ou at
Estávamos completamente loucos. Não havia sequer uma explicação para tudo que estava acontecendo, a não ser que tivéssemos finalmente perdido o juízo. Até poderia dizer que eu havia perdido o juízo primeiro, mas não era como se Henrique tivesse resistido por um segundo sequer. Não havia uma palavra específica para descrever tudo o que havia se passado em meu apartamento, em minha sala, em meu sofá. Poderia dizer que havia sido esquisito, pois essa foi a sensação. No entanto, isso não era tudo. Também foi incrivelmente extraordinário. No sentido mais original daquela palavra: extra, de além; ordinário, de normal. Porque não foi nada do que já havia experimentado em todos os meus vinte e sete anos de idade. Claro que eu não era a pessoa com o maior número de experiências na vida. Não havia carinho nem gentileza, não havia amor nem sentimentalismo. Era fogo, era selvagem, e Henrique precisou cobrir minha boca provavelmente umas três vezes por estar gritando. Sé
— Acho que a gente podia criar algumas regras nesse nosso acordo — sugeri, mais tarde naquela noite. Estávamos os dois deitados em minha cama, embaixo de vários cobertores, porque a noite estava extremamente fria. Não vestíamos nada além das meias (isso apenas porque ninguém nunca lembra das meias, e sexo com pés gelados já é um pouco demais). Eu tentava pensar em como fazer aquela loucura dar certo. Era uma novidade e tanto não me importar com um relacionamento sério. Normalmente já estaria fazendo planos para sairmos juntos ou apresentá-lo a meus amigos, mas aquele era Henrique e se tudo desse certo, só queria vê-lo em minha cama, nu, sem dizer uma palavra. Nossas interações fora dela deveriam ser no máximo relacionadas ao bebê dentro do meu útero. Dessa vez eu não estava chorando, o que me parecia ser um bom indício de que não estava ficando maluca. Obviamente, depois do que havia acontecido da outra vez, quando sentira uma tristeza e uma solidão inexplicá
Naquele domingo de manhã, juntei toda minha coragem para ir até minha antiga casa almoçar com meus pais. Estava nervosa, minhas mãos tremiam, não sabia nem por onde começar. Era como se tivesse dezesseis novamente e precisasse contar que tirara nota baixa em física ou química. Não conseguia imaginar suas reações. Mas, se tinha dado tudo certo com Henrique, não havia como não dar com meus próprios pais, certo? Esperava que sim. De qualquer maneira, passara o resto da semana imaginando qual a melhor maneira de contar. Nem me atrevi a ligar para Henrique, porque ele provavelmente se recusaria a me encontrar enquanto não tivesse revelado tudo, embora eu acreditasse que um bom sexo aliviaria um pouco minha tensão. Não queria ter que começar mais uma discussão com ele, ainda que nossas últimas brigas tenham terminado de uma forma muito mais do que agradável! Mas nem sempre seria assim. Entrei com minha própria chave, que ainda tinha caso houvesse alguma emergência.
Eu havia chegado há não mais do que cinco minutos quando o interfone tocou e abri para Henrique subir.Quando pensei no tal acordo, não havia realmente imaginado como seria, já que estava mais interessada no que aconteceria naquele dia, não nos outros. Não sabia quando ou se apareceria à vontade, ou se realmente teria coragem para chamá-lo algum dia. Não tínhamos realmente intimidade para aquele tipo de conversa.Todas as vezes em que havíamos transado havia sido no calor do momento, depois de uma briga, nada que tivesse sido planejado (exceto a última, depois de discutirmos as regras do acordo). Será que só ficaria excitada se brigássemos? Talvez o que precisava contar a ele ajudasse nessa questão, porém eu havia prometido a mim mesma que pararia de implicar com Henrique e seria uma adulta de uma vez por todas. Já estava mais do que na hora de
Em pouco mais de um mês, já sabia muito mais sobre Henrique do que nos vinte e dois anos em que nos conhecíamos.Cada vez me surpreendia mais com o fato de que não sabia nada sobre aquele homem como imaginava que sabia. Cada vez me surpreendia mais com a ideia de que gostava muito mais daquele homem que estava começando a conhecer. Embora eventualmente não o entendesse. Como não compreendia porque tinha falado tanto com meus pais, mas continuava completamente em silêncio ao meu lado depois de me levar em casa. Era como se tivesse apenas dado uma pausa em sua ira. E eu não fazia a mínima ideia do que havia feito daquela vez.Teria sido por haver falado rispidamente quando mencionou sua opinião sobre meu cabelo? Ou por tê-lo obrigado a ir ao jantar? Não fazia sentido. Ele já estava mal-humorado antes mesmo de abrir a boca.— Entregue, sã e salva — falo