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CAPÍTULO 2

Obviamente, sabia que estava indo para uma cidadezinha minúscula, com apenas 6.977 habitantes, segundo o último censo de 2019, porém, não estava preparada para o que encontrei pela frente. O lugar era muito pitoresco, bucólico mesmo. Parecia que estava numa daquelas cidades que só vemos em filmes. Cercada por morros, que lhe conferia um charme todo especial, encontrava-me num lugar esquecido pelo tempo. A igreja católica da cidade, na praça central, era branca, tendo uma torre com um relógio à esquerda de quem a via da rua, cercada por jardins dos dois lados. Tudo era muito limpo e arrumado. Por um segundo, pensei que poderia viver ali para sempre. Livre de toda balbúrdia de São Paulo, tráfego, enchentes, caos, etc. Acreditei que conseguiria ser feliz ali. Parei no jardim em frente à Igreja para pedir informações:

— Bom dia. — Cumprimentei o senhor de chapéu de feltro marrom, sentado num banco de pedra.

— Dia!

— Por favor, o senhor sabe como faço para chegar ao Haras Appaloosa?

— Sei sim. — Respondeu abaixando a cabeça, enquanto o olhava, esperando pela resposta que não vinha.

— O senhor pode me mostrar como chego lá? — Insisti, enquanto ele acabava de enrolar um cigarrinho, passando a língua na palha para fechá-la.

— A moça vindo da onde, hein?

— De São Paulo.

— Hum. Num gosto de lá, não! Muita gente.

— É horrível mesmo. — assenti, esperando que ele me informasse logo; porém, parecia não ter pressa nenhuma — E então?

Bão! — respondeu colocando o cigarro atrás da orelha, coberta pelo chapéu — A moça vai indo, indo, indo nessa direção, sempre reto, até chegá numa encruzilhada. Lá a moça vira à esquerda, e segue mais um tantinho, que é logo ali.

— É muito longe daqui? — Estava desconfiada desse indo, indo, dele.

— Ah, não. É só um tirinho daqui!

— Sei. Obrigada, então. — Agradeci achando graça no seu jeito de se expressar.

Segui sua orientação, dirigindo devagar pela cidade. Passei por uma delegacia, escola, posto de saúde, várias praças e quando cheguei a uma estrada de terra, perdi o fôlego diante da bela cachoeira que corria lânguida à minha esquerda. Não resisti e parei o carro para admirá-la. Fiquei um tempo, respirando ar puro, sentindo uma brisa geladinha de fim de inverno e um prazer enorme. Fazia anos que não via tanto verde pincelado na planície. Dei-me conta de que nos últimos tempos só tinha à minha frente um mar de prédios sem fim. Voltei ao carro e segui suspirando pela estrada, como o velhinho me informou, até uma encruzilhada. Dobrei à esquerda e, mais alguns metros à frente, me vi diante de uma extensão enorme de terra, separada por piquetes brancos, até a entrada do Haras. No pórtico de pedra havia pendurada uma placa de madeira com o nome Appalloosa entalhada a mão, que balançava ao vento. Adentrei seguindo pela trilha de terra, passando por prados, onde cavalos maravilhosos comiam as gramíneas, e também por uma construção de pedra e madeira, que acreditava ser o estábulo; até chegar à sede. Parei o carro e fui ao encontro de um rapazinho que saía de um galpão, com uma sela pendurada às costas.

— Olá. — Cumprimentei, enquanto ele me olhava desconfiado.

— Dia!

— Onde consigo falar com o senhor Nicolas Barreto?

— Hum. Ele não tá não, moça. É só com ele?

— Sim. Tem algum lugar onde possa me refrescar?

— Refrescar? Tipo tomar banho no rio? — Perguntou o rapazinho com o cenho franzido.

— Não! Banheiro.

— Ah! — abaixou a cabeça corando — É só entrar lá na recepção que a moça mostra pra senhora.

— Tudo bem, então. — Agradeci, encaminhando-me para Sede.

