Devo ser honesta e dizer que fui com a cara de Bia desde o começo. Com certeza teria nela uma aliada, principalmente para descobrir tudo sobre o tal do Nick e sobre a mulher misteriosa que estava atrás de sua herança. Quem sabe não acabaria descobrindo algo sobre a noiva que o abandonara?
Não que estivesse interessada nele, mas informação é sempre informação, principalmente na minha área. Saímos da recepção e Bia me levou para uma construção de dois andares, pequena, porém charmosa.
— Que casa linda, Bia! Vocês recebem hóspedes aqui no haras? — Perguntei curiosa.
— Às vezes, quando é realmente necessário. Essa é a casa do Nick.
— Eu vou ficar aqui? — Arregalei os olhos, horrorizada.
— Hum-hum.
— Mas, Bia, não há outro lugar?
— Só se quiser ficar nos estábulos — disse, dando de ombros — Mas acho que não vai querer, não é mesmo? — Deu-me uma piscadinha matreira, enquanto sorria.
— Não mesmo. Se não há outro remédio, então, fazer o quê? — respondi ressentida — Tem certeza de que ele não vai se importar se eu ficar aqui? Eu não o conheço, quer dizer, essa cidade é pequena...
— Ah, não se preocupa, doutora! A cidade é pequena, mas o povo não liga mais pra isso.
— Por favor, Bia, me chame de Bárbara, ou Babi, se preferir.
— Babi? Gostei!
— Você mora aqui na fazenda? — Perguntei, com uma pontinha de curiosidade. Bia era uma mulher bonita. Teria ela consolado o brutamonte, enquanto fragilizado? Embora não parecesse nada fragilizado.
— Ah, não! Moro na cidade — sorriu acanhada — Aqui fica a sala.
Mostrou-me um espaço não muito grande. Havia dois sofás, uma TV de tela plana grande, almofadas combinando com as cortinas nas janelas, tapete indiano no chão e quadros com motivos indianos e tribais nas paredes. O que achei estranho para um tipo como o Nick. Esperava por quadros com cavalos, e algo do gênero.
— A sala é linda. Não pensei que ele apreciasse esse tipo de decoração.
— Na verdade, esse era o estilo da noiva dele. — Lá fica a cozinha — indicou uma porta à nossa frente, mudando de assunto — Sabe cozinhar?
— Eu me viro, mas vou ter que cozinhar? — Perguntei espantada.
— Se tiver fome, vai sim.
— Ele não tem empregada?
— Tem sim, mas hoje é feriado e todos estão ajudando no casamento.
— Todos? – Questionei curiosa.
— Sim, Babi. Os casamentos aqui são muito divertidos e todo mundo participa. Uns ajudam na cozinha, outros na decoração e outros vêm com seus instrumentos musicais para alegrar os convidados. Um tablado é montado e a dança corre solta até altas horas da madrugada.
— Parece realmente divertido. E você, vai ajudar em quê?
— Vou ser garçonete, dentre outras coisas.
— E o casamento será aqui no haras?
— Hum-hum. Tem uma igrejinha logo ali embaixo, mas devido à quantidade de pessoas, faremos a cerimônia e a festa no galpão de ferramentas, que deverá ser limpo ainda hoje.
— Bem pitoresco. E quem são os noivos? Algum parente do Nick? — Perguntei, chamando-o pelo apelido.
— Ah, não! Venha Babi, vou te mostrar o quarto. Fica lá em cima.
Subimos a escada em silêncio. O fato de ela não me dizer quem eram os noivos me deixou curiosa. Tentei interpelá-la novamente, porém, antes que o fizesse, ela abriu a segunda porta do corredor, à direita do hall da escada, e entrou ali.
— Você vai ficar aqui, Babi. Gostou? — Perguntou orgulhosa, com os olhos brilhando.
— É lindo! – Admirei, sentindo uma ligeira inquietação.
O quarto era realmente lindo, para um lugar como aquele. Todo em tons rosa pálido e creme, com cortina florida na janela, combinando com a colcha da cama enfeitada de almofadas de cor creme.
— Vou pedir para o Junior pegar sua mala no carro e trazer aqui. — Disse, enquanto eu espiava pela janela do quarto, onde a vista se perdia em meio a tanto verde, terminando no sopé de uma montanha. Lá os cavalos andavam e corriam brincando, com suas crinas dançando ao vento. Suspirei emocionada.
— Eu nunca pensei que um lugar assim existisse — suspirei admirada — Parece coisa de novela!
— O Nick deu duro pra construir tudo isso. — Bia me encarou, enquanto um pensamento passou ligeiro em minha mente: Será que Bia era apaixonada por ele?
— Eu pensei que ele tivesse herdado o Haras do pai. — Indaguei, não deixando transparecer o quanto esse pensamento me deixou irritada.
— E herdou, porém não era nem sombra do que é hoje.
— Entendo.
— Bem, vou deixar você descansando e quando quiser descer, já sabe onde fica a cozinha.
