Uma parte de mim, aquela parte piegas, romântica e estupidamente boba que habitava meu ser, já me imaginava de vestido branco entrando em uma igreja ao som da marcha nupcial, acompanhada de meu pai, enquanto Bernardo me esperava no altar chorando de emoção ao me ver tão linda e feliz. É claro que ele estaria chorando. Se existia algum homem no mundo que chorasse mais que ele, eu desconhecia. Era só começarmos a brigar ou eu ameaçar terminar a relação para que seus olhos começassem a ficar molhados. Foi realmente incrível ele não ter feito isso naquele dia, no shopping. Acho que estava sem reação.
Eu era, certamente, o homem daquela relação. Ao menos nesse quesito.
Ainda bem, no entanto, que essa parte sentimental e sem sentido de meu subconsciente parecia estar adormecida naquele momento. Ou talvez tivesse falecido ao ser esfaqueada pela traição de meu ex-namorado.
Se tivesse ouvido aquela pergunta dois meses antes, quando achava que estava tudo ótimo e que ficaríamos muito tempo namorando, que talvez estivéssemos até morando juntos em alguns meses, teria me sentido a mulher mais feliz do mundo, mesmo achando cedo demais para tanto. Mas, sinceramente, sendo a pessoa realista que era, aquela proposta não teria acontecido de verdade tão cedo.
Mesmo sendo romântica e acreditando no amor como acreditava, nunca pensei que algum dia seria pedida em casamento. Quer dizer, isso ainda acontecia nos dias atuais? Parecia ser algo saído de uma novela (de preferência uma telenovela latina estrelada pela Thalía e passando pela décima vez no SBT!).
Sempre pensei mais que entraríamos em um acordo, como se a partir de certo ponto do relacionamento os dois combinassem que estava na hora de oficializar o relacionamento, não sem antes passar pela parte de se conhecer, namorar e morar junto. Tudo tinha uma ordem, um tempo certo para acontecer.
No entanto, havia me esquecido o quão sentimental e romântico Bernardo era, sempre fazendo grandes declarações ou grandes surpresas. Sempre fazendo com que eu quisesse abrir um buraco no chão e pular para um reino desconhecido onde não precisasse passar por tanta vergonha. Por que precisava tanto que todos soubessem o quanto me amava? Não fazia o menor sentido.
Ele me pedira em namoro na frente da faculdade de direito, diante de todos os estudantes, com um buquê de flores. Como eu diria que não? Como eu não me apaixonaria?
Parecia lindo, exceto que agora entendia que tudo era parte de um plano maligno para me fazer acreditar que de todas as idiotices do mundo que poderia fazer, trair nunca seria sua escolha.
Ao ouvir a pergunta, um sorriso bobo foi se formando em meu rosto, depois uma risadinha nervosa. Coloquei a mão sob a boca para esconder meu desespero. Mas não se engane, eu não estava planejando responder positivamente. Em segundos estava gargalhando sem conseguir parar, com dificuldades para respirar.
— Isso é um sim? — perguntou, parecendo realmente contente. — Isso é felicidade?
Aquilo só podia ser algum tipo de piada. Ou isso ou nunca havia percebido o quão lerdo era Bernardo.
Sua falta de compreensão fazia com que a situação fosse ainda mais engraçada. Eu não conseguia não ser debochada naquele momento, ainda que soubesse que ele estava sendo sincero e que acreditasse mesmo no tamanho de seu amor.
Talvez por conhecê-lo tão bem é que soubesse melhor do que ninguém o quanto aquele amor era falso e apenas de aparências. Bernardo só não queria perder a namorada advogada, bonita e de família rica.
Ao menos era o que deveria fazer meu coração acreditar ao invés de focar na parte em que ele ainda estava apaixonado e completamente arrependido.
— Claro que não! — falei, em meio às risadas. — Não vou me casar com você, Bernardo. Levanta daí! Não seja ridículo!
Meu ex-namorado metido a mocinho galã de novela das seis finalmente resolveu se levantar, sem entender o que estava acontecendo.
— Nós não precisamos casar agora, amor — explicou, ainda sem entender o tamanho de meu rechaço. — Podemos ficar noivos por enquanto e casar mais tarde. Quando você quiser.
