Estavam sentados na ampla varanda de seu quarto, lado a lado, mãos entrelaçadas, ambos com uma caneca repleta com chá de ervas, quente e reconfortante. Olhavam para o outro lado da rua, mais especificamente para a casa da frente, notando dois jovens casados, unidos por um vínculo que, até aquele momento, em toda a existência, jamais foi presenciado, unidos pela quebra de um destino, pela escolha de dois corações.
— Ela está linda grávida — Heylel sorriu, seus olhos focados no vai e vem da filha e Agares, que tiravam as coisas do carro e levavam para dentro de casa.
Amarantha também sorria, mas sem conseguir conter a lágrima solitária que escorria em sua face.
— Ainda ontem ela era a minha bebezinha, uma pequena bolinha, tão branquinha que parecia ser feita do mais puro leite. — A lembrança da maternidade alargou o seu sorriso.
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— Miguel, você precisa me ajudar — disse Heylel o que pareceu ser pela décima vez, encarando o irmão ainda na mesma posição, sem dar nenhum indício de que ajudaria.— Não vou ficar levando madeira Lúcifer. — O tom de voz debochado e enojado atacava diretamente a pouca paciência que Heylel ainda tentava manter para lidar com ele.Miguel estava sentado na entrada de uma simples cabana, trajava calça jeans, uma camiseta cinza de mangas curtas e botas. Mexia em um matinho aos seus pés e, como criança contrariando as ordens dos pais, fazia bico para o pedido de ajuda do irmão. A decisão já estava tomada, acataria o castigo dado por seu Pai, mas não facilitaria a vida de Heylel em momento algum.— Se não me ajudar, não teremos como preparar o jantar, muito menos como nos aquecer à noite. — Lutava contra
A luz acinzentada do Sheol invadiu o quarto de Yekun, tocando os olhos fechados do casal que dormiam entrelaçados. Naiara tremeu levemente e, como por instinto, ele puxou sobre eles o cobertor grosso, a envolvendo com sua asa esquerda, fazendo seu corpo se encolher ainda mais em busca de aconchego, encostando o nariz gelado em seu peito nu e despertando o sorriso preguiçoso do caído. Se enroscaram um no outro, fundindo-se em braços e pernas. Não haviam dividido nenhum outro tipo de intimidade, estavam esperando o tempo se encarregar de dizer o momento certo, mas ainda assim o pouco que conseguiram conquistar fazia tudo valer a pena. Viviam em uma montanha russa de sentimentos, saciados pela presença e o toque um do outro. Ele, faminto por muito mais. Ela, incerta de seu querer e desejo.Sabia que todos esperavam que enfim ela se encontrasse, saciasse os desejos da menina de dezoito anos e parasse de lutar contra o que o destino escolh
— Ouvi o burburinho, mas precisava ver com meus próprios olhos — começou a dizer Gabriel, que virava-se revelando ser o dono das asas. — Estamos mesmo sem nenhum ponto de referência, demônios andam entre nós agora?O sarcasmo escorria ácido em suas palavras. Em nada ele lembrava o menino carinhoso e gentil que Naiara sempre chamou de melhor amigo. Estava mais alto, ombros largos, olhar altivo, até mesmo os cabelos estavam maiores e os cachos caíam perfeitos sobre sua testa.— Acredito que sim, já que aceitaram sua entrada aqui. — Agares respondeu arqueando a sobrancelha, incitando a resposta de Gabriel.Jamais faria algo para machucá-lo, ainda que a vontade de dar uma boa surra nele fosse uma ideia bem vinda, sabia que não poderia magoar Naiara daquela forma, mas nada o impedia de aproveitar cada encontro para provocá-lo.— Não se c
