— Pode me chamar de Heylel, isso para você – orientou o anfitrião apontando para Gabriel. – Quanto a você, pequena guerreira, pode me chamar de pai.
Heylel começou a andar enquanto Lauren revirava os olhos para o que acabara de ouvir. Sem soltar Gabriel, acompanhou-o enquanto adentrava a casa. Por dentro, então, era ainda mais surpreendente. Os cômodos eram amplos e bem decorados, as janelas abertas permitiam a entrada do sol a iluminar todos os ambientes. Eles foram para uma das salas, que pareceu a Lauren ser o lugar com a menor quantidade de móveis. Havia três grandes sofás formando um semicírculo e, no centro dele, uma baixa mesa quadrada recheada de guloseimas que tornariam a cena perfeita, se esta não fosse a casa do Diabo. Sentaram um de frente para o outro, com o jovem que foi apresentado como Yeung no sofá à direita. Gabriel, ao lado de Lauren, ainda estava tenso.
— Onde estamos? — Você desmaiou na sala e seu... aquele homem trouxe você para cá – explicava Gabriel enquanto se levantava e andava até ela. — Cadê minhas roupas? — Elas a trocaram, não sei se teve algum pesadelo, mas estava muito agitada e suando demais. Coloquei as meias – disse quase com um sorriso, sentando-se ao lado dela. – Já faz muito tempo que estamos aqui, mas ele disse para não me preocupar. — Você está bem? – Desde que chegaram ali, essa era a primeira vez em que Lauren realmente observava o amigo. Ele estava abatido, a sombra escura sob os olhos e as sobrancelhas juntas lhe davam um ar preocupado. Ela levantou a mão e tocou, com as pontas dos dedos, a ruga que se formou no semblante masculino. – Não, você não está. — Não era o que eu havia programado para o nosso domingo afinal... Ida ao inferno e conversa amigável com Satanás? – Gabriel tentou sorrir limpando as lágrimas do rosto da amiga, que até aquele momento não havia notado
Ele explicava como se fosse algo fácil de se entender, mas a cabeça da menina dava voltas e voltas. Seus pensamentos corriam de forma desenfreada. — De. Que. Merda. Você. Está. Falando? – Toda a raiva controlada e toda aquela loucura estavam pronunciadas nas palavras dela. Ele riu, riu alto como se Lauren tivesse lhe contado a mais engraçada piada, e foi o que bastou... Como se alguém lhe tivesse possuído, a menina saltou sobre a coisa em sua janela! Num instante estava parada ao lado da porta, no outro estava no ar com as mãos espalmadas em uma formação estranha para si mesma, influenciada por um instinto que desconhecia; os braços sobrepostos e as palmas viradas em direção à escuridão. Seu pensamento foi somente um: “DESTRUA”. O grito de pavor ecoou no silêncio do quarto e a escuridão explodiu, se dissolvendo. Lauren caiu abaixada, defensiva, procurando pela criatura. Seus olhos varriam o quarto e nada encontraram. Levantou-se devagar, esperando que a coisa
Os primeiros raios de sol tocaram a face de Lauren, que se espreguiçou devagar avisando ao corpo que era hora de acordar. Seus olhos percorreram o quarto até encontrar os números em vermelho que ficavam fora do alcance de suas mãos, obrigando-a a se levantar para evitar o barulho ensurdecedor que o despertador faria a qualquer momento. A segunda-feira havia chegado, enfim, e Lauren sentou-se em sua cama. Sentia-se estranhamente exausta, com a sensação de que algo não estava onde deveria, mas não conseguia se lembrar o quê. Somente quando ouviu uma voz melodiosa que vinha da janela foi que se deu conta do porquê daquela sensação. — Bom dia, minha pequena margarida. – A recém-chegada sorria, sentada no batente da janela. — Ah, não... não... não... É tudo um terrível pesadelo! Você não está aqui, você não existe – dizia a jovem enquanto se jogava na cama e cobria a cabeça com o travesseiro. —Assim você me magoa, Naiara. Claro que existo, não há como imagin
