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Capítulo I - Só mais um dia (continuação)

Ele não sabia o que falar, não sabia como agir, toda aquela situação acontecia há anos. Quando ainda eram pequenos, enquanto brincavam no parque, Gabriel via-a conversando com pessoas que somente a amiga enxergava; ela ria e se entrega as brincadeiras com o amigo imaginário e a sincronia entre os dois era tamanha, que Gabriel pega-se enciumado. Aquilo lhe tirava a paz, ainda muito pequeno, pois sentia-se ridículo, sentindo ciúmes da imaginação da amiga. Via-a dividir o lanche da escola com "pequenas princesas", como ela chamava. Conforme cresciam, aquele mundo paralelo tomava maiores dimensões e passava a exigir da amiga algo que ela não conseguia dar. Ele respirou fundo e fez a única coisa que poderia naquele momento: segurou-a pelo pulso e puxou-a para dentro de seus braços, envolvendo-a com força o bastante para que conseguisse se sentir segura. Notou o corpo de Lauren relaxar aos poucos e, enquanto a cabeça dela se apoiava em seu peito, as palavras saíram baixas, mas carregadas de verdade:

            — Estou aqui, sempre estarei aqui e, seja lá o que for isso, vamos resolver juntos, está bem? – Não precisava dizer mais nada. Ela sabia o peso daquela promessa e, de alguma maneira, sentia-se protegida. Lauren afastou-se do amigo, deu um beijo em sua bochecha e sorriu da forma mais convincente que pôde.

— Obrigada. Você sabe o quanto isso significa para mim, não é? Saber que posso contar com você é tudo o que eu preciso. Mas agora precisamos correr. Não sei você, mas tenho aula com a senhora Walker. – Não precisou explicar mais. A senhora Walker não era famosa por sua bondade e compreensão com os alunos.

Eles andaram juntos para as salas de aula, sabendo que se encontrariam mais tarde. A manhã passou rápido em meio a matérias e distrações. Hora ou outra, Lauren se perdia olhando para fora como se algo a chamasse, fazendo com que seu nome fosse dito pelos professores mais vezes do que ela gostaria. O resultado dessa distração foi um bom atraso na matéria escrita nas duas lousas que existiam na classe, de modo que, quando o sinal tocou e Gabriel apareceu na porta para buscá-la, Lauren ainda estava com o rosto no caderno copiando tudo o que havia perdido.

— Sei o quanto você gosta da escola e quão boa aluna é.... mas acabou, Lauren. Vamos embora, tenho um encontro marcado com o almoço da minha mãe e aquele gato do Prince que está me esperando na sala de casa! – As palavras ditas com um sarcasmo absurdo fizeram a jovem sorrir, imaginando o carinha do videogame do amigo sentado no sofá à espera dele.

— Pode ir, Gabriel, vou demorar eras aqui!!!

— Sua distração ainda vai me matar de fome! – zombou divertido. – Estarei esperando na lanchonete. Se vai demorar, preciso comer. – E com uma piscadela em meio ao sorriso, o amigo saiu deixando-a sozinha.

— Céus, Lauren, presta atenção no que está fazendo, menina, anda! Vai sair daqui só amanhã assim – disse a si mesma enquanto tentava se concentrar no que fazia e escrever mais rápido.

Quando estava passando para a segunda parte do texto que copiava, três coisas aconteceram ao mesmo tempo. A porta se fechou, batendo forte, e o barulho da pancada ecoou pela classe vazia. Então, as cortinas se fecharam deixando o ambiente mais escuro e, finalmente, toda a matéria que estava exposta na lousa imediatamente desapareceu. Lauren sentiu o ar escapando dos pulmões e olhou ao redor, tentando entender o ocorrido. Em desespero, jogou o material dentro da mochila e sua reação foi correr até a porta fechada para tentar sair da classe, mas não conseguiu. Era como se alguém segurasse a maçaneta pelo lado de fora e, por mais força que fizesse, a porta não cedia.