Comecei a rir novamente, entendendo melhor a situação. Aquilo era mesmo apenas uma maneira de voltarmos ao que era antes. Não havia intenção verdadeira de se casar. Talvez ele desistisse e me enrolasse por mais alguns anos até finalmente me deixar por outra.
— Ah, Bernardo, não faça isso! Sério! Não passe essa vergonha — soltei, séria. — Nós nunca vamos nos casar. Pelo menos não um com o outro. Nem vamos voltar a ser namorados. Cai na real! O que você fez não tem perdão. Ao menos para mim. E você já deveria saber disso.
— Mas a gente se ama, Dêssa.
Sem mentira nenhuma, ele chegou a ficar com os olhos marejados de tanta tristeza. Vê-lo sofrer daquele jeito me deixou extremamente mal e por um segundo eu quis abraçá-lo e perdoar todas as suas traições. Pareço ser bastante pragmática e dura em determinadas situações, mas meu coração é de manteiga derretida, ainda mais quando se tratava de Bernardo. Era muito difícil me manter séria quando ele chorava.
Era muito absurdo que um cara com ele pudesse fazer o que fez. Antes de descobrir a traição, não conseguiria nem pensar nessa possibilidade, porque um cara que comprava flores, que trazia presentes, que levava a namorada para jantar fora em restaurantes caros e chiques não faria uma coisa dessas. Um cara que enchia o apartamento com velas e preparava um jantar de aniversário de namoro não poderia trair a confiança de quem dizia ser namorado. Um cara que vivia fazendo surpresas boas não surpreenderia a namorada dessa forma.
Pelo menos era o que pensava até descobrir que era tudo fachada. Que as diversas vezes em que saiu de madrugada para atender um cliente, Bernardo poderia estar na verdade indo encontrar alguma garota. Que em muitos dos momentos que me dissera que estava saindo com os amigos, na realidade estaria se encontrando com alguma alguém. Meu cérebro já havia entendido, mas meu coração ainda não tinha juntado as peças daquele quebra-cabeça.
— Só o amor não sustenta um relacionamento, Bê — expliquei, toda carinhosa, segurando suas mãos na frente do peito. — Você sabe que nunca mais teria confiança e nosso namoro seria uma porcaria. Eu fazia um esforço tremendo para não me incomodar de você sair sempre com seus amigos sem me levar junto, mas você se aproveitou disso.
Confiava tão cegamente nele que me obrigava a não sentir ciúmes.
— Mas você sempre preferia ficar em casa! — tentou se defender. — Só queria ficar jogada assistindo Netflix!
Ele tinha razão, porém isso não era motivo suficiente para me trocar por outra pessoa. Se era tão difícil, por que não tinha simplesmente terminado o relacionamento de uma vez?
— Essa sou eu — respondi, dura. — Se não é suficiente pra você, é porque não era pra ser.
Seus ombros estavam caídos e a cabeça baixa, mas ele ainda conseguiu me encarar para dizer:
— Eu posso mudar. Por você posso mudar. Juro. Preciso de você de volta.
Uma lágrima conseguiu se soltar e descer por sua bochecha e eu me segurei ao máximo para não beijar sua boca e dizer que o perdoava e que tudo ia ficar bem.
— Não, não precisa — falei, depois de engolir o nó que se formava em minha garganta.
Ele tentou se aproximar mais, porém consegui abrir a porta o suficiente para empurrá-lo até o corredor escuro e frio.
— E já estou em outra mesmo — soltei.
Sabia que era bastante ridículo estar mentindo, no entanto, que outra alternativa teria se Bernardo continuaria tentando me convencer a voltar? E em algum momento certamente conseguiria.
A melhor defesa é o ataque!
Ele abriu bem os olhos, arqueando as sobrancelhas, sem compreender a extensão de minhas palavras.
— Do que você tá falando? Você tá saindo com alguém?
— Uhum — confirmei, subindo a voz umas duas oitavas.
Ele pareceu não perceber o ato falho.
— Mas faz só três semanas!
Talvez devesse ter ficado um pouco mais incomodada com o fato de ele pensar que eu não era capaz de encontrar outro relacionamento assim tão rápido, que apenas ele conseguiria fazer algo assim. Bem, eu não era, mas o idiota não precisava saber.
