— Vai, mais alto. – A menina pedia em meio ao riso – Quero mais alto.
A risada da pequena ecoava pelo ar, preenchendo cada espaço com alegria e vida. Ele ria com a felicidade que conseguia proporcionar a ela, dentro de sua existência condenada, sentia-se, completo por faze-la sorrir.
— Isso! – ela gritou quando o balanço subiu alto, fazendo seus pés, em sua imaginação ilimitada, tocar os céu. – Viu, eu “to” chutando as nuvens.
— Está mesmo. – Concordou com ela e sua voz carregada de carinho e admiração.
Passaram algum tempo brincando e rindo um para o outro, mas ele precisava voltar, aparecia sempre que sentia a menina chamando por ele, era assim desde seu nascimento. Ainda bebe, ele a admirava no berço enquanto todos dormiam, branca como a mais alva neve, os cabelos liso e os olhos expressivos, tão escuros que pareciam engolir a própria noite. Com o passar dos anos, a necessidade que a menina sentia de entender as coisas que aconteciam em seu redor e que somente ela conseguia ver, requeria muito mais da presença dele, que passou a ser uma constante na vida dela. Ela por sua vez, havia desistido há tempos de tentar explicar o porquê ria tanto enquanto brincava “sozinha” no parquinho ou o porquê passava horas em conversas que pertencia somente ao mundo dela. Para as pessoas ao seu redor, aquilo era somente coisa de criança, amigos imaginários, para ela, era muito mais.
O balanço foi parando devagar, perdendo a força, até a menina virou-se, fazendo um cara feia, projetando um bico mimado nos lábios, enquanto cruzava os braços e olhava para trás muito contrariada.
— Agares, você disse que ficaria muitão.
— Eu sei minha linda, mas agora eu preciso ir, mas prometo voltar quando você precisar.
— Eu preciso agora, ainda não toquei naquela nuvem ali. – Ela disse apontando para um amontoado no céu, que mais parecia uma imensa bola de algodão. Ele sorrio.
— Quando você precisar de verdade Naiara, agora está só me enganando.
— Só você me chama assim estranho. – A menina mudou de assunto, não querendo perder a presença do amigo.
— É porque esse é seu nome. – Ele beliscou a bochecha dela.
— Minha mãe me chama de Lauren. – Deu de ombros sem entender.
— Já te disse que quando crescer mais, vou te contar tudo o que precisa saber. Agora pare de me enrolar. – O sorriso alargou-se nos lábios de Agares e com um jeito de carinho, bagunçou o cabelo da menina que ainda o encarava bicuda, sentada no balanço.
— Tchau diabinha.
— Tchau diabão!
Lauren tentou acordar pela terceira vez nos últimos 20 minutos. As manhãs eram difíceis para ela. Sabia que, para a maioria das pessoas, as manhãs eram sonolentas e a tarefa de sair da cama, deixando as cobertas para trás, parecia quase impossível. Mas para Lauren esse processo chegava a ser doloroso, principalmente após alguns sonhos que a acompanhavam sempre, não conseguia entender se eram somente momentos projetados por sua mente, ou lembranças de sua infância. Sentia-se vazia, sem forças, como se a noite de sono, geralmente mal dormida e atormentada pelos tais sonhos, totalmente sem pé nem cabeça, não fosse o suficiente para fazer seu corpo descansar. Não havia como negar, sentia-se muito mais disposta à noite, mais ágil e cheia de vontade. Para Lauren, o anoitecer trazia consigo uma estranha vontade de conquistar o mundo, sair sem destino em busca de tudo e nada ao mesmo tempo, perder-se em lugares desconhecidos, deparar-se com novas pessoas e situações... No entanto, é
A jovem sorriu da forma mais sincera que conseguia naquele momento, beijou a face da mãe e, enquanto pegava a mochila jogada ao lado da porta, falou sobre os ombros — Cuide-se, mãe, volto mais tarde hoje. Vou à biblioteca terminar meu trabalho. Amo você. Não esperou resposta ao sair fechando o zíper do casaco e andando sem olhar para trás, tinha a impressão de que veria a mãe com aquele olhar triste de abandono caso se virasse. O caminho para a escola era curto, não mais do que três quadras. Ter a casa de Gabriel, seu melhor amigo, ao lado da sua facilitava muito a vida dela, pois as garotas de sua idade estavam sempre em turma, quase como se não conseguissem viver sem pertencer a um bando. Lauren não conseguia agir desse modo, até já havia tentado ser amiga de uma ou duas delas, mas eram sempre tão vazias que tudo acabava em disputa. Com Gabriel as coisas eram fáceis, sem pressão, as conversas fluíam de forma natural e os dois pareciam se encaixar como peças
Ele não sabia o que falar, não sabia como agir, toda aquela situação acontecia há anos. Quando ainda eram pequenos, enquanto brincavam no parque, Gabriel via-a conversando com pessoas que somente a amiga enxergava; ela ria e se entrega as brincadeiras com o amigo imaginário e a sincronia entre os dois era tamanha, que Gabriel pega-se enciumado. Aquilo lhe tirava a paz, ainda muito pequeno, pois sentia-se ridículo, sentindo ciúmes da imaginação da amiga. Via-a dividir o lanche da escola com "pequenas princesas", como ela chamava. Conforme cresciam, aquele mundo paralelo tomava maiores dimensões e passava a exigir da amiga algo que ela não conseguia dar. Ele respirou fundo e fez a única coisa que poderia naquele momento: segurou-a pelo pulso e puxou-a para dentro de seus braços, envolvendo-a com força o bastante para que conseguisse se sentir segura. Notou o corpo de Lauren relaxar aos poucos e, enquanto a cabeça dela se apoiava em seu peito, as palavras saíram baixas, mas carregadas
