Capítulo 2

WILLIAM

O que ela quis dizer com ajudar um demônio? Óbvio, que não sairia nada coerente de sua boca. Olhei para o rosto dela, analisando-a e a forma como ela agia de uma garota rebelde. Ela não ia soar confiável ainda mais em seu estado. Podia estar envolvida em algo ilegal e meu cérebro passou a varrer as inúmeras possibilidades de ajudar um estranho e acabar numa tremenda encrenca. Não importa o quanto ela estivesse vulnerável. Eu poderia ser abordado pela polícia com uma menor drogada.

—Então, você vai me dar a carona ou não? — perguntou tentando abotoar a sandália e como não teve paciência a tirou deixando os pés descalços e largou ali mesmo.

—Seria irresponsável da minha parte deixá-la sozinha. —Concluí. Ela hesitou olhando-me firmemente. —Vamos, entre, eu levo você.

Abri a porta de trás. Não quis que ela fosse na frente por segurança e para não chamar tanto atenção. Quando ela sentou no banco do passageiro, e a vi confortável, assumi o volante.

— Se importa se eu ligar o rádio?—perguntei.

—Tudo bem para mim— ouvi em resposta e ela riu quando um som alto de ópera passou a tocar. —Oh meu Deus, isso é tão... careta.

—Eu gosto, me faz dirigir de forma mais agressiva, por isso coloquei. Você está bem aí atrás? Os assentos são confortáveis. Eu amo carros de luxo. —Olhei para ela pelo espelho retrovisor e verifiquei se o cinto de segurança estava colocado.

—Sim, anjo. -fez ela, e discretamente arrumou o vestido. Fui surpreendido quando seu rosto apoiou -se no banco do carona e ela viu a foto do meu filho no porta objetos entre os bancos.

—Então, você tem um filho? —indagou voltando ao assento—Qual é o nome dele?

—O nome dele é Thomas. Ele tem oito anos, é um menino engraçado e inteligente. Eu amo ele. Você é boa com crianças? —Havia algo sobre como ela me olhou no espelho que deixou-me desconfortável. Era como se estivesse interessada em mim.

—Sou, apesar de não ter irmãos, sou filha única.

—Qual o seu nome? Eu acho que não me apresentei. Eu sou William, William Patterdale. Mas você pode me chamar de William ou Bill, se quiser. Eu moro em Londres, cheguei faz pouco tempo, residia em Dublin, mas sou originalmente daqui.

—Pode me chamar de demônio.

—Sim, você é um diabinho. Só não me faça bater o carro. Não serei tão legal se isso acontecer. —Eu disse, com pequeno sorriso no rosto.

É um pouco estranho para uma garota como ela ser tão brincalhona. Culpa da droga, quem sabe ela poderia ser mais velha do que parece? Ouvi uma risada nasal.

—Espero não estar dirigindo muito rápido. Eu sei que você é uma garota selvagem, mas não queremos ser parados pela polícia.

—Não há necessidade de dirigir com tanta pressa. Não se preocupe, acho que avistaremos minha vizinhança fofoqueira em breve.

—Estamos quase lá. Aposto que seus amigos são loucos por você. —eu disse, rindo do comentário dela. Comecei a desacelerar.

—Meus amigos são um bando de loucos. Não sei como me aguentam.

—Você deve ser alguém especial, então. Acho que gostaria de conhecê-los algum dia. — ergui uma sobrancelha, olhando ela pelo espelho—Não me diga, que eles são perigosos? Ou talvez, sejam apenas excêntricos.

—Acho que se eu disser, você vai me jogar para fora do carro. —Brincou com uma risadinha travessa.

—Não tenho o hábito de chutar garotas para fora do meu carro. Mas sou um homem honesto e gostaria de saber no que estou me metendo. —brinquei—São todos menores de idade? Algum tipo de bando de bandidos?

—Não, isso não. Eles são meio malucos, mas não fazem mal a ninguém.

Ela disse isso e acabei olhando para ela pelo retrovisor mais do que deveria. Seus olhos eram lindos, rosto perfeito, e usava um perfume que praticamente encheu o carro da fragrância deliciosa.

—Você disse antes que eles são um bando de malucos. —continuei—Isso soa um pouco suspeito. Estou ajudando você então acho que ao menos me deve a verdade.

—Estou falando a verdade, não tenho culpa se você não acredita.

Ela ser verdadeira é altamente questionável. Não posso negar, quanto essa garota está me intrigando. O que me faz lutar para não relacionar o momento dela e sua vulnerabilidade e cada vez mais sinto a curiosidade ir além do que deveria.

—Estamos chegando. —Ela disse e apontou para um prédio de tijolos a vista e árvores na frente. —É aqui.