— Sei disso — falei, com um sorriso amável que beirava o diabólico. — Mas quando tem que ser, acontece. A gente se completou de uma maneira que não sei explicar. De uma maneira que eu e você nunca nos completamos.
Provavelmente essa era uma fala de algumas dos filmes ou séries românticos clichês que vira nas últimas semanas sem parar, enquanto passava um tempo sozinha comigo mesma e chorava pelo que havia acontecido, tentando me convencer de que não valia a pena perdoá-lo.
— Desde quando isso tá acontecendo? — Bernardo quis saber, contrariado.
Uma vez me ensinaram que para uma mentira ser bem contada, você não pode inventar tudo. O melhor é sempre contar uma verdade, porque então a pessoa que estiver ouvindo vai ter alguma coisa em que se agarrar e você não vai ter uma história tão descabida. Foi assim que acabei pensando no primeiro homem que apareceu em minha mente: Henrique. Até porque ele tinha mesmo sido o único a cruzar meu caminho nessas últimas semanas.
Sem contar que ele sempre aparecia em minha mente, para meu desespero.
— Faz um pouco mais de uma semana, mas a gente se conhece há muito tempo.
Desde os cinco anos, quis acrescentar. Porém, eles meio que se conheciam, então achei melhor deixar seu nome oculto naquele instante.
— Vocês já estão namorando, é isso?
— Hmmmm... — pensei, desviando os olhos — eu diria mais que estamos nos conhecendo melhor. Ainda não definimos assim por um termo tão específico.
Bernardo baixou a cabeça, sem conseguir mais me olhar. Queria confortá-lo, dizer que tudo ficaria bem, contudo isso implicaria em acabar caindo em tentação. Por isso disse o que sempre ouvia em todas as histórias românticas quando chegava ao fim de um relacionamento:
— Você vai encontrar outro amor. Não se preocupe.
Ao menos sabia que eu encontraria. Porque, ainda que tivesse sido traída (pela primeira vez na vida, que soubesse) continuaria sendo uma pessoa boba o bastante para me apaixonar de novo. Várias vezes, inclusive!
Embora na maioria das histórias de amor os protagonistas acabem se fechando para relacionamentos depois de uma decepção como aquela, eu não seria assim.
Contudo, para isso, precisaria sair de novo. E ainda não estava pronta para ir a lugar nenhum. Não novamente. Pois só de pensar em beber outra vez já me dava um ataque de pânico de tanto medo que tinha de fazer mais uma idiotice como a de ter dormido com o primo de minha melhor amiga. Precisaria de ao menos mais algumas semanas, talvez meses, para me recuperar daquilo.
Sorte minha não ter lembranças de nada, já que passaria meses relembrando cada detalhe, como a psicopata social que era.
Antes de fechar a porta de uma vez por todas, tentando amenizar todo o sofrimento que estava causando, resolvi terminar minha fala:
— Mas nós ainda podemos trabalhar juntos e ser amigos — falei. — De verdade.
E eu estava falando sério.
Então fechei a porta e voltei para o computador, porque precisava conseguir a soltura do Cassiani de uma vez e não queria mais pensar em meu ex-namorado e sua proposta ridícula. Ou em Henrique, porque seria muito ridículo de minha parte ficar rememorando todas as partes que me lembrava daquela noitada.
De qualquer forma, nenhum deles sairia do meu pensamento tão cedo, porque, ainda que fosse racional, meu cérebro insistia em ficar refazendo meus passos a todo momento.
Foi apenas no dia seguinte que consegui tirar um tempo para ir até a Vara de Execuções Criminais, a famosa VEC, fazer o pedido de remoção de meu cliente.
Praticamente fui escorraçada do local de tanto infernizá-los até conseguir o que queria.
Por fim, havia conseguido a liberação do dinheiro e de Cassiani. Mas era sexta-feira e, se cumprissem a ordem de liberação, nunca mais veria o cara nem a cor dos meus honorários, já que não tinha nenhum contato dele na rua.
Para minha sorte, e não a de Cassiani, como sempre, eles não estavam mais no plantão e já era considerado final de semana, então tudo que precisava era esperar até segunda-feira para ir até lá e tentar falar com Cassiani antes que ele fosse solto. Esperava que desse tempo.