— Você vai embora? — Fiquei apreensiva, por ficar sozinha naquele lugar.
— Sim. Sabe, marquei teste para o cabelo e unhas. — Mostrou-as para mim, com um sorriso gigante no rosto.
— Tá legal, então. A gente se vê mais tarde, certo? — Perguntei, enquanto caminhávamos à porta do quarto.
— Acho que sim. Só uma coisa, Babi. O quarto ao lado do seu é do Nick. Esse aqui — indicou a porta da frente — era da noiva dele. Não entre aí, entendeu?
— Não pretendia entrar — respondi assustada, diante de seu olhar — Mas por que não se pode entrar?
— Ele não deixa ninguém entrar aí. Desde que ela foi embora, ele passou a chave e não abre nem mesmo pra Maria limpar.
— Que estranho! Por que ela o deixou?
— Ninguém sabe e é melhor não comentar nada com ele. Ele fica uma fera com o assunto.
— Ok.
- Vou indo então, Babi.
— Ah, Bia? — Chamei-a enquanto ela descia a escada.
— Sim?
— Se eu puder ajudar em alguma coisa...
— Com certeza você terá que ajudar, sim. São muitas pessoas...
— Você não me disse quem são os noivos...
— A filha do prefeito. — Respondeu de um jeito esquisito, quase como se não gostasse da moça; mas então, acabou por sorrir, e se virou descendo a escada.
Meu Deus! Onde eu tinha ido me meter? O lugar era lindo, mas as pessoas um tanto esquisitas, diferentes das que estava acostumada a lidar. Um homem sedutor e grosso, abandonado pela noiva, que não deixava ninguém entrar em seu quarto. Por quê? Eu também havia sido abandonada, e nem por isso, fechei o meu quarto depois que Artur se foi. Isso seria impossível, já que não me mudaria do apartamento por usa causa. Tudo o que fiz foi pegar suas camisas preferidas - que acabaram se rasgando “acidentalmente” – fazendo-as voar pela janela quando ele foi buscá-las; quanto as calças, ops!, acabaram queimando bem no cavalo; porém não tive culpa uma vez que o telefone resolver tocar no momento em que estava com o ferro ligado. Tudo bem que ele ficou louco da vida. O vento estava muito forte naquele dia, propenso para chuva de roupas e, por isso, jamais poderia me processar! Eu acabaria deixando-o sem nada, sou muito boa nisso, e ele também sabe.
Conforme combinado, o rapaz trouxe minha mala para o quarto, e enquanto colocava as roupas no guarda-roupa, ouvi um barulho no corredor. Pensando que fosse Bia que havia voltado, saí do quarto para falar com ela. Espiei o corredor e não vi ninguém. Caminhei até o hall da escada e a sala continuava vazia. Ao retornar para o quarto, pensei ter visto, com a visão periférica, alguém passando por uma das portas. Corri até lá e, mais uma vez, não havia ninguém ali. Que estranho! Jurava ter visto algo se movimentando pelo corredor. Chamei por Bia e não recebi nenhuma resposta. Intrigada, voltei ao quarto, e terminei de arrumar as coisas, dando de ombros. Hora de preparar algo para comer! Estava faminta.
Corri os olhos pelos armários da pequena cozinha à procura de algo que pudesse transformar em uma refeição decente, já que a última vez que colocara alguma coisa no estômago fora no jantar, antes de tomar quase uma garrafa de vinho. Estava com o corpo inclinado dentro da geladeira, quando ouvi aquela voz encorpada e grossa, me assustando profundamente:— O que você está fazendo? — Perguntou, me deixando vermelha, como se tivesse sido pega fazendo algo de errado.— Estou procurando algo para comer. Bia disse que eu podia me virar em sua cozinha. — Senti-me desconfortável ao ficar de frente para aquele homem alto e forte.— Você veio direto de São Paulo para cá?— Sim. Confesso que estou morrendo de fome.— Tem pão no armário de cima, e frios nos pot
Quando cheguei à casa de Nick já estava escurecendo. Acendi as luzes e chamei por ele. Como não obtive resposta, resolvi tomar um banho bem demorado e depois, preparar algo para comer. Aquele lanchinho há muito se fora. Não que eu seja uma pessoa gulosa. Depois que terminei meu namoro com Artur, fiquei vários dias sem me alimentar direito, e foram minhas roupas que mais sentiram. Porém um mísero pão de forma com presunto e queijo, não é lá uma refeição que se preze. Precisava comer algo com mais substância. Enquanto vasculhava a cozinha a procura de arroz, Nick chegou:— O que está fazendo? — Perguntou, novamente, com aquela voz profunda.— Isso já está ficando embaraçoso! Estou tentando fazer o jantar. Posso? — Encarei-o ameaçadoramente, com uma panela na mão.