Com a agilidade que somente os anos de costume poderiam dar, Lauren abriu a janela e saiu pelo telhado, subindo rapidamente e parando na ponta contrária à rua. Ali, exatamente ali, era o seu lugar, onde conseguia aquietar os pensamentos. Não demorou muito para ouvir o barulho de metal batendo levemente contra a parede e, pouco mais de quinze segundos depois, ver os cachos do amigo aparecendo. Gabriel andou ao encontro dela com a mesma dificuldade de quando era criança, a cena a fez sorrir enquanto, como de costume, ajeitava-se mais no canto, dando espaço para ele se sentar. — Sabe... acho que já estamos grandinhos para subir no telhado e, talvez, você pudesse encontrar um lugar mais baixo ou com um apoio melhor para andar? –Ele sorriu com o carinho de sempre e a olhou. – O que, afinal, está acontecendo com você? Não havia mais o porquê mentir ou tentar amenizar a situação. Se não falasse com Gabriel, falaria com quem mais? Lauren sustentou o olhar dele por um l
— Conhece meu pai? – Lauren a questionou incrédula. – Não acredito que seja o tipo de pessoa que meu pai conheça ou que gostaria que fizesse parte do seu dia a dia. – A menina à sua frente agora parecia pensar, seus olhos vagavam como se procurassem sentido no que Lauren dizia e sua expressão mudou quando, enfim, compreendeu. — Robert? Você fala de Robert, mas não me refiro ao mortal que lhe criou. Que ele não saiba, mas é muito mal-humorado e possui uma visão extremamente limitada. Falo do seu verdadeiro pai: Heylel. — Espere... esse nome... –Lauren sabia que já o ouvira, mas não se lembrava onde. —É o nome de seu pai. Alguns o chamam de Estrela da Manhã... Luz da Aurora... mas acredito que seja mais conhecido como Lúcifer mesmo. –A simplicidade daquelas palavras atingiram Lauren em cheio. Lúcifer?! A menina à sua frente, que não conseguia se definir, acabara de falar que Lauren, a estudante de 17 anos, sem graça e nunca notad
— Élida, você veio. — Claro que vim, você me chamou. Lauren e Gabriel trocaram um olhar confuso. — Não chamei não. – A pequena soltou o seu riso melodioso e, para o espanto de Gabriel, flores desabrocharam ao redor dela, da mesma forma que Lauren descrevera. — Claro que chamou, tolinha. Estava pensando que, se eu estivesse aqui, poderia lhe ajudar. Bem... aqui estou. O que você quer? — Lauren quer falar com o pai – respondeu o rapaz sorrindo para Élida, que se virou como quem parecia ter notado sua presença somente naquele momento. Analisou--o da cabeça aos pés, até que o olhar dos dois se encontrou. — Hum... interessante. Prazer, Gabriel, sou Élida – apresentou-se com educação e sorriu para ele, que gaguejou um "prazer" e se calou. Ela, então, virou-se para Lauren e se aproximou. – Mas se quer falar com o seu pai, por que está aqui? Por que simplesmente não o chamou lá onde você estava mesmo? Gabriel não conseguiu evitar, enca
O tecido leve e claro da cortina balançou com a brisa suave. O sol aquecia o quarto como se desse boas-vindas ao novo dia. Lauren despertou e se espreguiçou devagar, sentindo o corpo reagir ao dia anterior. No relógio ao lado de sua cama os números em vermelho avisavam não passar das nove da manhã do domingo, dia que provavelmente, se Gabriel não invadisse o quarto dela arrastando-a para fora, ela não sairia da cama tão cedo, a lembrança de um sonho bom, ainda ecoava em sua mente, não se lembrava de detalhes, mas pacificou sua noite. Mas não foi isso o que aconteceu, estava disposta, alerta e fervendo de curiosidade. Pulou da cama, correndo para o banheiro. O ritual matutino aconteceu de forma calma e a garota aproveitou cada detalhe, cada momento a sós no banheiro, lavando seus cabelos, sentindo o aroma de baunilha se misturar ao vapor. Já passava das doze horas quando apareceu na cozinha, a mãe tirava a mesa do almoço ao vê-la. — Ah, querida, já acordou? — Já, mãe?
— Pode me chamar de Heylel, isso para você – orientou o anfitrião apontando para Gabriel. – Quanto a você, pequena guerreira, pode me chamar de pai.Heylel começou a andar enquanto Lauren revirava os olhos para o que acabara de ouvir. Sem soltar Gabriel, acompanhou-o enquanto adentrava a casa. Por dentro, então, era ainda mais surpreendente. Os cômodos eram amplos e bem decorados, as janelas abertas permitiam a entrada do sol a iluminar todos os ambientes. Eles foram para uma das salas, que pareceu a Lauren ser o lugar com a menor quantidade de móveis. Havia três grandes sofás formando um semicírculo e, no centro dele, uma baixa mesa quadrada recheada de guloseimas que tornariam a cena perfeita, se esta não fosse a casa do Diabo. Sentaram um de frente para o outro, com o jovem que foi apresentado como Yeung no sofá à direita. Gabriel, ao lado de Lauren, ainda estava tenso.