Naquele dia eu estava bastante exausta, correndo de um lado a outro para tentar fazer tudo antes do final de semana começar. Até porque, tinha certeza, no domingo meus pais iriam querer sair para um almoço de comemoração de meu aniversário. Algo que não estava nem um pouco interessada, mas precisava fingir que sim. Eu era a única filha e precisava dar pelo menos esse gostinho a minha família.
Para piorar meu ânimo naquele dia complicado, quando me atirei no sofá, querendo descansar, alcancei meu celular para checar as redes sociais e fui justamente lembrada que era aniversário de Henrique. Como se me importasse. Nem sabia por que o seguia no F******k. Ainda mais depois do que havia acontecido.
Tentava não pensar nele, mas parece que quanto mais se tenta esquecer algo, mais se pensa no assunto. E a situação havia sido tão atípica que era quase impossível não ficar imaginando como foi que tínhamos chegado naquele acontecimento. No fundo, queria mesmo entender o que havia acontecido.
Como havia previsto, no domingo precisara mesmo sair para almoçar com meus pais e meus padrinhos. Me arrumei, fui educada e gentil como nunca, uma lady, como meus pais me ensinaram a vida toda, ainda que por dentro quisesse apenas sofrer mais um tantinho por não conseguir perdoar meu ex-namorado.
Minha mãe parecia bastante contente com a separação, já que ela não ia muito com a cara dele. Passou o dia me bajulando, me abraçando e me apertando como se fosse um ursinho de pelúcia.
Meu pai também parecia bem feliz, e achei que pudesse ser pelo fato de que não estava mais namorando Bernardo, embora ele nunca tenha se mostrado contra. Tinha certeza de que o sonho dele não era me ver casada, mas trabalhando e tendo sucesso. Porém, se fosse para ter um relacionamento, que tivesse com alguém importante, como um empresário bem-sucedido, um filho de um de seus amigos.
Somente na segunda-feira, bem cedo, pude ir ao centro de triagem, rezando para que ainda não tivessem liberado Cassiani e conseguisse ver meus honorários.
Lá estava meu cliente, aquele enorme afroamericano sem muita instrução, mas extremamente amável. Ele me recebeu com um sorriso de orelha a orelha, a felicidade em pessoa. E nem havia dado a boa notícia ainda.
Como a boba que era, tentei ficar séria e dizer que tinha uma notícia ruim. Seu sorriso morreu por um instante e ele me olhou com os olhos tristes e as sobrancelhas franzidas.
— Tô brincando! — falei. — Você será liberado hoje ainda.
Cassiani começou a gritar enlouquecidamente. Depois voltou a entrar onde os outros réus esperavam e pulou com eles, se batendo um nos outros, como se fosse a final de um campeonato de futebol. Não sei como ele não acabou fazendo um strike naqueles garotos minúsculos.
Levou um tempo até que voltasse e viesse me abraçar, quase quebrando meus ossos.
— Preciso que você me dê o contato de alguém da rua pra avisar — pedi, depois que ele me soltou.
Ele então passou o número de sua esposa.
O deixei lá, já que meu trabalho tinha terminado e já não havia mais nada a fazer, a não ser ligar para a esposa, que foi exatamente o que fiz antes de voltar para o carro.
O telefone tocou e tocou, mas ninguém atendeu. Então entrei em meu carro, com a intenção de ir embora para casa, pois me sentia bastante cansada. Talvez por ter levantado tão cedo. Quer dizer, cedo para mim, a pessoa que odiava acordar antes das nove da manhã.
Já havia andado uns cinco minutos quando meu celular começou a tocar a baladinha do momento. Como estava na frente de um posto de combustíveis, parei para abastecer e pude atender a chamada.
— Alô? Quem é que tá falando? — uma voz feminina e grave perguntou, parecendo irritada.
— Eu é que pergunto! — falei. — Foi você quem me ligou.
Abri o vidro e dei a chave para o frentista colocar o combustível, dizendo para completar o tanque. Sairia uma fortuna, mas se não fosse assim, acabaria esquecendo de abastecer outra vez. Já havia ficado no meio da rua sem gasolina.
— Olha, meu bem, tem uma ligaçãozinha sua aqui no celular do meu marido. — a mulher respondeu, bastante incomodada.
Dei uma risadinha sem som.
— E quem é o seu marido? — perguntei.
— É o Chocolate.