— Não aguento mais vê-la assim. — Naiara olhava a mãe sentada sozinha em meio ao terreno cinzento e pedregoso, buscando por sua deusa.Há dias não comia, sequer falava com as pessoas que cuidavam e zelavam por ela, saía da cama somente quando a dor em seu coração era tamanha que precisava se conectar com seu sagrado e buscar algum consolo para seu sofrimento.— Ela precisa disso para sentir-se bem — respondeu Yekun, entrelaçando os dedos aos de Naiara. — Ou tão bem quanto ela consegue, vida.— Queria poder fazer mais, odeio essa sensação de impotência.Naiara não deu a ele chance de resposta, virou-se beijando com carinho a sua face e foi direção onde estava sua mãe. Ela sabia bem qual era a sensação de ter alguém que amava longe dela, sem notícias. Mas conseguiu entrar em cont
— Vimos o meu pai — começou a explicar, já sentindo os dedos de Yekun entrelaçando-se aos dela e, de alguma forma, o gesto a irritou ainda mais. — Acho que Deus nos atendeu, não sei... e permitiu que víssemos que ele está bem. — Deu de ombros, não sabia como explicar o que nem ela mesmo entendia e isso a frustrava ainda mais.— Você está muito nervosa, Heylel está mesmo bem? — Era evidente que ela não estava bem e a reação dela ao toque de Yekun evidenciava isso ainda mais.Afastou-se, querendo ter seu espaço pessoal preservado, não queria ser tocada, muito menos sabatinada com perguntas que não teria como responder, e a frustração a irritava tanto quanto as atitudes de Miguel.— Sim, só que... — Tentou explicar e afastou-se ainda mais, mas a mãe veio ao seu socorro, coloc
Yekun chegou impiedoso na sala, vendo todos se levantando do chão. Apenas alguns minutos haviam se passado e o caos na mente e coração de Naiara quase levou a morada à destruição e sua família à morte. Assim que viu seus dedos se movendo, sabia que a menina o atingiria, somente não passava por sua cabeça que teria poder o bastante para, não somente o tirar de lá, mas enviá-lo para um lugar entre os mundos que poucos se permitiam estar, como se fosse uma bolsa entre o Sheol e a terra, um imenso espaço onde o tempo não existia, somente o vazio.Precisou de todo o seu esforço físico para conseguir se desprender do lugar onde estava e não permitir que sua mente fosse tomada pelo vazio que ali habitava e assim conseguir voltar para sua família e tentar ajudá-los de alguma forma.Chocou-se assim que atravessou a porta, deparando-se com a
Os dois chocaram-se contra o colchão, ele envolveu as pernas ao redor das pernas dela e os braços ao redor de seu corpo. Usava toda sua força para conseguir conter Naiara, sentia o suor escorrer e os cabelos grudarem em sua face.— Nai, por favor, se controla. Ouça a minha voz, sou eu, estou aqui com você — ele dizia com dificuldade no ouvido da menina. — Você é mais forte do que isso, pode conter, você tem o seu destino nas mãos, Nai, é você quem decide, lembra?— Eu não consigo. — Enfim ela conseguiu dizer.— Consegue, ouça a minha voz, estou aqui, você não está sozinha.Com cuidado ele acariciava o rosto dela, ainda falando baixo em seu ouvido. Sentiu o corpo de Naiara relaxar e aos poucos a luz vermelha ceder, ficando clara e em uma linha fina ao redor dela.— Estou aqui, Nai, estou aqui — en
Após os momentos de silêncio entre ele e o Pai, Miguel teve o direito de voltar, sabendo que em nada aquele castigo adiantou, apenas deixou-o ainda mais bravo e desejoso por colocar em prática o plano que mataria aquela que, ao seus olhos, não passava de uma aberração e, com seu fim, teria o fim de Heylel.— Mas a que devo a honra de uma visita tão ilustre? — Belial sorria diabolicamente, olhando para Miguel parado a sua frente.— Pare de gracinhas Belial, precisamos começar a trabalhar — respondeu seriamente, deixando claro que não estava com humor para brincadeiras.— Trabalhar? — O tom irônico ainda dominava a conversa. — Ouvi falar que seu pai colocou-o de castigo, já pode sair para brincar?— Belial... — Miguel começou a dizer, enquanto aproximava-se um pouco mais. — Acha mesmo sensato o que está fazendo