— Já disse a ele o quanto o ama? Ela se levantou e saiu daquele lugar sem dizer nada. Élida estava ficando louca! Claro que amava Gabriel, fora criada com ele, eram amigos desde que ela se entendia por gente, estiveram lado a lado pela vida toda, foram confidentes, cúmplices, mas não o amava do modo como deu a entender... Ela não o amava, não o amava, amava? Não, não amava. Passou a vida tentando sentir-se atraída por algum menino, querendo se envolver e apaixonar-se perdidamente, mas jamais aconteceu. Passava o tempo todo com Gabriel e a presença dele bastava em quase todos os momentos e em outros, deixava a mente viajar, perdendo-se em suas lembranças, querendo saber de quem era aqueles olhos azuis. Não queria ir para casa, não estava pronta para encarar a mãe nem sabia se conseguiria se conter em não dizer nada caso se deparasse com ela. Saiu sem direção certa, somente andando pelas ruas do bairro. Não queria contato com a natureza, portanto não ch
“Através dos passos alternados de perda e ganho, silêncio e atividade, nascimento e morte, eu trilho o caminho da imortalidade.” (Deepak Chopra) Todos os vínculos que Lauren tinha com o mundo mortal foram quebrados. Heylel apagou a mente humana de cada pessoa que conhecia a garota, inclusive de seus pais. Duas semanas já haviam passado desde que ela tomou a decisão de não mais existir. Descobriu existir uma ligação entre ela e Gabriel, o que facilitava o acesso ao amigo no momento em que quisesse. Belial, no entanto, também soube disso e aprisionou-o sob o encanto de magia negra, não que isso conseguisse detê-la quando realmente queria ver o amigo, mas tal obstáculo sugava suas energias e seu corpo pagava um alto preço. Passava horas treinando com Abigor, o comandante dos exércitos de seu pai, de modo que se acostumou com o ir e vir de demônios e a forma como surgiam do nada à sua frente. Isso não mais a incomodava, sentia-se
— Agradeço o “engraçadinho”, faz tempo que ninguém vê esse meu lado. Naiara assustou-se quando encontrou o rapaz em seu quarto, sentado na poltrona no canto esquerdo. — O que você pensa...? O que está fazendo? Saia daqui agora! – berrou abrindo a porta, sabendo que não conseguiu sequer dizer uma frase completa. – Saia! — Infantil? Acabou de me chamar de criança? – O ódio a estava consumindo, ela ainda mantinha a porta aberta. – Não sabe nada ao meu respeito. Saia ou vou chamar meu pai! — E ainda não acha que é criança... – retrucou o outro enquanto se levantava e passava por ela em direção à porta. – Quando quiser saber como salvar seu menino bonzinho, me procure. – Naiara fechou a porta antes que ele pudesse sair. – Sabia. — O que sabe sobre o Gabriel? — Sobre ele bem pouco. Sobre como salvá-lo, sei um pouco mais. Vai me ouvir agora ou continuará me expulsando do seu s
“Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado.” (Clarice Lispector) Não sabia para onde havia levado a todos, somente que surgiram em uma região pedregosa e com o tempo seco. Sentiu no mesmo momento os olhos arderem, à sua frente avistava montanhas e mais nada. Olhou ao redor e encontrou a expressão dos “meninos” para ela. Espanto, admiração, surpresa, expectativa. — E agora? — Agora vamos nos encontrar com o chefe. Foi Agares quem respondeu, já se colocando a caminho, seguido de Abigor. Naiara passou por Gabriel e o puxou consigo. Ele travou no lugar, obrigando-a olhar para ele. — Você está diferente. – Disse assim que seus olhos se encontraram. — Diferente como? – Ela já sabia a resposta. — Não sei, não parece mais você mesma, Lauren. – Gabriel abaixou a cabeça, chutando o chão levemente. — Não existe mais Lauren, sabe disso. –
— Fique quietinha, Nai. – Era ele novamente, estava começando a irritá-la essa mania de surgir do nada. Não que o abraço não fosse bom, não que o corpo não tenha mesmo relaxado ao toque dele e ela quisesse se permitir permanecer ali e dormir, mas isso não poderia acontecer mais. Ele não poderia ficar invadindo o quarto dela quando bem entendesse. — Saia, Agares, ou vou gritar e meu pai irá arrancar sua cabeça antes mesmo que você possa piscar. — Pare de ser dramática. Estava me chamando, seu corpo está precisando do meu para descansar, ou acha que consigo mesmo deitar e dormir com você assim? — Assim como? — Virando na cama de um lado para o outro, gritando essa solidão toda. Não consigo, Nai – disse baixo demais, as palavras carregadas de sentimentos. Chamando por ele? Claro, ela estava se sentindo estranha, vazia, mas não estava pensando nele... ou estava? Ok, seu corpo parecia mais relaxado do que o normal naquele momento, seu sono