— Ahhhhhhh!!!!! — suspirei, entendendo. — Aqui quem fala é a advogada do Cassiani: doutora Andressa.
Ela também parecia aliviada e sua voz estava bem menos grave quando falou:
— Ah, doutora, que bom que é a senhora. Alguma novidade?
— Claro que sim. O Cassiani vai ser liberado hoje de tarde — avisei.
— Que coisa boa, doutora! Que coisa boa!
Ela gritou para mais alguém que ele estava sendo solto e ouvi outras vozes gritarem ao fundo.
— Esse é o telefone da minha cunhada, doutora. Fiquei sem saldo para ligar. Mas que bom que era a senhora. Acho que sou um pouquinho ciumenta com o meu Chocolate.
Já havia percebido.
Nos despedimos, depois de explicar a ela o que deveria ser feito.
Duas semanas depois do ocorrido, achei que nunca mais veria meu dinheiro. Cassiani havia sido solto, mas ninguém me atendia no número que me deu. Às vezes só chamava, outras nem tinha sinal. E cada dia ficava mais preocupada de não receber meus honorários. Até porque já havíamos conversado e Cassiani prometera me entregar pessoalmente quando saísse.Naquele dia, precisava mais uma vez ir ao presídio pegar a assinatura de um garoto que havia sido preso com drogas e que outro preso havia me indicado. Nem o conhecia ainda, mas já havia conseguido encontrar todo o processo com os dados que me enviara pelo Whatsapp. Sim, porque eles conseguiam se comunicar com o lado de fora muito fácil atualmente. Provavelmente era mais fácil falar com alguém que estivesse lá dentro do que com Carolina, que era a rainha de me deixar no vácuo por horas.Entrei na sala e me
Não sabia muito bem por onde começar nem como, mas ao menos sabia que deveria falar sobre aquilo com alguém. Então enviei mensagem a Carolina perguntando se podíamos conversar. Seria difícil, eu estava constrangida, me sentindo culpada e a pessoa mais estúpida, porém só havia uma pessoa em que confiava. Sabia que ela não me julgaria, mas também sabia que ficaria um pouco exaltada demais ao descobrir toda a verdade. Nem lembrava que dia da semana era. Não até que ela disse que tinha reunião na escola e que só poderíamos conversar no dia seguinte, me deixando sozinha com meus pensamentos horríveis. O pior de não conseguir esperar, era fingir que estava tudo bem, mesmo ela insistindo em saber logo do que se tratava. Ainda pior era não conseguir colocar nada no estômago, em parte porque estava muito nervosa, em parte porque tinha a sensação de que tudo que entrasse tentaria sair imediatamente, como realmente aconteceu. Estava me negando a aceitar que haveria uma
Foi o jantar mais esquisito da minha vida. E tenho certeza que Henrique concordava sobre o quão embaraçosa era aquela situação.Para começar, meus amigos nem chegaram a comentar o fato de que eu estaria presente em sua casa quando o convidaram. Logo, quando o primo de Carolina entrou no apartamento, sem ter ideia do que o esperava, e me viu sentada no sofá com provavelmente a cara mais estranha do mundo (e, posso até dizer, sentindo falta de ar e suando, mesmo estando quinze graus na rua), todo mundo percebeu seu choque. O sorriso com o que cumprimentou a prima morreu imediatamente. E a expressão que se formou em seu rosto, não sabia dizer se era vergonha, repulsa, confusão ou até mesmo curiosidade. Definitivamente não era alegria.Ele sabia que alguma coisa estava estranha. Sabia que não o chamariam no mesmo momento em que eu (a não ser que houvesse outras pessoas, o que
— Você achou tão ruim assim a ideia de ter um filho meu? — ele perguntou, depois de um tempo. Eu me afastei, limpando meu rosto com os dedos. Henrique parecia tão diferente, tão inofensivo com aquela expressão meio chateada, meio angustiada. Seus olhos estavam um pouco vermelhos e brilhantes, o que parecia significar que estava se segurando muito para aparentar estar calmo. Ele nunca demonstraria o quão abalado estava, porém eu sabia que o tinha chocado. — Não queria que o pai do meu filho me odiasse — falei, segurando o choro. Henrique sorriu. Era quase imperceptível, mas eu conhecia tão bem sua cara de mau humor constante, as sobrancelhas quase juntas e os lábios curvados para baixo que um leve arquear para cima era fácil de notar. — É claro que não odeio, Andressa — contestou. — A gente pode fazer isso funcionar, não pode? Balancei a cabeça, querendo acreditar que sim, que faríamos aquilo funcionar de alguma maneira. Então o barulho da chav