Antes de entrar no prédio rústico, olhei ao redor observando a fazenda. Havia ali várias construções charmosas, cheia de hortênsias e outras espécies adornando-as. As cercas brancas que delimitavam as áreas construídas do pasto cintilavam refletidas pelo sol, realçando as flores rasteiras. Perto do prédio que parecia ser um estábulo, havia uma moça morena com a mão no flanco de um cavalo enorme, que arrastava a pata dianteira no chão. Ela disse algo em seu ouvido e o bicho se acalmou. Sorri para ela, encantada com a destreza com que lidava com o animal, entretanto não correspondeu ao meu aceno. Encarou-me como a uma intrusa e permaneceu com o semblante fechado. Dei de ombros e entrei na recepção do Haras.

— Bom dia — disse à moça loira, com o cabelo preso num rabo de cavalo — Sabe onde posso encontrar o senhor Nicolas Barreto?

— Ele foi até a cidade. Não vai demorar muito — respondeu desconfiada, mirando-me dos pés à cabeça. — A senhora o avisou que vinha?

— Não, diretamente. Mas creio que foi avisado. Sabe se há algum hotel onde possa me hospedar?

— Não tem hotel na cidade. Apenas pensão, mas está tudo ocupado.

— Ocupado?

— Sim. Vai ter um casamento aqui, amanhã, e a cidade ficou lotada de parente dos noivos. A moça foi convidada? — Perguntou curiosa.

— Não! — neguei com pesar, já pensando em onde iria dormir por esses dias.

— O que a moça quer com o Nick? — Perguntou, me encarando com os olhos semicerrados.

— Sou advogada. Fui enviada para resolvermos uma questão jurídica.

— Ah! Vai ser difícil falar com ele. Isso aqui uma loucura só! — Respondeu aliviada.

— Eu entendo, mas quanto mais cedo falar com ele, talvez consiga voltar hoje mesmo para São Paulo.

— A senhora pode até tentar, mas acho que não vai dar.

— Ele tem celular? Pode falar com ele e dizer que estou aqui?

— Posso até tentar, mas sabe, com essas montanhas, o celular não costuma pegar bem aqui.

— Merda! — Praguejei baixinho, levando todo aquele meu bem estar, recentemente adquirido, para o espaço.

— O que disse? — Perguntou a mocinha, com um sorrisinho nos lábios.

— Nada. Pode tentar ligar para ele?

— Posso sim. A senhora pode esperar na sala de TV, se quiser. — Disse, indicando o lugar com a cabeça.

— Vou sim. Tem banheiro aqui? — Olhei para os lados, procurando por alguma indicação.

— Tem sim. É só para os funcionários, mas tome a chave — jogou-me uma chave com um chaveiro de cabeça de cavalo, indicando-me o caminho com a mão.

Segui até o banheiro feminino, e depois fui esperar na sala de TV, na esperança de que ela conseguisse falar com o tal do Nick. Estava pensando em como os meus planos tinham ido por água abaixo, enquanto testava o celular à procura de mensagens. Se conseguisse falar com ele ainda naquele dia, talvez arranjasse um hotel em Ribeirão, ou Altinópolis, onde seria mais fácil pernoitar; e depois voltaria a São Paulo. O doutor Jarbas não iria gostar, mas ele deveria saber do tal do casamento, não deveria? Uma noticia na TV, cujo som estava mudo, chamou minha atenção, justo quando ouvi passos fortes entrando pela recepção e a voz da mocinha sorridente, dizendo:

— Ei, Nick. Tentei falar com você.

— Agora não posso, Bia! — Respondeu uma voz grossa e rude.

— Tem uma moça querendo falar com você. — Informou a garota aflita.

— Não falo com ninguém hoje. Mande-a voltar na segunda.

— É uma advogada.

— Hoje não, Bia. — Disse incisivo, tentando se afastar, quando cheguei apressada à recepção, me deparando com o tal do Nick que não era nem de longe como imaginei. Não iria deixá-lo escapar tão facilmente.

