— Agradeço o “engraçadinho”, faz tempo que ninguém vê esse meu lado.
Naiara assustou-se quando encontrou o rapaz em seu quarto, sentado na poltrona no canto esquerdo.
— O que você pensa...? O que está fazendo? Saia daqui agora! – berrou abrindo a porta, sabendo que não conseguiu sequer dizer uma frase completa. – Saia!
— Infantil? Acabou de me chamar de criança? – O ódio a estava consumindo, ela ainda mantinha a porta aberta. – Não sabe nada ao meu respeito. Saia ou vou chamar meu pai!
— E ainda não acha que é criança... – retrucou o outro enquanto se levantava e passava por ela em direção à porta. – Quando quiser saber como salvar seu menino bonzinho, me procure. – Naiara fechou a porta antes que ele pudesse sair. – Sabia.
— O que sabe sobre o Gabriel?
— Sobre ele bem pouco. Sobre como salvá-lo, sei um pouco mais. Vai me ouvir agora ou continuará me expulsando do seu s
“Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado.” (Clarice Lispector) Não sabia para onde havia levado a todos, somente que surgiram em uma região pedregosa e com o tempo seco. Sentiu no mesmo momento os olhos arderem, à sua frente avistava montanhas e mais nada. Olhou ao redor e encontrou a expressão dos “meninos” para ela. Espanto, admiração, surpresa, expectativa. — E agora? — Agora vamos nos encontrar com o chefe. Foi Agares quem respondeu, já se colocando a caminho, seguido de Abigor. Naiara passou por Gabriel e o puxou consigo. Ele travou no lugar, obrigando-a olhar para ele. — Você está diferente. – Disse assim que seus olhos se encontraram. — Diferente como? – Ela já sabia a resposta. — Não sei, não parece mais você mesma, Lauren. – Gabriel abaixou a cabeça, chutando o chão levemente. — Não existe mais Lauren, sabe disso. –
— Fique quietinha, Nai. – Era ele novamente, estava começando a irritá-la essa mania de surgir do nada. Não que o abraço não fosse bom, não que o corpo não tenha mesmo relaxado ao toque dele e ela quisesse se permitir permanecer ali e dormir, mas isso não poderia acontecer mais. Ele não poderia ficar invadindo o quarto dela quando bem entendesse. — Saia, Agares, ou vou gritar e meu pai irá arrancar sua cabeça antes mesmo que você possa piscar. — Pare de ser dramática. Estava me chamando, seu corpo está precisando do meu para descansar, ou acha que consigo mesmo deitar e dormir com você assim? — Assim como? — Virando na cama de um lado para o outro, gritando essa solidão toda. Não consigo, Nai – disse baixo demais, as palavras carregadas de sentimentos. Chamando por ele? Claro, ela estava se sentindo estranha, vazia, mas não estava pensando nele... ou estava? Ok, seu corpo parecia mais relaxado do que o normal naquele momento, seu sono
— Você precisa ir! – disse sem rodeios.— Ir para onde?— Para sua casa. Seus pais estão lá, sua vida está lá. Escola, amigos, clube de matemática e tudo o que você realmente é, está lá. Se estão se unindo para acabar com meu pai, não quero você no meio disso.— Já parou para me perguntar o que eu quero, Lauren?— A questão não é essa – continuou a dizer sem se deixar abalar por seu antigo nome. – A questão é que você é totalmente humano e diante de uma batalha vai me atrapalhar, vou ficar preocupada em lhe defender e vou acabar sendo abatida. – Sabia que estava magoando o garoto, mas não permitiria que ele corresse perigo. – Não posso mais me preocupar com você, Gabriel.E foi o golpe fatal. As palavras dela caíram sobre
“Uma gota de sangue escorre pelas estrelas do firmamento. Um grande arco dourado substitui a lua A luminescência gélida cobre o astro-rei.” (Pablo de Paula) Ela não choraria. Estava furiosa, queria atacar, queria ver sangue jorrar! Andava pela sala de reunião de um lado ao outro, não conseguia sentar. A imensa mesa estava cercada pelos capitães de guerra de seu pai e os melhores soldados de Agares. — Vem aqui – Agares a puxou pela cintura quando passou por ele novamente. – Pare, não podemos sair atacando sem saber quem, onde e para que o levaram... Acalme-se, Nai – pediu envolvendo-a em seus braços. — Só não entendo, Agares... Por que ele não fez nada? Por que se permitiu ser capturado? — Não sei, Nai, não sei mesmo. Ele poderia ter acabado com tudo aquilo em segundos, também não entendo. — E como? Como nossos inimigos, Agares, nos acharam? Estávamos lá, eles não nos viam, nós os vimos andando ao redor
— Não precisa se preocupar, pode continuar com o jogo de sedução com a senhorita Sou-a-mais-gostosa-de-todas, já estamos indo embora. — Cresce, Naiara. – Ele avançou em direção a Heylel. – Como está, chefe? Parece que ainda não foi dessa vez que eles conseguiram derrotá-lo, não é mesmo? – Sorriu ajudando-o a se manter em pé. — Ridículo – disse a garota puxando o pai para si, recebendo um olhar quase fulminante de Agares com essa atitude. — Parem os dois – Heylel falou com dificuldade. Eles se olharam por um segundo. — Vamos sair daqui – Agares disse, enfim. Lá fora ainda se ouvia o barulho da guerra. Naiara estava começando a apresentar sinais de fraqueza. A magia do lugar a drenava muito mais do que de costume, seus joelhos cederam, mas ela se recuperou, não demonstraria a Agares sua fraqueza. Assim que avançaram, a tal mulher se materializou na frente deles novamente, com um sorriso de satisfação que fez Naiara arder de ódio.