Em junho, no dia dos namorados, eu estava sozinha. Dois meses que estava solteira e sem nenhuma perspectiva de voltar a ter alguém. E sem nada para fazer porque todo mundo parecia acompanhado. Teria convidado alguma amiga para curtir aquela depressão ao meu lado, porém não sabia de ninguém que estivesse no mesmo barco. Bem, o meu barco provavelmente era único: sozinha, solteira e grávida no dia dos namorados. Certeza de que o nome desse barco era "Carma" e ele poderia afundar a qualquer instante nos mares profundos da minha solidão. Me achava no direito de estar tão depressiva depois de tudo que estava passando. Para piorar a situação, Bernardo passara o dia mandando mensagens e postando indiretas no Twitter sobre poder estar com a pessoa amada naquele dia e ter sido dispensado. Era tão ridículo que ele fizesse tanto drama se tinha sido tudo sua culpa pelo término do relacionamento. Poderíamos estar os dois juntinhos em algum lugar romântico para casais ou at
Estávamos completamente loucos. Não havia sequer uma explicação para tudo que estava acontecendo, a não ser que tivéssemos finalmente perdido o juízo. Até poderia dizer que eu havia perdido o juízo primeiro, mas não era como se Henrique tivesse resistido por um segundo sequer. Não havia uma palavra específica para descrever tudo o que havia se passado em meu apartamento, em minha sala, em meu sofá. Poderia dizer que havia sido esquisito, pois essa foi a sensação. No entanto, isso não era tudo. Também foi incrivelmente extraordinário. No sentido mais original daquela palavra: extra, de além; ordinário, de normal. Porque não foi nada do que já havia experimentado em todos os meus vinte e sete anos de idade. Claro que eu não era a pessoa com o maior número de experiências na vida. Não havia carinho nem gentileza, não havia amor nem sentimentalismo. Era fogo, era selvagem, e Henrique precisou cobrir minha boca provavelmente umas três vezes por estar gritando. Sé
— Acho que a gente podia criar algumas regras nesse nosso acordo — sugeri, mais tarde naquela noite. Estávamos os dois deitados em minha cama, embaixo de vários cobertores, porque a noite estava extremamente fria. Não vestíamos nada além das meias (isso apenas porque ninguém nunca lembra das meias, e sexo com pés gelados já é um pouco demais). Eu tentava pensar em como fazer aquela loucura dar certo. Era uma novidade e tanto não me importar com um relacionamento sério. Normalmente já estaria fazendo planos para sairmos juntos ou apresentá-lo a meus amigos, mas aquele era Henrique e se tudo desse certo, só queria vê-lo em minha cama, nu, sem dizer uma palavra. Nossas interações fora dela deveriam ser no máximo relacionadas ao bebê dentro do meu útero. Dessa vez eu não estava chorando, o que me parecia ser um bom indício de que não estava ficando maluca. Obviamente, depois do que havia acontecido da outra vez, quando sentira uma tristeza e uma solidão inexplicá
Naquele domingo de manhã, juntei toda minha coragem para ir até minha antiga casa almoçar com meus pais. Estava nervosa, minhas mãos tremiam, não sabia nem por onde começar. Era como se tivesse dezesseis novamente e precisasse contar que tirara nota baixa em física ou química. Não conseguia imaginar suas reações. Mas, se tinha dado tudo certo com Henrique, não havia como não dar com meus próprios pais, certo? Esperava que sim. De qualquer maneira, passara o resto da semana imaginando qual a melhor maneira de contar. Nem me atrevi a ligar para Henrique, porque ele provavelmente se recusaria a me encontrar enquanto não tivesse revelado tudo, embora eu acreditasse que um bom sexo aliviaria um pouco minha tensão. Não queria ter que começar mais uma discussão com ele, ainda que nossas últimas brigas tenham terminado de uma forma muito mais do que agradável! Mas nem sempre seria assim. Entrei com minha própria chave, que ainda tinha caso houvesse alguma emergência.