O homem era rude, não no sentido literal da palavra, mas era um homem diferente dos engravatados a que estava acostumada. Tinha a pele queimada de sol, cabelos negros revoltos e imensos olhos cor de mel, quase verdes, que por um segundo, me fizeram perder o fôlego. Seus músculos eram de um homem acostumado ao trabalho pesado. Devia ter uns trinta anos, no máximo. Não sei por quanto tempo fiquei encarando o coitado. É um tanto constrangedor dizer isso, mas quando pus os olhos nele, meu coração saltou como há muito não acontecia.

Depois de Artur, eu meio que me blindei desses sentimentos que só fazem a gente sofrer. Por outro lado, devo confessar que ninguém tem controle total sobre as emoções. Ele mexeu comigo, quase a ponto de me fazer “baixar a guarda”. Quase! Por alguns segundos, foi como se soubesse o que sentiria ao tê-lo bem próximo a mim.

Havia algo estranhamente familiar nele. Difícil expressar em palavras, entretanto tive a sensação de que o conhecia. Não! Não de que o conhecia. Sentia como se em algum momento ele tivesse participado da minha vida. Como se fosse uma parte de mim. Um misto de alegria e dor invadiu meu coração, e acabei encarando o coitado, boquiaberta, com a força desses pensamentos insanos que me tiravam o chão. Foi estranho. Havia em mim um desejo irrefreável de que ele me reconhecesse, me envolvesse em seus braços e me beijasse profundamente. Loucura! Eu sei. Mas era assim que me sentia, olhando-o naquele átimo de segundo.  Contudo a sensação passou quando percebi que o homem rude à minha frente, me encarava como se estivesse avaliando um cavalo, o que me irritou profundamente, uma vez que me considerava uma mulher atraente, e só tinha tido bons pensamentos sobre ele, até então.

— O que quer? — Encarou-me irritado.

— Eu sou a Dra. Bárbara de Azevedo e fui enviada pelo Dr. Jarbas. — Disse arrogante, diante de seu olhar inquiridor.

— Não posso falar com você agora. Vai ter que voltar na segunda.

— Eu não vou voltar na segunda. Estou aqui para resolver o seu problema e só saio daqui depois de conversarmos. — Ergui o queixo desafiando-o, enquanto o grandalhão me encarava como se estivesse prestes a me laçar e derrubar no chão.

— Então vá para uma pensão. Conversaremos no domingo de manhã. — Respondeu suspirando zangado, passando a mão pelos cabelos.

— Eu não tenho onde me hospedar. — Disse embaraçada, desviando os olhos do seu olhar furioso.

— A pensão está lotada, Nick. O casamento, lembra? — Bia respondeu nervosa, nos encarando.

— Droga, moça! Não podia ter chegado em pior hora.

— Sinto lhe causar problemas, já que minha função é resolvê-los. — Respondi irritada com sua atitude grosseira.

— Bia, arranje um quarto para ela. — Ordenou, e nos deixou na recepção, saindo da mesma forma tempestiva com que tinha entrado.

— Vem comigo, moça. Não temos muitos quartos, mas acho que dá pra arranjar algo para você. — Informou alegre.

— Ele é sempre assim, rude com as pessoas?

— Ah, não! Quer dizer, nos últimos anos tem estado assim, mas antes, era uma ótima pessoa.

— Antes?

— Antes de a noiva o abandonar. — Confidenciou, sussurrando próxima ao meu ouvido.

— Agindo assim, até eu o abandonaria. — Respondi sorrindo, tentando aplacar a raiva pelo modo como tinha sido tratada.

— As mulheres daqui não pensam assim. — Conspirou com uma piscadela divertida.

— Então, ainda bem que não sou daqui. — caímos na risada — Faz tempo que ela o abandonou? — Perguntei curiosa.

— Há uns cinco ou seis anos, mais ou menos.

— Entendo. — Respondi pensativa, enquanto um sentimento de vazio e tristeza preenchia meu coração, afinal, nós dois conhecíamos a dor da desilusão.

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