Seus olhos abriram devagar, estavam turvos. Tentou passar a língua nos lábios secos, mas não obteve o resultado esperado. Fechou as pálpebras novamente, a escassa claridade a incomodava muito. Quis falar, mas a voz estava rouca demais, irreconhecível. Sentiu mãos desesperadas envolverem as suas e uma voz conhecida soou suplicante ao dizer: — Nai? Ah, Nai! Por favor, você pode me ouvir? Sim, ela estava ouvindo, mas não queria que Agares a tocasse, não queria que fosse ele a estar ali. Tentou falar, tentou se mover, mas uma dor lancinante atingiu sua barriga. Ela foi contida pelas mãos de Agares sobre os seus ombros. — Meu pai –respondeu rouca, sentindo a garganta arranhar. — Ele está lá fora, não saiu em momento algum. Vou chamá-lo. – Antes de ir, inclinou-se e seus lábios tocaram a testa dela. Naiara se retraiu o quanto pôde e viu a dúvida na expressão dele. Assim que o demônio abriu a porta, ela notou o pai entrando com receio, sem sabe
“Em seu sonho, ela estava inteira, sem ferimentos, marcas ou dor. Era somente a antiga Lauren andando pelas ruas do bairro, sem um destino certo ou mesmo o compromisso de um horário. Passou pela loja de quadrinhos e sua atenção foi atraída como sempre para a vitrine. Sua expressão brilhou ao avistar a primeira edição de X-Men, sua capa antiga e branca anunciava uma briga: Ciclope disparava seu raio vermelho contra um Magneto distorcido, atrás deles, um uniforme azul e amarelo deixava Jean sem curvas. Abriu a porta da loja escutando um sininho tocar. Entrou no lugar iluminado e repleto de exemplares que eram sua realização. Um jovem estava de costas atrás do balcão, talvez organizando alguma coisa, quando ela se aproximou. Queria saber o valor do quadrinho e, claro, levá-lo consigo. Disse algumas palavras que soaram sem som, mas o jovem se virou para atendê-la... e ela gelou. Um calafrio percorreu sua espinha paralisando-a no lugar. O atendente da loja era Gabri
Consiste a monstruosidade do amor... Em ser infinita a vontade, e limitados os desejos, e ato escravo do limite... (William Shakespeare) Os dois dias passaram mais rápido do que Naiara previa. Sem ataques, sem lutas, sem sinais de rebelião, somente dois dias sobre a cama, sendo mimada por Agares e tendo como fundo uma de suas trilogias favoritas. Ela mergulhava na história, perdendo-se na voz forte e toda a encenação que ele fazia a cada nova situação. Chegou à conclusão que realmente queria bater em Nina algumas vezes, mas ainda assim amava cada um dos personagens. Riu inúmeras vezes lembrando-se do quanto achava surreal a ideia de um outro mundo. Lembrava-se de seus livros favoritos e de quantas vezes pensou que os escritores tinham a imaginação fértil demais, privilegiadas, mal sabia ela que em todas as suas leituras, havia uma gota de verdade e lá estava Naiara, vivendo sua trama fantasiosa particular. Uma vez ou