—Você vai passar a noite na casa dela e ela vai te levar para casa? — perguntei, desligando o motor. A pergunta saltou da minha boca ainda com preocupação

—Sim, vou ficar na casa dela. —explica ela arrumando os cabelos—E no dia seguinte volto para minha casa.

— Espero que ela seja sua melhor amiga—fiz um peteleco com o polegar no volante—Se não se importa que eu observe. Porque é raro uma jovem ter um amiga mais velha —soltei, para extrair algo mais dela.

—Quem disse que ela não é mais velha? — sua pergunta trazia um pitada de ofensa.

—Você parece muito mais jovem. Tem certeza que não é menor de idade? Apenas estou tomando cuidado ou será que são meninas e eu sou adulto nessa situação toda?—provoquei.

—Suponho que se está tão preocupado com isso não deveria ter dado carona a uma estranha. —seu lábio saltou um pouco como se ficasse emburrada. —Mas está tudo bem. Obrigada por me ajudar, Anjo.

Ela movimentou-se rápido abrindo a porta e deixou o carro.

—De nada, lembre-se de ter cuidado à noite. —falei pela janela com preocupação genuína—Você pode encontrar alguém não tão legal quanto eu. Há muitas pessoas más nesta cidade, especialmente perto de bares e boates.

—Algo mais senhor William? —zombou ela com a mão na cintura.

—Não, nada é só isso—eu disse, vendo ela afastar e esperei até que ela entrasse o prédio.

Não podia descrever o quanto a achei tão jovem e de alguma forma ingênua, exatamente o oposto de mim. Liguei o carro, e ainda estava pensando nela enquanto fui dirigindo para casa.

AMELIA

Fui para o lugar que seria mais seguro depois da alta noitada que tive. Usei a porcaria da bala, briguei com Jones por uma idiotice, seu amigo bêbado e minha querida amiga me deixou sozinha. Eu não tinha como chegar em casa nessas condições e a única pessoa generosa que pode me abrigar até o outro dia, é Lena, a ex esposa do meu pai. Não sei dizer como isso aconteceu, mas tenho uma relação mais saudável com ela do que com minha mãe. Eu toquei a campainha e a coroa de olhos verdes, cabelo longo louro, abriu-a com cara de sono.

—Ah, você. Entra logo.

Ela não mostrou contrariedade, é claro que a tirei de seu sono.

—Desculpa, eu sei que é uma péssima hora...

—Você não tem que me explicar nada. —olhou para os meus pés —Onde estão seus calçados?

—Eu quebrei o salto da minha sandália.

—Você andou cheirando alguma coisa?

—Não...eu só exagerei um pouco na bebida. —Expliquei, tropeçando um pouco nas palavras.

—Bom, anda vai.- insistiu e eu entrei -O quarto de hóspedes está disponível e por favor, avise Edward Taylor, porque ele vai me prestar contas.

—Pode deixar.-respondi, vendo ela fechar a porta e seguir para seu quarto. Suspirei aliviada e fiz o mesmo indo para o quarto de hóspedes.

Eu pensei no anjo, no homem de olhos azuis como águas marinhas, seu gosto musical careta, o queixo saliente e sua voz aveludada e misteriosa. Ele deve ter o dobro da minha idade e nem lembro direito seu sobrenome. Algo como pat...pater.. Ai! Estou muito tonta para lembrar, apenas sei que é William.

Cheguei em casa no domingo pela manhã. A residência de dois andares, entre as coloridas fachadas de Nothing Hill. Com sutileza abri a porta, subi os poucos degraus e atravessei o corredor dando para a soleira de mármore da cozinha, porém a voz grave do meu pai me fez parar de imediato.

—Isso são horas? Onde esteve?

Lena deu um telefonema a ele, porque deitei na cama e apaguei. Tive a sorte de ter seus sapatos emprestados duas vezes o meu número, o que pelo menos me salvou de sair com pés descalços como uma maluca, mas não ia servir a evitar a chuva de perguntas do meu pai.

—Com Lena. —não ousei fitar seu rosto ficando no mesmo lugar. Bob nosso labrador gordão caramelo, pulou em mim com euforia abanando o rabo —Eu saí da festa e fui para lá.

— E você acha que eu acredito nessa história? Onde está sua roupa?

—Eu...virei bebida—mesmo sendo verdade tentei soar coerente, o que não ia adiantar muita coisa. Usava um sobretudo vermelho empréstimo dela para cobrir o vestido. Encarei-o vendo seu cabelo louro levemente despenteado e a cara rígida de um ditador.

—Vá para o seu quarto. Só não vou ter essa conversa aqui porque estou esperando visitas. Mas se prepare, nós vamos tirar essa história a limpo.

Apenas, balancei a cabeça, e subi as escadas me trancando no quarto.

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