Ficamos muito ocupados durante o dia. Algumas vezes me encontrava com o Nick. Nossos olhos se cruzavam e sempre havia um pequeno sorriso no canto dos lábios, e o mais importante, em seus olhos também. Depois de nossa conversa na noite anterior ele até que parecia mais amigável, e eu me via cada vez mais ansiosa, desejando ficar a sós com ele. Eu sei que não devia pensar nessas coisas, já que estava indo embora, mas cada vez que o via, esse meu coração arredio, turbulento, batia descompassado. O que era um tanto insólito, depois de ter jurado nunca mais me aproximar de nenhum homem. Entretanto, o coração às vezes é feito um rio que corre para o mar. Quem pode detê-lo?
No meio da tarde, uma mulher ainda jovem, bem arrumada, chegou ao escritório do Haras com uma criança — um menino de uns cinco anos ap
Segui seu conselho. Tomei um banho mais do que demorado. Enquanto tentava me aquecer, deixei os pensamentos voltaram para o meu quase afogamento. Não me é possível explicar, mas enquanto as cenas da moça do cavalo — Marilia, com certeza — passavam diante dos meus olhos, me pus a pensar no motivo de tudo aquilo. Não senti em nenhum momento a mão dela me empurrando para o abismo. Então como fizera aquilo? Que força desprendeu de seu braço para me fazer cair no lago? Foi isso mesmo que aconteceu, ou foi minha imaginação? Repeti o momento inúmeras vezes procurando a lógica que teimava em não vir. Não havia escorregado. Tinha certeza. Simplesmente num instante estava lá e no outro caía para a morte. Seu rosto não possuía a tez morena e saudável descrita por Nick. Estava plúmbeo. De repente
Depois daquele excesso de Nick na pista de dança, precisava de um pouco de ar fresco. A noite estava clara e as estrelas pontilhavam o céu de uma forma que jamais vemos em São Paulo. O barulho dos bichos noturnos quase era suplantado pelo som da música distante que vinha do galpão. Debrucei-me num piquete, e fiquei olhando, admirada, as estrelas. Longe das luzes da Sede, a fazenda era escura. Viam-se apenas alguns contornos clareados pela lua cheia, que enfeitavam o lugar sob o céu daquela noite. Uma leve brisa gelada acariciava minha perna, fazendo a pele se arrepiar. Além do frio, uma sensação estranha começou a percorrer meu corpo, trazendo-me o medo. Sentia, pelas costas, que estava sendo observada. No fundo, já sabia do que se tratava, porém, faltava-me coragem de olhar por sobre o ombro.Respirei fundo, tentando controlar a ansiedade que antecipa
Já que não podia voltar à festa, sem que a noiva tentasse me matar, entrei na casa de Nick me jogando no sofá macio. Tirei as sandálias de salto alto, e liguei a TV, procurando me distrair. As imagens corriam pela tela. Meus olhos a viam, porém meu cérebro não as registrava. Outras imagens me perturbavam naquele momento. Marilia sofrendo, a noiva enfurecida que quase me agredira, Alan com seu jeito conquistador, e Nick. Não sei por quanto tempo fiquei naquele sofá, naquela posição, olhando para a TV, enquanto os pensamentos corriam soltos. A porta se abriu e Nick entrou, fechando-a atrás de si.— Você está bem, advogada? — Perguntou me olhando gentilmente.— Acho que sim. Um pouco cansada, talvez.— Me dê seu pé — pediu, sentando-se ao meu lado no sofá.— M