Lauren começou a gritar por ajuda, mas as palavras morriam dentro da sala. Não conseguia virar o rosto para o escuro ambiente, sua atenção estava firmemente focada na porta azul. Sentia que, se olhasse em qualquer outra direção, encontraria o que não estava preparada para ver, não queria ver. Após segundos que pareceram horas, as cortinas se abriram de uma vez, clareando tudo novamente. Ela não conseguiu impedir a si mesma dessa vez, seus olhos varreram a classe e pararam na lousa onde, ao invés da matéria escrita, havia uma frase com letra cursiva que mudou completamente a sua vida: Naiara, chegou o momento.

A porta se abriu e ela correu pelo corredor, caindo no meio do caminho e se levantando sem nem ao menos olhar para trás. Ela se lembrava daquele nome, ouvia-o em seus sonhos constantemente. Encontrou Gabriel sentado na lanchonete, comendo algo que desabou de sua mão quando ela se jogou sobre ele. Em meio às lágrimas tentava explicar o que havia acontecido, sem muito sucesso, já que não conseguia formular uma frase inteira e seus lábios só diziam "lousa", "porta fechada", "está escrito" e nada mais. Gabriel quase arrastou a amiga de volta à sala de aula para entender o porquê de suas atitudes, mas, para a surpresa dela, tudo estava exatamente como deveria estar. Todo o conteúdo que Lauren copiava estava nas lousas e o sol que adentrava a sala parecia zombar dela com sua luminosidade calma.

— Bem, se foi um ataque alienígena, eles arrumaram tudo antes de irem embora, Lauren. Sempre soube que seriam criaturas acima da média e não uns arruaceiros quaisquer. – Gabriel se sentou sobre a mesa dos professores, seus pés balançavam despreocupados enquanto olhava para Lauren sem conseguir conter o sorriso.

Ela retribuía seu olhar incrédula, não acreditava no que estava acontecendo. Precisou respirar fundo três vezes antes de conseguir falar.

— Gabriel, me escuta! Aconteceu, tá?! As cortinas se fecharam, a porta bateu e, quando tentei sair, não consegui. Tudo foi apagado da lousa e, do nada, estava escrito “Naiara, o momento chegou”. – Encarou-o esperando algum crédito às palavras dela.

— Ok – disse ele. – Talvez chegou o momento de você prestar mais atenção na aula e não ficar depois do horário. Até porque o recado nem era para você, seja lá quem foi, errou o destinatário.  

Foi o bastante para ela, que saiu batendo os pés e deixando o amigo para trás. Uma onda de raiva a tomava, queria correr, sair dali, sumir, ir para um mundo onde não precisasse provar o tempo todo que não estava louca, um lugar onde as coisas que via fizessem sentido... Sentia que, a distância, Gabriel a estava seguindo em silêncio. O jeito como ele insistia em cuidar dela a fazia se sentir culpada. Sabia que precisava voltar e se desculpar, afinal, não poderia acusar o amigo de não acreditar nela. Quem acreditaria? Mas não conseguia, exigia demasiado esforço fingir que a incredulidade dele não a feria. Desceu a pacata rua da escola correndo, sentindo o vento bater em seu rosto e os cabelos longos se emaranharem. Lauren entrou em casa batendo a porta atrás de si, assustando a mãe que deveria estar fazendo alguma guloseima na cozinha, pois o cheiro doce de caramelo tomava conta da casa.

— Lala? O que houve? Lauren...

E as palavras se perderam quando a jovem entrou e fechou à chave a porta do quarto. Sabia que a mãe iria atrás dela, mas sabia também que não insistiria quando tentasse abrir a porta e não conseguisse. Ao contrário das garotas da sua idade, Lauren não costumava se fechar e o acesso ao seu quarto sempre foi liberado para a mãe. Esse comportamento lhe dava a vantagem de saber que seria respeitada quando a porta estivesse trancada, e foi exatamente o que a mãe fez: depois de tentar abri-la, afastou-se em seguida murmurando algumas palavras enquanto descia as escadas.

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