Não queria ser pega espionando-os, porém não fui tão veloz quanto pretendia. Ao chegar ao meio da escada, ouvi a porta se abrindo e sua voz zangada quando a luz se acendeu:— Para onde você pensa que vai?— Vou pro quarto. — Respondi envergonhada.— Você também ouve conversa dos outros, além de vasculhar onde não é chamada?— Eu não tive a intenção de ouvir nada. Desci para pegar um copo de água, e estava subindo quando entrou — encarei-o desafiadoramente, enquanto ele me olhava desconfiado — Sua camisa! Você está sangrando.— Droga. — Respondeu olhando para a mancha vermelha.— Tire a blusa! Deixe-me ver. — Pedi, enquanto descia ao seu encontro.Ele retirou a blusa e tive que prender a respiração. Mesmo aqu
A cama de repente ficou bem mais aconchegante depois daquela conversa descontraída com Nick. Uma barreira, pequena, diga-se de passagem, havia sido quebrada entre nós. Isso era fato. Ele sofrera por amor e eu também, o que de certa forma nos aproximava. Não que eu quisesse me envolver com ele, apesar do cara ser digno de ser trabalhado. Talvez fosse isso que o deixava irresistível para algumas mulheres. Não para mim, é claro! Embora, muitas vezes, enquanto rolava pela cama noite adentro, alguns pensamentos libidinosos insistiam em povoar minha mente, principalmente quando me lembrava de sua mão apertando minha perna, ao sentir dor, enquanto desinfetava seu machucado. Estava ficando quase impossível deixar de pensar nele. Porém, não queria me envolver mais do que já estava envolvida. Também não queria que ele pensasse que eu era uma garota que ca
Ficamos muito ocupados durante o dia. Algumas vezes me encontrava com o Nick. Nossos olhos se cruzavam e sempre havia um pequeno sorriso no canto dos lábios, e o mais importante, em seus olhos também. Depois de nossa conversa na noite anterior ele até que parecia mais amigável, e eu me via cada vez mais ansiosa, desejando ficar a sós com ele. Eu sei que não devia pensar nessas coisas, já que estava indo embora, mas cada vez que o via, esse meu coração arredio, turbulento, batia descompassado. O que era um tanto insólito, depois de ter jurado nunca mais me aproximar de nenhum homem. Entretanto, o coração às vezes é feito um rio que corre para o mar. Quem pode detê-lo?No meio da tarde, uma mulher ainda jovem, bem arrumada, chegou ao escritório do Haras com uma criança — um menino de uns cinco anos ap
Segui seu conselho. Tomei um banho mais do que demorado. Enquanto tentava me aquecer, deixei os pensamentos voltaram para o meu quase afogamento. Não me é possível explicar, mas enquanto as cenas da moça do cavalo — Marilia, com certeza — passavam diante dos meus olhos, me pus a pensar no motivo de tudo aquilo. Não senti em nenhum momento a mão dela me empurrando para o abismo. Então como fizera aquilo? Que força desprendeu de seu braço para me fazer cair no lago? Foi isso mesmo que aconteceu, ou foi minha imaginação? Repeti o momento inúmeras vezes procurando a lógica que teimava em não vir. Não havia escorregado. Tinha certeza. Simplesmente num instante estava lá e no outro caía para a morte. Seu rosto não possuía a tez morena e saudável descrita por Nick. Estava plúmbeo. De repente
Depois daquele excesso de Nick na pista de dança, precisava de um pouco de ar fresco. A noite estava clara e as estrelas pontilhavam o céu de uma forma que jamais vemos em São Paulo. O barulho dos bichos noturnos quase era suplantado pelo som da música distante que vinha do galpão. Debrucei-me num piquete, e fiquei olhando, admirada, as estrelas. Longe das luzes da Sede, a fazenda era escura. Viam-se apenas alguns contornos clareados pela lua cheia, que enfeitavam o lugar sob o céu daquela noite. Uma leve brisa gelada acariciava minha perna, fazendo a pele se arrepiar. Além do frio, uma sensação estranha começou a percorrer meu corpo, trazendo-me o medo. Sentia, pelas costas, que estava sendo observada. No fundo, já sabia do que se tratava, porém, faltava-me coragem de olhar por sobre o ombro.Respirei fundo, tentando controlar a ansiedade que antecipa
Já que não podia voltar à festa, sem que a noiva tentasse me matar, entrei na casa de Nick me jogando no sofá macio. Tirei as sandálias de salto alto, e liguei a TV, procurando me distrair. As imagens corriam pela tela. Meus olhos a viam, porém meu cérebro não as registrava. Outras imagens me perturbavam naquele momento. Marilia sofrendo, a noiva enfurecida que quase me agredira, Alan com seu jeito conquistador, e Nick. Não sei por quanto tempo fiquei naquele sofá, naquela posição, olhando para a TV, enquanto os pensamentos corriam soltos. A porta se abriu e Nick entrou, fechando-a atrás de si.— Você está bem, advogada? — Perguntou me olhando gentilmente.— Acho que sim. Um pouco cansada, talvez.— Me dê seu pé — pediu, sentando-se ao meu lado no sofá.— M