Nem preciso dizer que pouco dormi naquela segunda noite na casa de Nick. As coisas estavam acontecendo de forma muita rápida. Mal tinha tempo de conciliar um pensamento, outro logo se sobrepunha. De certo só tinha uma coisa na mente: Descobrir tudo sobre minha cirurgia, já que havia relegado para o passado toda aquela angústia. Marilia dependia de mim, assim como Nick. Não haveria justiça para ela se ele continuasse pensando que fora abandonado. Levantei-me, sentindo um peso enorme nos ombros. Desci as escadas rezando para não dar de cara com ele. Precisava falar com minha mãe antes.— Mãe? — Perguntei ansiosa, ao ouvir sua voz alegre no celular.— Bárbara! Ah, minha filha. Você deveria ter vindo com a gente. Esse lugar é maravilhoso, querida – referia-se a sua viagem ao Rio de Janeiro.— Eu sei, mãe. O
Por volta do almoço todos já haviam ido embora, deixando o galpão pronto para mais um dia de trabalho. Despedi-me de Alan, como se nunca tivesse ouvido sua conversa com Bia, combinando nosso encontro para logo mais à noite, apesar de não estar mais com um pingo de vontade de jantar com ele. Porém, algo me dizia para ir, e tentar obter algumas respostas para as minhas perguntas. Preparei uma macarronada com almôndegas para mim e Nick, aproveitando para puxar assunto sobre a querelante, já que pensava em voltar a São Paulo na manhã seguinte.— Então, o que temos em mãos, Nick? Ela lhe deu alguma prova de que vivia com seu pai? Recibos de aluguel, certidão de nascimento do menino...— Não! Ela apareceu na fazenda se dizendo mulher de meu pai. No começo pensei que fosse algum engano, já que meu pai estava sempr
Subi as escadas correndo, deixando-o na sala, e me atirei na cama. Acho que nunca me senti tão impotente como naquele momento. Nada fazia sentido. Por que ela me fizera sonhar com pastas que pensava conter provas que me levasse ao seu assassino (ao menos eu pensava que fossem provas) se não havia nada ali? De repente comecei a ficar com dor de cabeça de verdade. Acabei tomando um analgésico e depois de um tempo, peguei no sono.Ela se ncontrava sentada em frente à mesa do escritório, com o celular na mão, e um sorriso nos olhos negros.— Tiago? É Marilia. Como vai? — Perguntou feliz.— Ah, oi Marilia.— Já pedi para o Dr. Alan separar o material genético do Meia-Noite. Quando posso te entregar?— Hum...— Algum problema? Se n
Esforcei-me para esquecer o assunto, enquanto deixava a água quente cair em meus ombros, entretanto não foi tão fácil assim. O que mais me intrigava era o motivo de Marília não ter confiado a Nicolas suas suspeitas. Não seria o certo a fazer quando se ama e se respeita alguém? Seria o temperamento dele que a refreava? Ao mesmo tempo em que se mostrava doce, era rude o suficiente para perder a cabeça diante de uma situação daquelas. Talvez Marilia temesse perdê-lo em um embate com os criminosos. Ou o motivo seria o que aquela voz sinistra insistia em sussurrar em minha mente? Num momento de fraqueza quase desisti de tudo. Seria tão simples voltar à rotina do meu trabalho. Seria, se não me conhecesse. Sempre que pegava uma causa me dedicava a ela até a exaustão, esquecendo-me até de me alimentar. Aquele assunto nã
Marilia estava em frente ao computador, em sua sala, olhando para a lista. Números piscavam incessantemente no monitor — 000.193-52. Bia entrou na sala, fazendo-a minimizar o arquivo.Ela estava deitada, com os olhos fechados, na mesa fria, pálida e imóvel, coberta por um lençol branco, dobrado até a altura dos seios. Ele se aproximou, ainda com as roupas cirúrgicas, e passou a mão por seus cabelos.— Tudo poderia ter sido diferente, doçura — disse, com a voz rouca — Mas não se preocupe. Terei um souvenir para me lembrar de você — puxou com força a corrente do seu pescoço, fazendo cintilar na luz branca um pingente de cabeça de cavalo, levando-o até a altura dos olhos, admirando-o. Seus olhos sorriram triunfantes.Acordei co